quarta-feira, 6 de abril de 2011

COM PAPAS E BOLOS

Todos os domingos, a Revista Pública dá ao papel na sua última página um inquérito com umas perguntas engraçadotas daquelas que tanto faz ser assim com ao contrário. As respostas às vezes são interessantes, outras vezes tão descartáveis como as próprias perguntas.

Este último domingo o inquirido foi um jovem de 27 anos, de nome Michael Seurat, Presidente da Juventude Popular e Deputado.

Sei que, que com algumas e honrosas excepções, os nossos deputados não primam pela cultura, pela finura de espírito,ou pelos vastos conhecimentos (nem, com frequência, pela boa educação).

Mas que diabos! Mesmo que na prática possam estar mais virados a tratar de interesses próprios ou do partido a que pertençam, a verdade é que é suposto serem representantes da Nação. E como tal, digo eu, é suposto tentarem não dizer muitos disparates e, se possível até, manterem uma atitude minimamente pedagógica em relação a quem os elegeu, ou seja, a própria Nação.

Vai daí, transcrevo:

"Pergunta- Qual o seu pintor favorito da escola flamenga?

Resposta do sr. Deputado - Como dizia o grande José Severino: "Eu é mais para bolos". Música, literatura ou cinema também, mas sobretudo bolos."

Fiquei fascinado pela finura da resposta e pela profundidade a requerer uma imensa onda de fluxo esofágico. Talvez tenha querido ser engraçado,é possível, mas cá para mim, mesmo que assim seja, a graça traduz certamente um desprezo altivo por essas coisas da cultura.



Lembrei-me logo daquela canção "ESTES SÃO OS FILHOS DA NAÇÃO..." dos Quinta do Bill.

E lembrei-me também daquela outra do Zeca Afonso:

"COM PAPAS E BOLOS
SE ENGANA O BURLÃO
OS QUE DE LÁ SÃO
E OS QUE PARA LÁ VÃO"

Continuamos na cauda da Europa tanto em iliteracia literária como iliteracia artística.

Está à vista que este país evolui pouco. A começar por cima (se é que se pode chamar cima a isto...).

E quanto ao resto, "NO COMMENTS" como dizia um antigo treinador inglês do Benfica.

10 comentários:

  1. Este deputado é, obviamente, um ignorante!

    Beijo.

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  2. Correndo o risco de parecer um ignorante nesta área - que o sou, conhecendo aqui apenas o Rubens - e sem querer defender o deputado em causa, que para além de não conhecer o tema, respondeu de um modo digno para o Herman José mas não para um deputado, gostaria de dizer que há vários tipos de “culturas”.
    Um indivíduo que dedique toda a sua vida ao estudo de uma ciência específica (física, matemática, medicina, genética…) e que seja bom no seu desempenho, poderá ter um défice “cultural”. Mas terá a sua “cultura”. A científica. Poderá não ter a literária e artística. Então se for óptimo no seu desempenho, poderá ser um completo ignorante noutras áreas que não a sua… porque um indivíduo brilhante numa destas áreas dedica-se-lhe frequentemente em exclusivo. E até lhe damos a preferência quando precisamos de um “bom trabalho” na área.
    Na sua área poderá até nem haver melhor. Aí, ninguém o baterá na “sua cultura” científica…

    Isto apenas para dizer que, sem conhecer a pessoa em causa, reconheço a existência de uma tal panóplia de “culturas” que sinto que é impossível que alguém as conheça a todas, tendo de ser ignorante em algumas. Aliás, será cada vez mais difícil a qualquer um de nós ter um conhecimento generalizado de todo o conhecimento humano sempre em crescendo.

    Reconheço também que a questão da jornalista poderá não ter sido inocente…

    Não conheço o deputado em causa. Não sou deputado, nem tenho nenhuma simpatia especial por deputados.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Tem toda a razão. Ninguém é obrigado a saber tudo. Embora as nossas escolas deverem dar uma educação artística básica, o que ainda não fazem.

    A ignorância não é vergonha. Vergonha é mostrar orgulho na ignorância que é o que me parece ter acontecido com esta tentativa de laracha foleira a procurar fazer do analfabetismo artístico uma coisa que merece gargalhada grosseira.

    Dos políticos não esperamos graçolas de cómico barato mas alguma seriedade que nos permita desconfiar que quem nos governa sabe do que fala.

    O inquérito foi criado por três pessoas respeitáveis e repete-se há muitas semanas com as mesmas perguntas que, sendo ligeiras, não exigem respostas tontas.

    Além do mais, julgo que as respostas são dadas por e-mail. Portanto, o sr. deputado até tinha oportunidade de ir consultar a net para dizer qualquer coisa que disfarçasse a ignorância.

    Grande abraço,

    JF

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  5. Caro José Fanha,

    Não estou a defender a ignorância. E condeno a resposta do deputado em causa.
    E estou de acordo com a implementação de uma educação artística básica nas nossas escolas. Gostaria eu de ter tido História da Arte.

    Ao escrever este texto recordava um episódio pessoal com um ano. Tendo deixado 23 anos de dedicação à ciência (por motivos vários, incluindo a saúde de um familiar), dizia eu à minha vizinha, Professora de Literatura Portuguesa, que até iria ter mais tempo para me dedicar “às coisas da cultura”.
    “Mas abandona 23 anos da sua cultura para se dedicar a outra cultura para quê?” Dizia ela com espanto.

    Na verdade, a cultura científica não tem sido reconhecida como tal. Em conversas com um amigo Prof. de Arte, fico quase sempre maravilhado. Mas tenho dificuldade em o maravilhar com a minha sabedoria nas áreas da Saúde e mesmo da Economia… talvez porque não são sabedorias tradicionais… talvez porque tragam pouca paixão à maioria das pessoas… talvez porque tudo o que é revista e jornal as banaliza, parecendo que falar superficialmente sobre cada uma é suficiente para se saber mais que quem as estudou…

    Bem. Peço desculpa pelo desabafo. E reforço a ideia de que não defendo (nem nunca defenderei) a ignorância.

    Um Grande Abraço!

    António:.

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  6. Quando a dita “cultura” for transversal a todas as áreas estaremos no bom caminho.
    As Ciências têm tudo a ganhar com o talento literário dos seus divulgadores.

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  7. Tem toda a razão José Fanha!
    "SEM COMENTÁRIOS"! É isto que nos espera!!!

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Prefiro os jovens deputados de direita com sentido de humor, do que aqueles outros menos jovens que ensaiam censuras veladas nos bastidores... Fala-vos quem viveu a surpresa de uma suspensão em 1988 por "atentar contra valores históricos..." Um abraço !

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