Meu querido filho,
Escrevo-te hoje para falar de uma coisa que estás farto de conhecer: a solidariedade. Mas nunca é demais falar sobre este tema e a verdade é que em escrever os recados que te quero dar também eu arrumo e questiono as minhas ideias.
Cresci num tempo em que os “Beatles” cantavam “All together now” e o Zeca dizia “Traz outro amigo também”. Estar juntos, fazer a festa juntos, contestar juntos, eram os valores do meu tempo de adolescência. Verificou-se depois que para muita gente essas palavras eram apenas palavras e a realidade, quando chegava, mostrava-se muito menos entusiasmante. Mas nem por isso deixaram de ser palavras bonitas e ideias generosas.
Pela força destas ideias e talvez também pela minha maneira de ser, nunca me preocupei em ter notas melhores que o parceiro do lado. Sempre quis saber mais. Apenas mais. Tornar-me melhor. E ajudar os parceiros do lado a serem também melhores.
Curiosamente, este “All together now” ou o “Traz outro amigo também”, privilegiando o colectivo, acabavam por potenciar o individual. Da mesma maneira que o individualismo exacerbado, quanto a mim, acaba por banalizar e massificar os comportamentos de todos e de cada um.
Sempre tive a vaidade e o orgulho de não ser copiável. Sempre agi acreditando que ninguém podia ocupar o meu lugar. E, por isso, nada fazia mais sentido do que ajudar os outros a encontrarem o seu próprio lugar.
Ao longo dos anos viste-me ou soubeste-me na solidariedade com várias lutas: contra as ditaduras da América Latina, pela Amnistia dos Presos Políticos, pela liberdade para o povo de Timor, contra o apartheid, o racismo e a xenofobia, pela conquista de condições de tratamento e dignidade para os doentes da SIDA ou os Deficientes Neuro-musculares, e outras lutas de que agora já nem me lembro.
Talvez em nenhum desses casos eu tivesse a pretensão de resolver alguma coisa numa só manifestação, num comício, num espectáculo, numa angariação de fundos. Mas acreditava que se trouxéssemos outro amigo também e se estivéssemos all together now, talvez se pudesse criar uma onda, uma voz colectiva, uma força de paz e tolerância absolutamente incontornável.
Não te venho dizer nada que seja novo para ti. Tenho a felicidade e o orgulho de saber que tu e muitos amigos teus comungam de ideias semelhantes, mesmo que os tempos e as modas não estejam para solidariedades.
Tu sabes que hoje a luta não é só pela solidariedade individual. É também pela criação de uma sociedade em cuja prática diária esteja inscrita a solidariedade como forma de ser e de respirar.
Mas atenção! Estamos tão longe disso... Toma cuidado. Vão tentar diminuir-te e chamar-te sonhador. Vão dizer que a solidariedade é uma coisa do passado. Que já não é necessária. Que se quiseres tratar da tua vidinha tens de te deixar de utopias. Que tens de ser ferozmente competitivo se queres atingir esse Eldorado moderno que é a palavra “sucesso”.
Gostava de te saber forte, de te ver a desconfiar da efemeridade das modas e a ter uma funda segurança na justeza das ideias e uma grande paixão pelas coisas da vida.
Só os mais fortes, os mais inteligentes, os que têm maior coração são capazes de dar a mão aos outros homens, de repartir com eles o pão e o vinho, e de criar as condições para que este nosso pobre mundo se salve das barbaridades que lhe têm feito. E salvar o mundo até talvez seja fácil. Talvez baste trazer outro amigo também e conseguir que estejamos all together now... and forever.
Olá Fanha!
ResponderEliminarTenho lido com muito gozo o que escreves aqui. Mas hoje, esta 3ª carta,pôs-me a acenar a cabeça. Que sim, que sim. Bom ano, muito trabalho e poucos açúcares.
Um abraço do
António Mota
Olá Zé Fanha,
ResponderEliminarTocante a sua carta1!..
Concordo em absoluto com aquilo que está dito, e subscrevo-o.
Um beijinho,
Paula
A SOLIDARIEDADE pode ter passado de moda para alguns, mas vale a pena acreditar que não criou bolor no coração de muitos.
ResponderEliminarSão exemplo disso as palavras desta “intenso-terna” carta.
Um abraço solidário pela sua solidariedade com o sofrimento e indefesa dos outros.
Rita Carrapato
Olá Zé Fanha!
ResponderEliminarObrigado pela tua carta,comoveu-me.
Solidariedade não passa de moda, não...claro que para alguns nunca existiu mas esses ..enfim deixamo-los cair.
Um beijinho de Espinho
Isabel sousa
Olá Fanha,
ResponderEliminarquem me dera a mim como pai poder deixar assim tamanho testemunho, aos meus filhos. Solideriedade é dar, dar, dar e receber apenas e só... um sorriso. Mas nem todos o sabe ver...
A solidariedade tornou-se um arcaímo. Com efeito, ninguém se preocupa com a dor, as desigualdades, as diferenças alheias. Ninguém que tenha voz activa e a liderança de governos, instituições, associações.
ResponderEliminarNuma aldeia tão global, cada um vive per si, entregue aos seus desejos e ambições pessoais.
Para onde caminhamos?
Passo por cá, solidário. Solidariamente, sou recebido. Sem nada me ser pedido, saio enriquecido. Se calhar, é este o preço de um sorriso...
ResponderEliminarAbraço.
Olá, meu qujerido neto,
ResponderEliminarquando fores grandito, aconselho-te a abrires o blogue Queridas Bibliotecas do poeta José Fanha, atenta bem nas cartas que ele escreveu ao filho. São as cartas que gostaria de escrever para ti, mas não sei. Como também é difícil dizer melhor do que o José Fanha, está tudo dito. Lê e medita. pensa que este era o exemplo e o testemunho que o teu avô gostaria de te deixar. Mil beijinhos, querido netinho.
André Moa