AZUL
(Sobre uma pintura de Pedro Chorão)
Falei, falo, falarei
de um tempo azul, um tempo transparente,
um tempo de traineiras cheias de alegria e prata.
Falei, falo, falarei
de um tempo de telhados preguiçosos,
um tempo obsessivamente azul
com a Primavera a pousar
no tímido suspiro das rosas
pela manhã.
Aprendo uma e outra vez
como é diferente o tempo azul em cada idade,
em cada inquietação,
em cada tempo.
Relembro
o carrossel de todos os azuis,
nos rasgões da herança sonâmbula
que os deuses deixam
a quem queira desvendar os caminhos obscuros
desta vida.
Relembro o primeiro azul na cicatriz polar,
o índigo com seu corpo de caju e peixe seco,
o azul dos meus 6 anos na ilha de todos os piratas,
o azul Neruda, Ilha Negra, Patagónia,
o altivo e frio azul
no rosto de porcelana
das dinastias chinesas.
E o triste, o negro azul
das plantações de algodão.
E o mentiroso azul argentino,
escondendo em si o tango que é vermelho,
feito de veludo ou vinho
ou sangue coalhado.
Cada azul acorda vestido de outras sedas.
Cada azul carrega seu navio, seu mar, seu sonho,
seu cardume de espigas e searas,
sua pequena azeitona no bolso do coração.
De todos os azuis que visitei
guardo no mais doce da lembrança
o azul dos rodapés das casas alentejanas,
o azul da digna respiração das casas alentejanas,
o azul com que as casas alentejanas
oferecem, em cada sombra, um mar inventado
à dolorosa secura do chão.
José Fanha
(DE "Marinheiro de outras luas", a publicar)
(Pintura de Pedro Chorão)
ResponderEliminarAzul, que é tão nosso!
Só ele poderia pintar, com esta luminosidade, um poema.
Lídia
Para lá dos azuis
ResponderEliminarAbraço