quarta-feira, 30 de março de 2011

ARTUR AGOSTINHO



A idade avança e vamos começando a ver os amigos a partir.

O Artur Agostinho é uma das vozes da minha vida. Cresci com a rádio e, portanto, cresci a ouvir a voz dele em reportagens, noticiários e, sobretudo na forma única de fazer um relato de futebol. Ainda hoje, futebol na rádio só com o Agostinho. Essa voz é que nos fazia "ver" o jogo sem patetices de espectáculo gargarejante.

E depois, o Artur Agostinho era ainda o actor de vários filmes ingénuos que misteriosamente não envelhecem e, de geração em geração, continuam a fazer-nos rir e a encherem-nos de alegria e de ternura.

Mais tarde conheci-o pessoalmente. 1970, 19 anos, estudante de arquitectura a precisar de ganhar uns cobres, fui parar ao "Record" onde fiquei cerca de um ano.

Era um luxo a equipa do jornal nessa altura. Director o Artur Agostinho, sub-director o Mário Zambujal, e mais o Sérgio Ribeiro (esse mesmo, o economista, metido em coisas de bola), o Rui Mingas (a escrever sobre atletismo e a contas permanentemente com a raiva da PIDE), o Fernando Assis Pacheco com as suas crónicas deliciosas, o Carneiro Jacinto, puto como eu a aprender o ofício. E outros de que, desculpem lá, só me ficou um rosto na memória e cujo nome se apagou.

Mais tarde, trabalhei com o Artur Agostinho quando fiz a adaptação para português da série de televisão "ANA E OS SETE" (ele era o avô, lembram-se?).

Foi um grande prazer. Profissional de invulgar rigor, conversador de primeira água, homem de deliciosa afabilidade, o Artur Agostinho teve a grandeza de, apesar de maltratado no período de fogo do 25 de Abril, ter conseguido ultrapassar azedumes e dores para se integrar como um jovem feliz e descontraído nos novos tempos que mudaram a face deste país.

A idade avança e vamos começando a ver os amigos a partir. Dizemos-lhes adeus. E pedimos que nos guardem lá em cima lugar numa mesinha onde um dia (e que seja tarde, que diabos!) nos possamos sentar para tomar a bica e dar-mo-nos ao prazer vadio da conversa.

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