quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

TU DORMES

Não serão muitos os poemas em que Sophia de Mello Breyner Andersen traz a intimidade dos afectos para a mesa da poesia.

A sua poesia visita mais os terrenos dos mitos e da polis. Brilha nela uma altivez, um limpeza das palavras que nunca se perde mesmo quando raramente se aproxima de temas mais pessoais e reservados.


TU DORMES


Tu dormes embalado nos rochedos
E aos meus ouvidos vem falar o vento.
Escuto, busco, chamo e não respondes,
E todo o mundo se tornou fantasma.

Estou fechada, suspensa, prisioneira
Queria voltar para fora, para o dia
Ressurgir, respirar, tornar a ver,
Mas todo o mundo se tornou fantasma.

E a voz do mar encheu o céu e a terra
Uma voz que está cheia e que se quebra
E nunca mais acaba.

Pássaros brancos cortam as janelas,
Anémonas cintilam nos rochedos:
Terror de estar sozinha e de escutar
Com este tempo morto entre os meus dedos.

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