sábado, 7 de junho de 2014

BRANCO

BRANCO

(Sobre desenhos de Lagoa Henriques)

Branco é o oceano a beijar os pés da deusa.
Branco o meu olhar caminhando
por ruas onde o peixe vem dizer bom dia
ao meu país.

Branco o arrepio a concha
o búzio.

E a sombra branca do sol

E o fruto sumarento do amor.

Branco é o meu ofício
em frente à pedra ou à palavra,
branco o meu destino branco
entregue à brisa quente
das noites brancas de Junho.

No entanto
devo confessar
que muitas vezes me vesti
de ferro e grito
quando o céu se turvava
de adagas afiadas
e metais sombrios.

Respondi à chamada urgente
de lilases dolorosos
de escarlates abrasivos
de vermelhos palpitantes
de magentas arrancados ao choro dos vulcões.

Aprendi como é indispensável
esconder dentro do peito
os atavios da doçura
quando as botas cardadas
vêm esmagar as nuvens
e a fome acampa
sobre os ombros de esqueletos reduzidos
e o sangue de crianças se mistura
à brasa do fim do dia

Sei também
sei intensamente
que é preciso alguém
que em cada dia
levante o branco e diga o branco
e cante o branco e vista de branco o coração.
Alguém de terra.
Alguém de mar.
Alguém marinheiro de mistérios transparentes.
Alguém que derrame sobre o branco de uma pedra
a sua enorme e branca comoção.

(De "Marinheiro de outras luas" a sair em breve)

2 comentários:

Majo disse...

~
~ Forte e emocionante...

Mar Arável disse...

Aguardo o teu branco

com palavras em relevo