domingo, 19 de junho de 2016

VIRIATO DA CRUZ




Nos anos 50 e 60 a CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO, em Lisboa, foi um lar onde vinham habitar estudantes das colónias africanas portuguesas. Transformou-se num lugar de troca de ideias entre muitos dos que viriam a ser os dirigentes dos movimentos de libertação de Angola, Guiné - Cabo Verde e Moçambique.

Foi também um lugar onde cresceu a literatura africana em língua portuguesa e onde publicaram pela primeira vez poetas e escritores que são hoje marcos fundamentais da literatura lusófona de origem africana.

Vou aqui fazer um passeio por alguns dos livrinhos de poesia publicados então pela CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO e editados de novo há pouco pela UCCLA.



NAMORO


Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seu seios laranjas - laranjas do Loge
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe uma carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o Maninjo tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbado, sujo, e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" - Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário

Tocaram uma rumba dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

3 comentários:

Florinda C. Pacheco disse...

Este poema é um dos meus favoritos do nosso "poetar" português.
Obrigada, amigo!!!!
AMEI!!!!

Unknown disse...

É lindo este poema. Sabemos que os tempos mudaram. "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", mas o que importa é que não esqueçamos os valores humanos. Os afetos que tanto fazem falta neste mundo, valores que se perdem, tradições que apesar de nos quererem "acordar", ainda há quem não as aceite...
Como é bom ler um poema assim pela manhã.
Bem haja.

Júlio Pêgo disse...

Poesia da melhor, corpo e alma num poema de um amor tranquilo.