domingo, 29 de abril de 2012

ENSINA-ME A DANÇAR


"Zorba o grego" é um romance de Nikos Kazantzakis que foi adaptado ao cinema em 1964, dirigido
por Michael Cacoyannis e interpretado magnificamente por Anthony Quinn acompanhado por Alan bates e Irene Papas.

Este é daqueles filmes imprescindíveis à minha memória. Zorba é um verdadeiro hino à vida, à liberdade e à luta pela felicidade. Quem o viu não se esquecerá nunca da música de Mikis Theodorakis.

Pois são desse grande músico as palavras de indignação que mão amiga me fez chegar:

"Não há outra solução senão substituir o actual modelo económico europeu, concebido para gerar dívidas, e voltar a uma política de estímulo da procura e do desenvolvimento, a um proteccionismo dotado de um controlo drástico das Finanças. Se os Estados não se impuserem aos mercados, estes acabarão por engoli-los, juntamente com a democracia e todas as conquistas da civilização europeia. A democracia nasceu em Atenas, quando Sólon anulou as dívidas dos pobres para com os ricos. Não podemos autorizar hoje os bancos a destruir a democracia europeia, a extorquir as somas gigantescas que eles próprios geraram sob a forma de dívidas.

Se os povos da Europa não se levantarem, os bancos trarão o fascismo de volta."

Também eu, também muitos de nós estamos indignados e muito inquietos com o que se passa na Europa. E apetece tanto pedir ao Zorba: "Ensina-me a dançar!"



sexta-feira, 27 de abril de 2012

PAI E FILHO





O Zé Jorge e o André já fizeram muitos livros juntos.

Agora, com a Editora Pato Lógico, publicaram este livro que me deu especial prazer folhear, ler, e ver, e olhar.

Escapa aos modelos mais generalizados. O papel é diferente. Mais rude, talvez. Menos brilhante. Mas mais próximo de nós. Fala-nos aos olhos, à inteligência, ao tacto.






segunda-feira, 23 de abril de 2012

OUTRA VEZ!




Uma vida fica - quase - justificada quando se pôde viver integralmente, um momento único como foi o 25 de Abril.

O problema é que estes não são momentos que se vivam e pronto, já passou, adeuzinho, vamos ao resto.

Estes momentos deixam promessas, sementes, sonhos por despoletar.


Isso é que é o pior. Ou melhor, isso é que é o melhor. Mas quando as promessas não se cumprem, quando as sementes não germinam, quando os sonhos não explodem, aí a coisa torna-se amarga. Muito amarga mesmo.

Mais amarga ainda quando, vemos há anos esta gente tão pequenina a roer o sonho, a construir extraordinários naufrágios, a abotoar-se com a talha dourada da fé de ser português, a gente que gere esta nova ditadura sem rosto.

Bom mesmo era dizer como os meninos pequenos quando uma história chega ao fim: OUTRA VEZ! OUTRA VEZ! OUTRA VEZ!

Fica-me o sonho de que esses meninos cresçam e em vez de dizerem apenas: "Outra VEZ!", façam

OUTRA VEZ ABRIL! OUTRA VEZ! OUTRA VEZ!


Nesse dia eu vou estar ao lado deles. Na rua. Claro. Só espero que não demorem muito.

domingo, 22 de abril de 2012

LIVROS QUE EU GOSTEI DE LER


"Hoje de manhã a minha mãe gritou comigo e eu fiquei desfeito,A minha cabeça voou para junto das estrelas...", etc, etc.

A minha amiga Ana Paula da Gatafunho tem feito um belo trabalho no campo da edição de livros para crianças. E a verdade é que muitos dos magníficos livros para crianças são também magníficos livros para adultos que não andam distraídos com crises e descrises, noticiários, desnoticioários, mercados e outros futebóis.

Estes dois enormes pequenos livros são simplesmente deliciosos.



terça-feira, 17 de abril de 2012

BALADA DOS AFLITOS - MANUEL ALEGRE


Os teóricos adíliodependentes e defensores da literatura oblíqua e liofilizada ficam muito irritados, nervosos, cheios de urticária, quando vêem a poesia a descer à rua ou à "Praça da canção".

Muitos dos mais significativos poetas do séc. XX levaram a sua voz inssurrecta para a poesia. Porque a poesia fez parte da sua vida e o seu coração bate em consonância com o dos que não tem outra voz para falar. E essa será porventura a mais nobre função da literatura e da poesia.

Lembro, entre muitos outros, Jorge de Sena, José Gomes Ferreira, Sophia, Eugénio de Andrade, Manuel da Fonseca, Egito Gonçalves, Natália, Daniel Filipe, Fernando Assis Pacheco, David Mourão-Ferreira,Ary dos Santos, e os meus companheiros Joaquim Pessoa, José Jorge Letria.

Acaba de sair o livro de Manuel Alegre "NADA ESTÁ ESCRITO". Daí este poema que nos recorda a urgência da poesia no diálogo, neste caso, com a voz ou com a falta de voz dos aflitos que são hoje muitos dos portugueses.

BALADA DOS AFLITOS

Irmãos humanos tão desamparados
a luz que nos guiava já não guia
somos pessoas - dizeis - e não mercados
este por certo não é tempo de poesia
gostaria de vos dar outros recados
com pão e vinho e menos mais valia.

Irmãos meus que passais um mau bocado
e não tendes sequer a fantasia
de sonhar outro tempo e outro lado
como António digo adeus a Alexandria
desconcerto do mundo tão mudado
tão diferente daquilo que se queria.

Talvez Deus esteja a ser crucificado
neste reino onde tudo se avalia
irmãos meus sem valor acrescentado
rogai por nós Senhora da Agonia
irmãos meus a quem tudo é recusado
talvez o poema traga um novo dia.

Rogai por nós Senhora dos Aflitos
em cada dia em terra naufragados
mão invisível nos tem aqui proscritos
em nós mesmos perdidos e cercados
venham por nós os versos nunca escritos
irmãos humanos que não sois mercados.

domingo, 15 de abril de 2012

GUARDA CHUVAS DE VALONGO


A capacidade e a liberdade de expressão dos meninos do pré-escolar é frequentemente fantástica. Tenho visto também muitas educadoras a trabalhar magnificamente essa ária do desenvolvimento das crianças.

No 1º Ciclo, em muitos casos, a expressão plástica vai por água abaixo e torna-se monótona, desinteressante e mal trabalhada. Predomina a preocupação com a leitura, a escrita e a aritmética.

No 2º Ciclo, em alguns casos, a leitura é deixada para o/a professora bibliotecária e, nas aulas, é espartilhada pelos braços todo poderosos da necessidade de cumprir o programa, com as suas interpretações, reduções,resumos, mais os sujeitos e os predicados (já não se chama assim, pois não?, e outras formas de matar o prazer de ler ou de o reduzir ao consumo de textos esquartejados.


A liberdade de falar com tintas e cores, com palavras, com sons, corresponde a uma das primeiras necessidades da humanidade.

Vê-la assim bem trabalhada é um prazer para a vista.

Estes guarda-chuvas vêm d< EB1 da Estação, Agrupamento Valis Longus de Valongo. O que é que pode dizer? Viva e viva e viva a chuva!




domingo, 8 de abril de 2012

MALEFÍCIOS DA LEITURA

Este país às vezes irrita. A maior parte dos dias irrita muito. É raro abrir a televisão. Procuro não saber as notícias. E sobretudo, as des-notícias. Mas é difícil. Há televisões em toda a parte a dar-nos cabo do juízo. Nos hospitais, nas repartições, nos cafés, nos restaurantes. A publicidade. A repetição até ao vómito de anúncios do que vai acontecer daqui a 10 minutos, pastilhas desinformativas, lixo, barulho. Estamos presos em malhas terríveis. A liberdade que a net prometia torna-se cada vez mais numa prisão. O ruído é enorme.Imenso. As pessoas viajam no metro ou no comboio de auscultadores nos ouvidos e telemóveis na mão. Com notícias...? Com música...??? Ruído.Toda uma panóplia assustadora que nos liga a tudo e nos deixa na mais dramática solidão, que nos afasta da real realidade ou/e da palavra que nos pode transportar para uma dimensão diferente dessa mesma realidade e da verdade de cada um de nós próprios. Que saudades do tempo em que os jornalistas falavam. E informavam. E faziam entrevistas que apetecia ler (Grande abraço ao BB, quem se lembra das entrevistas dele? E já agora um grande abraço ao Carlos Vaz Marques e à Anabela Mota Ribeiro e alguns poucos mais herdeiros excelentes dessa velha tradição, ou ainda à Alexandra Lucas Coelho pelas suas excelentes crónicas.) Mas queixo-me mais das notícias. Que saudades do tempo em que havia notícias verdadeiras e em que os opinistas só davam opiniões em casa deles.
Em Portugal faltam elites, sobretudo gente que não tenha andado nas diversas jotas a fazer carreira desde os 15 anos ou menos ainda. Gente que queira entender o mundo. E servir os outros. Gente que leia. Que queira ser grande. Quem nos governa, quem dirige as empresas, quem manda na televisão e muita imprensa, além de não fazer muitas outras coisas, não lê. E se lê, não pensa. E é para isso que serve ler. Para voar. Para nos ligar à terra (no sentido estrito da palavra), ao riso das aves, ao canto dos peixes, à palavra dos filósofos gregos,à música dos poetas. Por isso eu acho que ler é também resistir a este macmundo premastigado e dirigido por um grupo significativo de ignorantes enfatuados e globalmente analfabetos.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

POESIA À MESA 2012 EM S. JOÃO DA MADEIRA

Há dez anos que o Município de S. João da Madeira comemora não o dia mas a semana da poesia. E da "Poesia à Mesa". Trata-se de uma iniciativa que já ganhou raízes na capital dos chapéus e do calçado. A poesia espalha-se por toda a parte, restaurantes, em primeiro lugar, escolas, biblioteca, até desaguar na rua numa peregrinação poética que este ano envolveu centenas de pessoas, além de inúmeros grupos culturais sanjoanenses como os "Ecos Urbanos", "Teia dos sentidos" Universidade Sénior, Universidade Aberta, Esc. Serafim Leite, etc.


Com Ângela Costa de Almeida, Ricardo Carriço, José Fanha, Flor Yaleo e Filomena Tavares.
A Poesia à Mesa é um acontecimento único no país. Pela persistência, pelo empenho da autarquia, pela adesão da população.Pela criatividade que deu origem aos aventais da poesia vestidos pelos empregados dos restaurantes da cidade e pelos toalhetes como rosto de poeta e excertos de poemas que são usados nas mesas desses mesmos restaurantes.





Aqui em baixo, no final da peregrinação poética com o grupo Ecos Urbanos que fizeram uma performance notável, mais o Ricardo Carriço e o valter hugo mãe.



Durante a semana participaram ainda o grupo "Arte Pública" de Beja com o espectáculo “Camões é um Poeta RAP”,"A Comuna" com Carlos Paulo num espectáculo sobre Camões e valter hugo mãe, um dos seis poetas destacados este ano: Camões, Pedro Tamen, Matilde Rosa Araújo, Ivette Centeno, Malangatana e, justamente, valter hugo mãe. br />
A fechar, na última noite, o espectáculo com Simone de Oliveira, o pianista Nuno Feist e este que se assina.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

TONINO GUERRA

~

Alexandra Lucas Coelho dá conta no Público de domingo dia 1 de uma manifestação de poetas em Atenas.

Estou com eles. A posteriori. Mas estou com eles. Contra a troika e a economia que nos domina e maltrata, contra esta Europa que nos quer deixar sem respirar, contra muitas coisas e sobretudo a favor da vida.

Estou com eles nem que seja porque sim. Ou pelo homem. Pelos homens. Pela poesia que é a verdadeira língua da Humanidade.

E recordo o poeta e guionista italiano Tonino Guerra que morreu há poucos dias na casa dos 9o anos. Escrevia no dialecto Romagnolo da sua Romagna. Escreveu guiões que fazem parte da História do Cinema para cineastas como Fellini, Antonioni, Tarkovsky e vários outros.

A Assírio & Alvim publicou 4 livros de poesia de Tonino Guerra. Poemas delicados, subtis, quase diáfanos mas profundamente ligados à terra e às suas forças essenciais.

Aqui fica um dos seus poemas:


CANTO NONO


Terá chovido durante cem dias e a água infiltrada
pelas raízes das ervas
chegou à biblioteca banhando as palavras santas
guardadas no convento.


Quando tornou o bom tempo,
Sajat-Novà o frade mais jovem
levou os livros todos por uma escada até ao telhado
e abriu-os ao sol para que o ar quente
enxugasse o papel molhado.


Um mês de boa estação passou
e o frade de joelhos no claustro
esperava dos livros um sinal de vida.
Uma manhã finalmente as páginas começaram
a ondular ligeiras no sopro do vento
parecia que tinha chegado um enxame aos telhados
e ele chorava porque os livros falavam.


Tonino Guerra
em O Mel
Tradução de Mário Rui de Oliveira,
Assírio e Alvim, 2004