segunda-feira, 6 de outubro de 2014

DA CIÊNCIA DE VOAR



Eduardo White, poeta moçambicano, embora com várias obras publicadas em Portugal, é daqueles poetas só referidos pelos "iniciados. Quer dizer, pelos que andam sempre à procura de vozes verdadeiramente comunicantes. Esta era uma delas Foi-se embora cedo de mais há cerca de mês meio.



Uma mão relampeja na casa da escrita.
Faísca Troveja.
Procura um claro instante para a aparição.

Pode-se vê-la correr pelo dorso do papel,
deitada do seu lado ou do seu modo rastejante,
pode-se vê-la provando o ruminante delírio das palavras,
a sua rasante arrumação,
e leva vozes aquela mão em cada delicada passagem,
rítmica, latejante
ou um nervo animal que faz lembrar
a textura pedestre do papel.
Mas a mão voa, explosiva,
e não cai nem agoniza no espaço vibrante onde se comunica.

Voar é um fervoroso recolhimento.
E no que é quase a medida elementar do esquecimento
a escrita navega
num estuário de silêncio.
Escrever é uma droga antiga,
uma bebedeira que queima com lentidão
a cabeça,
traz as luzes desde as vísceras,
o sangue a ferver nas vias tubulantes,
traz a natureza estimulante das paisagens
que temos dentro.

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