segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

UM POSTAL ERÓTICO



O meu amigo Mário Alberto foi a última pessoa a morar dentro do Parque Mayer.

Pintor, cenógrafo, boémio, iconoclasta assumidíssimo, o Mário Alberto, hoje doente, é um homem com um sentido de humor único e uma vida cheia de histórias absolutamente deliciosas e delirantes.

Conhecemo-nos quando ele desenhou a roupa para o primeiro trabalho de ficção que fiz para a RTP, uma série infantil chamada "Zarabadim". Ficámos amigos desde logo.

Numa altura de vida complicada, quando eu estava em baixo ia ter frequentemente com ele ao "escritório", ou seja, à cervejaria Ribadouro a dois passos do parque Mayer, onde o Mário "recebia" os amigos lá por volta da meia-noite.

Duas ou três histórias do Mário Alberto e todas as nuvens se me afastavam dos olhos, a alegria voltava, a gargalhada era garantida.

Um dia cheguei ao Ribadouro e o Mário Alberto quase saltava da mesa. "Ainda bem que apareces! Preciso que me escrevas um postal erótico. Mas em francês. Eu falar francês, falo como o caraças. Mas para escrever é que é mais difícil..."

O postal era para uma rapariga. Até aí tudo bem. Mas a rapariga era muito invulgar: uma beldade argelina!

Tudo tinha começado num restaurante da zona de Santos. A um canto almoçava um grupo grande de argelinos de passagem por Lisboa num cruzeiro. Entre eles, uma beldade "de fazer parar o trânsito".

O Mário Alberto não perdeu tempo. Na toalha de papel fez-lhes umas caricaturas rápidas e lá foi de toalha em punho meter conversa com eles mas, está visto, sempre de olho na beldade.

Ficaram amigos, trocaram moradas com aquela exuberância de quem sabe que nunca mais se há-de voltar a encontrar.

Mas o Mário Alberto ficou a empreender e resolveu mandar um postal erótico à rapariga e convidá-la a vir passar uns dias a Lisboa.

Com alguma apreensão lá escrevi o postal que ele já tinha bordado a desenhos devidamente alusivos.

Passaram-se dois ou três meses até voltar a vê-lo. Então e a argelina?, perguntei-lhe eu. "Nem me digas nada! Uma desgraça!" respondeu-me o Mário ironicamente pesaroso.

A argelina respondeu ao postal erótico e mostrou-se muito feliz com a perspectiva de vir ter com ele a Lisboa. Combinaram tudo. No dia aprazado o Mário Alberto muniu-se de um grande olho de rosas e foi esperá-la ao aeroporto. Mas a argelina que apareceu não era a beldade deslumbrante que ele esperava. Era outra, uma horrível, feia e "absolutamente imprópria para consumo"!

No meio das moradas recolhidas no tal restaurante, o Mário tinha baralhado as moradas da beldade com a desta sujeita que ainda por cima "... logo no primeiro dia gastou-me um pacote de esparguete daqueles que dão para um mês e esvaziou-me uma garrafa de litro de azeite!"

E depois, como é que a história acabou?, quis eu, de novo, saber. O Mário Alberto não arranjou melhor solução: fugiu para casa do irmão e só voltou à sua casa no parque Mayer quando teve a certeza que ela se tinha ido embora de vez!

Podia tirar daqui uma moral qualquer. Mas gosto da história assim mesmo, sem mais condimentos. E continuo a rir-me muito sempre que dela me lembro.



Capa de um livro que se encontra por aí nas prateleiras de algumas livrarias sobre a vida e a obra do meu amigo Mário Alberto.

3 comentários:

  1. Imagino como te ris ainda....
    Acontece aos melhores!
    :))))

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  2. Que história com um final pouco feliz :(
    Diverti-me muito com esta partilha :)))
    Adoro estes seus pequenos contos da vida real!

    Grande abraço e um sorriso :)

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  3. Apesar do tempo escasso, criei a rotina de repousar uns instantes sobre o que vai colocando neste lugar. Principalmente porque encontro afecto, esse pilar com que se vai segurando o mundo (tantas vezes) azedo e cinzento. São assim as palavras. As escritas. Quando ancoradas por alguém que lhes vê a luz ou as trevas.

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