sexta-feira, 29 de abril de 2016
POETAS DE ABRIL E ABRIL, MARIA TERESA HORTA
MULHERES DE ABRIL
Mulheres de Abril
somos
mãos unidas
certeza já acesa
em todas
nós
Juntas formamos
fileiras
decididas
ninguém calará
a nossa
voz
Mulheres de Abril
somos
mãos unidas
na construção
operária
do país
Nos ventres férteis
a vontade
erguida
de um Portugal
que
quarta-feira, 27 de abril de 2016
POETAS DE ABRIL EM ABRIL: JOAQUIM PESSOA
RUAS DE LISBOA
Ruas da minha cidade
veias que o meu sangue abraça
e põe cravos de ansiedade
na lapela de quem passa.
Ruas da minha cidade
onde perco o coração.
Poema diz a verdade!
Diz a verdade canção!
Ruas da minha cidade
amanhecendo a firmeza
duma ponte entre a saudade
e um Abril à portuguesa.
Ruas da minha cidade
onde vingo as minhas asas.
O meu nome é liberdade
e moro em todas as casas.
Ruas da minha cidade
praças da minha alegria
onde antes da claridade
era noite todo o dia.
Ruas da minha cidade
onde o velho é sempre novo:
as ruas não têm idade
porque são todas do povo.
Ruas da minha cidade
becos de ganga puída.
Oficinas da verdade
dos operários desta vida.
Ruas da minha cidade
janelas do meu olhar
onde os pardais da amizade
à tarde vêm poisar.
Ruas da minha cidade
rasgadas por minha mão.
A gente passa à vontade
quando pisa o nosso chão.
Ruas da minha cidade
Aonde eu quero morrer
Com cravos de eternidade
Dos meus olhos a nascer.
terça-feira, 26 de abril de 2016
ABRIL NOS POETAS DE ABRIL: JOSÉ JORGE LETRIA
Comoveme-me muito este poema do meu muito querido amigo José Jorge Letria. É muito importante guardar a memórica fantástica dersses dias e contar vezes sem conta como foi viver ao vivo esses dias no centro do mais furacão da nossa vida.
O QUE AQUELA NOITE ME QUIS DAR
Eu não estava em casa nessa noite, filho,
nem podia estar. Estava nas ruas com os
[soldados
que rumavam às rádios e aos quartéis,
[engalanados
de sombra e de júbilo, a ver o que aquela
[noite
ia dar, o que a nossa liberdade prometia
[ser.
E tu, filho, tinhas a idade rumorejante
desse Abril embalado por uma canção do
[Zeca.
Como posso eu explicar-te tudo aquilo
que tu nasceste para aprender, para viver?
Eu estava aquartelado no meu silêncio
de pétalas, sílabas e marés, no meu dédalo
de vozes embriagadas pelo vento,
na coragem errante das pelejas da infância
e pouco ou nada sabia do mistério desse
[mês
capaz de transformar em assombro as
[nossas vidas.
Sim, sou eu neste retrato antigo,
a receber em festa os exilados, os que
[chegavam
com grinaldas de cantigas e a flor de uma
[ilusão
bordada a sangue e espuma no capote das
[nocturnas caminhadas.
Sim, sou eu a escrever a primeira
[reportagem
do primeiro de muitos dias em que o
[tempo
deixou de contar, em que os relógios
se tornaram corolas de paixão e riso
na lapela larga da alegria desta pátria.
Eu não estava em casa nessa noite, filho,
estava a afinar o coração pelo tom
das mais belas melodias que alguém pode
[aprender
para dar a quem ama a paz de um sono
sem tormento.
O QUE AQUELA NOITE ME QUIS DAR
Eu não estava em casa nessa noite, filho,
nem podia estar. Estava nas ruas com os
[soldados
que rumavam às rádios e aos quartéis,
[engalanados
de sombra e de júbilo, a ver o que aquela
[noite
ia dar, o que a nossa liberdade prometia
[ser.
E tu, filho, tinhas a idade rumorejante
desse Abril embalado por uma canção do
[Zeca.
Como posso eu explicar-te tudo aquilo
que tu nasceste para aprender, para viver?
Eu estava aquartelado no meu silêncio
de pétalas, sílabas e marés, no meu dédalo
de vozes embriagadas pelo vento,
na coragem errante das pelejas da infância
e pouco ou nada sabia do mistério desse
[mês
capaz de transformar em assombro as
[nossas vidas.
Sim, sou eu neste retrato antigo,
a receber em festa os exilados, os que
[chegavam
com grinaldas de cantigas e a flor de uma
[ilusão
bordada a sangue e espuma no capote das
[nocturnas caminhadas.
Sim, sou eu a escrever a primeira
[reportagem
do primeiro de muitos dias em que o
[tempo
deixou de contar, em que os relógios
se tornaram corolas de paixão e riso
na lapela larga da alegria desta pátria.
Eu não estava em casa nessa noite, filho,
estava a afinar o coração pelo tom
das mais belas melodias que alguém pode
[aprender
para dar a quem ama a paz de um sono
sem tormento.
segunda-feira, 25 de abril de 2016
POETAS DE ABRIL EM ABRIL: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN
25 DE ABRIL
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
quinta-feira, 21 de abril de 2016
POETAS DE ABRIL EM ABBRIL: DE NOVO MANUEL ALEGRE
Um belíssimo sonetoque juntam a guerra, o trabalho e a luta pela liberdade
AS MÃOS
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema - e são de terra.
Com mãos se faz a guerra - e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
terça-feira, 19 de abril de 2016
POETAS DE ABRIL EM ABRIL: MANUEL ALEGRE
Manuel Alegre é o poeta da minha geração, a voz que ilumina os estudantes e dá força e poesia à sua revolta cada vez mais intensa a partir de 68.
Este belíssimo poema que é um dos primeiros de "Praça da Canção" é todo ele um programa do que é a poesia da revolta.
BICICLETA DE RECADOS
Bicicleta de Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Pedalo nas palavras atravesso as cidades
bato às portas das casas e vêm homens espantados
ouvir o meu recado ouvir minha canção.
Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Vem gente para a rua a ver a novidade
como se fosse a chegada
do João que foi à Índia
e era o moço mais galante
que havia nas redondezas.
Eu não sou o João que foi à Índia
mas trago todos os soldados que partiram
e as cartas que não escreveram
e as saudades que tiveram
na minha bicicleta de recados
atravessando a madrugada dos poemas.
Desde o Minho ao Algarve
eu vou pelos caminhos.
E vêm homens perguntar se houve milagre
perguntam pela chuva que já tarda
perguntam pelos filhos que foram à guerra
perguntam pelo sol perguntam pela vida
e vêm homens espantados às janelas
ouvir o meu recado ouvir minha canção.
Porque eu trago notícias de todos os filhos
eu trago a chuva e o sol e a promessa dos trigos
e um cesto carregado de vindima
eu trago a vida
na minha bicicleta de recados
atravessando a madrugada dos poemas.
Este belíssimo poema que é um dos primeiros de "Praça da Canção" é todo ele um programa do que é a poesia da revolta.
BICICLETA DE RECADOS
Bicicleta de Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Pedalo nas palavras atravesso as cidades
bato às portas das casas e vêm homens espantados
ouvir o meu recado ouvir minha canção.
Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Vem gente para a rua a ver a novidade
como se fosse a chegada
do João que foi à Índia
e era o moço mais galante
que havia nas redondezas.
Eu não sou o João que foi à Índia
mas trago todos os soldados que partiram
e as cartas que não escreveram
e as saudades que tiveram
na minha bicicleta de recados
atravessando a madrugada dos poemas.
Desde o Minho ao Algarve
eu vou pelos caminhos.
E vêm homens perguntar se houve milagre
perguntam pela chuva que já tarda
perguntam pelos filhos que foram à guerra
perguntam pelo sol perguntam pela vida
e vêm homens espantados às janelas
ouvir o meu recado ouvir minha canção.
Porque eu trago notícias de todos os filhos
eu trago a chuva e o sol e a promessa dos trigos
e um cesto carregado de vindima
eu trago a vida
na minha bicicleta de recados
atravessando a madrugada dos poemas.
sábado, 16 de abril de 2016
POETAS DE ABRIL EM ABRIL: DE NOVO ARY DOS SANTOS
Enm Abril trago aqui os poetas de Abril, talvez pelo lado menos bombástico ou menos conhecido.
(imagem reproduzida de carantoonha.blogspot)
INFÂNCIA
Não minha mãe. Não era ali que estava.
Talvez noutra gaveta. Noutro quarto.
Talvez dentro de mim que me apertava
contra as paredes do teu sexo-parto
A porta que entretanto atravessava
talhada no teu ventre de alabastro
abria-se fechava dilatava.
Agora sei: dali nunca mais parto.
Não minha mãe. Também não era a sala
nem nenhum dos retratos de família
nem a brisa que a vida já não tem.
Talvez a tua voz que ainda me fala...
... o meu berço enfeitado a buganvília...
Tenho tantas saudades, minha mãe!
(imagem reproduzida de carantoonha.blogspot)
INFÂNCIA
Não minha mãe. Não era ali que estava.
Talvez noutra gaveta. Noutro quarto.
Talvez dentro de mim que me apertava
contra as paredes do teu sexo-parto
A porta que entretanto atravessava
talhada no teu ventre de alabastro
abria-se fechava dilatava.
Agora sei: dali nunca mais parto.
Não minha mãe. Também não era a sala
nem nenhum dos retratos de família
nem a brisa que a vida já não tem.
Talvez a tua voz que ainda me fala...
... o meu berço enfeitado a buganvília...
Tenho tantas saudades, minha mãe!
quarta-feira, 13 de abril de 2016
POETAS DE ABRIL EM ABRIL: ARY DOS SANTOS
Para celebrar Abril aqui vão alguns poemas dos poetas de Abril. E começamos com Ary.
ARTE PERIPOÉTICA
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de ser
contra a maneira do tempo
esta maneira de ver
o que o tempo tem por dentro.
Aristóteles diria
entre dois goles de chá
que o melhor ainda será
deixar o tempo onde está
pô-lo de perto no tema
e de parte na poesia
para manter o poema
dentro da ordem do dia.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só.
Ele sabia que o poeta
depois de tudo inventado
depois de tudo previsto
de tudo vistoriado
teria de fazer isto
para não continuar
com que já estava acabado
teria de ser presente
não futuro antecipado
não profeta não vidente
mas aço bem temperado
cachorro ferrando o dente
na canela do passado
adaga cravando a ponta
no coração do sentido
palavra osso furando
pele de cão perseguido.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de riso
que é a mais original
forma de se ter juízo
e ser poeta actual.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
também diria antes só
do que mal acompanhado
antes morto emparedado
em muro de pedra e cal
aonde não entre bicho
que não seja essencial
à evasão da palavra
deste silêncio mortal.
ARTE PERIPOÉTICA
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de ser
contra a maneira do tempo
esta maneira de ver
o que o tempo tem por dentro.
Aristóteles diria
entre dois goles de chá
que o melhor ainda será
deixar o tempo onde está
pô-lo de perto no tema
e de parte na poesia
para manter o poema
dentro da ordem do dia.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só.
Ele sabia que o poeta
depois de tudo inventado
depois de tudo previsto
de tudo vistoriado
teria de fazer isto
para não continuar
com que já estava acabado
teria de ser presente
não futuro antecipado
não profeta não vidente
mas aço bem temperado
cachorro ferrando o dente
na canela do passado
adaga cravando a ponta
no coração do sentido
palavra osso furando
pele de cão perseguido.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de riso
que é a mais original
forma de se ter juízo
e ser poeta actual.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
também diria antes só
do que mal acompanhado
antes morto emparedado
em muro de pedra e cal
aonde não entre bicho
que não seja essencial
à evasão da palavra
deste silêncio mortal.
domingo, 10 de abril de 2016
VLADIMIR HOLAN
Conheci textos deste poeta checo traduzidos excelemtemente por Eugénio de Andrade. Em Paris comprei uma antologia de poemas de Holan em francês. Daí traduzi alguns poemas alguns dos quais pedi ao Jorge Listopad que comparasse com os originais.
EXISTEM
Existem livros
que se abrem sozinhos.
A alma também faz amor. Eis o instante
Em que os mortos reencontram o que não nasceu…
Mas ao longe, lá fora,
há mais homens do que homem,
mas ao longe, lá fora,
há mais universo que Deus.
(Tradução José Fanha)
EXISTEM
Existem livros
que se abrem sozinhos.
A alma também faz amor. Eis o instante
Em que os mortos reencontram o que não nasceu…
Mas ao longe, lá fora,
há mais homens do que homem,
mas ao longe, lá fora,
há mais universo que Deus.
(Tradução José Fanha)
quinta-feira, 7 de abril de 2016
PIEDAD BONETT
Gosto muito e aprendo muito a traduzir poetas de outras línguas. Aqui é o caso de Piedad Bonett, Colombiana, também já traduzida por Nuno Júdice.
DO REINO DESTE MUNDO
Falo
da menina desfigurada pelo fogo
e dos seios erguidos e doces como janelas de luz,
do menino cego a quem a mãe descreve uma cor
inventando palavras,
do beijo leporino nunca dado,
das mãos que não chegaram a saber que um chuvisco é frágil
como o pescoço de um pássaro,
do idiota que olha o caixão em que será enterrado o seu pai.
Falo de Deus, perfeito como um círculo, e todo poderoso e
justo e sábio.
(Tradução de José Fanha)
segunda-feira, 4 de abril de 2016
MANUAL DE DESPEDIDA PARA MULHERES SENSÍVEIS
É importante passar palavra. No último livro de Filipa Leal mora a poesia. Se lerem alhguma opinião assim-assim nalgum jornal, não liguem. Os jornais trazem muitas vezes opiniões à toa. Ocupam o espaço assim-assim ou pior ainda.
Por isso vos digo:
peguem neste livro intitulado "VEM À QUINTA-FEIRA" e leiam-no. Fala de pessoas, fala do amor, fala da da separação, fala da distãncia, fala do pai e da mãe, fala de um país. É poesia viva. Não se esqueçam: leiam este livro.
Ser digna na partida, na despedida, dizer adeus com jeito,
não chorar para não enfraquecer o emigrante,
mesmo que o emigrante seja o nosso irmão mais novo,
dobrar-lhe as camisas, limpar-lhe as sapatilhas
com um pano húmido, ajudá-lo a pesar a mala que não pode levar mais de vinte quilos
(quanto pesará o coração dele? E o meu?)
três pares de sapatos, um jogo de lençóis, o corta-vento,
oferecer-lhe a medalha que a Mãe usava sempre que partia
e que talvez não tenha usado quando partiu para sempre,
ter passado o dia à procura da medalha pela casa toda
(ninguém sai mais daqui sem a medalha, ninguém sai mais daqui),
pensar que a data escolhida para partir é a da morte da Mãe,
pensar que a Mãe não está comigo para lhe dobrar as camisas
e mesmo assim não chorar, nunca chorar,
mesmo que o Pai esteja a chorar, mesmo que estejam todos a chorar.
tomar umas merdas, se for preciso:uns calmantes, uns relaxantes,
uns anti-oxidantes para não chorar; andar a pé para não chorar,
apanhar sol para não chorar, jantar fora para não chorar,
conhecer gente,
mas gente animada, pintar o cabelo e esconder as brancas,
que os grisalhos são mais chorões. dizer graças para não por também
os amigos a chorar, os amigos gostam de nós é a rir, ver
séries cómicas
até cair, acordar mais cedo para lhe fazer torradas antes da viagem,
com manteiga, com doce de mirtilo, com tudo o que houver
no frigorífico,
e não pensar que nunca mais seremos pequenos outra vez,
cheios de Mãe e de Pai no quarto ao lado,
cheios de emprego no quarto ao lado, quando ainda existia Portugal.
É tanto o que se pede a um ser humano no século vinte e um
Que morra de medo e de saudade no aeroporto Francisco Sá
Carneiro.
Mas que não chore.
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