O Manuel António Pina não é só um excelentíssimo escritor para a infância. É também um belíssimo poeta e um cronista (Jornal de Notícias) de grande desassombro e coragem na forma como aponta o dedo aos muitos desvarios em que o nosso país é fértil.
As nossas instâncias académicas e de recensão literária sofrem tiques graves de centripetismo e vivem muito mergulhadas em modas e modismos que deixam muitas vezes de parte os poetas menos dados a frequentar os mesmos bailes.
Mas às vezes acertam, como é o caso.
Com o Manel cruzei-me num trabalho de guionismo que nos levou à Galiza numa colaboração entre a TV portuguesa e a Galega que acabou por ficar no tinteiro.
Passámos um fim-de-semana a trabalhar com guionistas galegos. Foi uma delícia conviver com a sua ironia e os eu talento. Mas o Manel sofria porque para ele, estar longe de casa é um pesadelo. Anda ali pelo bairro e não gosta de deixar os gatos sem companhia.
E aqui vai um grande abraço e mais um poema do grande poeta que é o Manuel António Pina.
A UM HOMEM DO PASSADO
Estes são os tempos futuros que temia
o teu coração que mirrou sob pedras,
que podes recear agora tão fundo,
onde não chegam as aflições nem as palavras duras?
Desceste em andamento; afinal era
tudo tão inevitável como o resto.
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se
da tua vista os bons e os maus momentos.
Tu ainda tinhas essa porta à mão.
(Aposto que a passaste com uma vénia desdenhosa.)
Agora já não é possível morrer ou,
pelo menos, já não chega fechar os olhos.
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