segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O LIVRO BRANCO DA MELANCOLIA




QUANDO EU FOR PEQUENO

Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a ceteza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.

Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.

Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.

Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena
com um lenço branco com as iniciais bordadas
anunciando que vai voltar porque eu sou pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.


José Jorge Letria

4 comentários:

  1. Um poema belo, a transbordar metáforas e significados. Acompanhado por uma melodia doce...
    Bom início de semana.

    Beijos.

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  2. A primeira vez que ouvi este poema foi dito por si.
    São, também, estes momentos que tornam as vidas mais bonitas.
    Obrigada.

    Até sempre
    Beijinhos
    margarida

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  3. Abraço amigo para os dois.

    o Zé Jorge fez o prefácio do meu próximo livro

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