domingo, 20 de janeiro de 2008

AS COISAS DE QUE EU ME LEMBRO

Às vezes vou visitar as coisas de que me lembro. Ainda não sou muito grande mas já sou capaz de me lembrar de muitas coisas. Umas coisas que aconteceram e outras que nunca aconteceram.
Lembro-me, por exemplo, de me pôr a engolir ar, engolir ar e, depois, começar a sentir-me leve e leve até levantar os pés do chão e ficar a flutuar pela sala da minha casa.
Lembro-me muito bem de andar assim suspenso junto ao tecto. Parecia um heli-pássaro. Uma mistura de passarinho e helicóptero. Ficava quase sem peso e andava a flutuar, a ver as coisas de cima, a ouvir as coisas lá em baixo.
Tudo parecia tranquilo e calmo. As pessoas entravam e saíam da sala e falavam com suavidade sem sequer repararem que eu andava por ali quase a bater no tecto.
A minha mãe era leve. Trazia os talheres, os guardanapos, os copos. O meu pai chegava. Sorria. Os dois sabiam ainda sorrir um ao outro e eu seguia daqui para ali como se uma brisa me empurrasse e de repente quase que dava uma cabeçada no candeeiro.
Lá em baixo havia uma grande arrumação e limpeza. A madeira dos móveis brilhava. A mesa estava posta para jantar e a luz da tarde adormecia por fora da janela e tudo ia ficando envolto numa penumbra morna e doce.
Lembro-me tão bem de como era bom andar a flutuar pela casa fora quando tudo em casa era uma grande paz... Que pena nunca ter acontecido...

in "DIÁRIO INVENTADO DE UM MENINO JÁ CRESCIDO"

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