quinta-feira, 28 de novembro de 2013
A CRIANÇA E A VIDA
Enfermeira e professora, Maria Rosa Colaço publicou um livro único em pleno Estado Novo com poemas de crianças
Pedrada no charco, "A criança e a vida" veio pôr em causa a forma como se promovia a leitura e a escrita junto dos mais pequenos.
O livro atingiu uma imensa popularidade e atingiu até agora 47 edições. No entan to, muitos dos mais jovens professores ignoram a sua existência.
"...Ensinaram-me que , quando se é humilhado naquilo que em nós é claridade e certeza, aprende-se mais depressa o sentido exacto da liberdade, da paz, do ódio,do amor e do ridículo do quotidiano. Eles revelaram-me que a miséria transforma as crianças ,mais que os adultos, em anjos implacáveis de lucidez e que a fome os ateia e lhes faz crescer nos olhos brancas e terríveis asas de sonho ou destruição.E há nestes anjos de fogo uma voz oculta e violenta em que é preciso,é urgente, meditarmos. Ela pode denunciar, construir ou semear, a alegria , a vergonha ou o remorso.
Ela pode ser a semente da Esperança, da Paz entre os homens.
Ela pode ser o Ódio.
Ela pode ser o Amor."
Mª Rosa Colaço
O AMOR
O amor é como duas borboletas que estivessem
Sobre uma rosa, a mias lindas de todas do jardim.
O amor tem que haver.
Se não houvesse amor, não havia nada mais bonito.
O amor são duas estrelas a brilhar, a brilhar.
A rosa e o sol são o amor.
A amor é poesia.
O amor são dois passarinhos a construir a sua casinha.
O amor é não haver polícias.
Inácio da silva Cruz – 10 anos
terça-feira, 19 de novembro de 2013
A VELHA DA GATA E A GATA DA VELHA
António Fernando dos Santos (Vila Real de Santo António, 1918 - Lisboa, Agosto de 1991), mais conhecido por Tóssan, foi um pintor, ilustrador, decorador e gráfico português.
Ligado ao teatro, à ceografia, desenhador notável, ilustrador de primeira água, declamador delicioso dado a conhecer ao país no programa ZIP-ZIP da RTP.
Dele posso dizer que era um ser humano magnífico, um homem de humor delirante, um amigo fantástico que me apoiou e incentivou quando, jovenzito, me abalancei a dizer poesia em público. Por duas ou três vezes partilhei com ele o palco e guardo uma ternura sem fim desses momentos únicos.
A VELHA DA GATA E A GATA DA VELHA
Uma velha tinha um gato
e o gato tinha uma velha
mas o gato que a velha tinha
tinha a tinha que tinha a velha.
E não era gato, era gata.
A velha da gata
de velha que era,
sofria da telha ou da pinha
e a gata da velha, de tão velha,
já era velhinha.
A velha, de velha, já andava de gatas
e a gata já andava de velhas.
Quando a velha andava de gatas
parecia a gata da velha,
e como a velha dobrava a espinha
a gata queria comer a espinha da velha.
Tudo pela gata ter tinha
e a velha sofrer da pinha.
Quando a gata chorava,
a velha miava.
Ficava sem se saber
qual era a gata ou qual era a velha
que debaixo da cama vinha,
em cima da cama estava,
debaixo da cama dormia,
e por cima ressonava.
A velha tinha fôlego de gata!
E junto à cabeceira
a gaita de foles estava.
Quando a velha gaiteia
tocava na velha gaita,
chorava a gata da velha
por causa dos foles da gaita.
A velha que tinha gôta
caiu no goto da gata
morrendo a gata de gôta,
ficando a velha gótica
sem gôta e sem gata.
Mas como ainda tinha tinha
e sobria da velha telha,
juntou-se a tinha na pinha
e morreu careca a velha
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
AOS QUADRADINHOS
Sidónio Muralha começa a ser redescoberto como poeta e como autor de literatura para crianças. E ainda bem. Vale muito a pena revisitá-lo.
XADREZ
É branca a gata gatinha
É branca como farinha.
É preto o gato gatão
É preto como o carvão.
E os filhos, gatos gatinhos,
São todos aos quadradinhos.
Os quadradinhos branquinhos
Fazem lembrar mãe gatinha
Que é branca como a farinha.
Os quadradinhos pretinhos
Fazem lembrar pai gatão
Que é preto como carvão
Se é branca a gata gatinha
E é preto o gato gatão,
Como é que são os gatinhos?
Os gatinhos eles são,
São todos aos quadradinhos.
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
HÁ CASOS ASSIM
O António Torrado é um querido amigo e um mestre. A escrita dele transborda de ternura e, sobretudo, de ironia.
ANÚNCIO -I
Quarenta poetas
que dizem que são,
quarenta poetas
no cais da estação
Quarenta poetas
são mais do que as uvas!
Que dor, que tormenta,
perderam as luvas.
Quarenta poetas
de finas bengalas
e mais finos versos
perderam as malas.
Quarenta poetas
quem lhes leva a palma?
Quarenta poetas
perderam a calma.
Quarenta poetas
nervosos, com pressa…
E vai um poeta
perdeu a cabeça.
Perdeu a cabeça,
perdeu, de repente,
no cais da estação…
O caso é urgente.
A quem encontrar
avise para mim.
Fui eu que a perdi.
Há casos assim!
António Torrado, “À Esquina da rima Buzina”
ANÚNCIO -I
Quarenta poetas
que dizem que são,
quarenta poetas
no cais da estação
Quarenta poetas
são mais do que as uvas!
Que dor, que tormenta,
perderam as luvas.
Quarenta poetas
de finas bengalas
e mais finos versos
perderam as malas.
Quarenta poetas
quem lhes leva a palma?
Quarenta poetas
perderam a calma.
Quarenta poetas
nervosos, com pressa…
E vai um poeta
perdeu a cabeça.
Perdeu a cabeça,
perdeu, de repente,
no cais da estação…
O caso é urgente.
A quem encontrar
avise para mim.
Fui eu que a perdi.
Há casos assim!
António Torrado, “À Esquina da rima Buzina”
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
O MELHOR QUE ACONTECEU
Quem se lembra da maria Rosa Colaço? Quem se lembra das suas histórias e poemas? Quem se lembra desse extraordinário livrinho que se chama "A CRIANÇA E A VIDA" que ela fez com os seus alunos?
DIA DE ANOS DO PEDRO
No ano em que eu nasci
tanta coisa aconteceu!
Caiu chuva, houve sol
e muito pão se comeu.
No ano em que eu nasci,
já outros corriam mundo,,
já outros estavam em guerra,
já barcos iam ao fundo.
No ano em que eu nasci
a vida, tal como hoje,
é uma luz, é um vento
que passa por nós e foge.
Nesse dia tão distante,
descobri que é bom viver.
Hei-de fazer dos meus dias
Todos, dias de nascer!
No ano em que eu nasci
não tinha medo de nada:
o colo da minha Mãe
era o ninho, era a estrada!
Mas no ano em que eu nasci
o melhor que aconteceu
fui eu! Fui eu! Fui eu
Fui eu!
Maria Rosa Colaço, “Versos diversos para meninos travessos”
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
DÓI-DÓI
Era uma querida e linda amiga, a Matilde Rosa Araújo. Faz-nos muita falta com a sua doçura e a sua simplicidade
AVENTURA PEQUENINA
É tão linda a palavra dói-dói!
Dóis… Dós…
Mas um dói-dói dói.
Dói!
Que pena o dói-dói doer
Até o menino chorar.
Mas que foi?
É um dói-dói pequenino
No joelho
Do menino,
Que pulou,
Caiu,
E se feriu.
Pulou,
Caiu,
Esfolou,
Mas já passou…
Matilde Rosa Araújo, “Anjos de pijama”
AVENTURA PEQUENINA
É tão linda a palavra dói-dói!
Dóis… Dós…
Mas um dói-dói dói.
Dói!
Que pena o dói-dói doer
Até o menino chorar.
Mas que foi?
É um dói-dói pequenino
No joelho
Do menino,
Que pulou,
Caiu,
E se feriu.
Pulou,
Caiu,
Esfolou,
Mas já passou…
Matilde Rosa Araújo, “Anjos de pijama”
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
A BRUXA
Conto da Luísa Ducla Soares.
Já o tinha anunciado aqui. Mas só agora consegui publicar a gravação.
Já o tinha anunciado aqui. Mas só agora consegui publicar a gravação.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
DLIM-DLIM
Mário Castrim sempre foi um homem de fortes convicções, atraindo facilmente as controvérsias, mas também autor de alguns belíssimos textos para crianças. Como este poema.
DLIM-DLIM
Nasce a menina
dlim-dlim
não é Jesus
dlim-dlim
nem Jesuíina
dlim-dlim
ela é a filha
de uma vizinha
não teve burro
nem vaquinha
porque em Lisboa
era difícil
ser assim.
De qualquer modo
dlim-dlim.
DLIM-DLIM
Nasce a menina
dlim-dlim
não é Jesus
dlim-dlim
nem Jesuíina
dlim-dlim
ela é a filha
de uma vizinha
não teve burro
nem vaquinha
porque em Lisboa
era difícil
ser assim.
De qualquer modo
dlim-dlim.
sábado, 2 de novembro de 2013
AS PEDRAS FALAM?
Da poesia para adultos à poesia para crianças vou trazer por aqui alguns poemas mais esquecidos ultimamente.
Para quem trabalha com crianças e para as crianças que resistem no peito de alguns adultos.
Desta vez da minha muito querida amiga Maria Alberta Menéres.
AS PEDRAS FALAM?
As pedras falam? Pois falam
mas não à nossa maneira,
que todas as coisas sabem
uma história que não calam
Debaixo dos nossos pés
ou dentro da nossa mão
o que pensarão de nós?
O que de nós pensarão?
As pedras cantam nos lagos
choram no meio da rua
tremem de frio e de medo
quando a noite é fria e escura.
Riem nos muros ao sol,
no fundo do mar se esquecem.
Umas partem como as aves
e nem mais tarde regressam.
Brilham quando a chuva cai.
Vestem-se de musgo verde
em casa velha ou em fonte
que saiba matar a sede.
Foi de duas pedras duras
que a faísca rebentou:
uma germinou em flor
e a outra nos céus voou.
As pedras falam? Pois falam.
Só as entende quem quer,
que todas as coisas têm
uma coisa para dizer.
terça-feira, 29 de outubro de 2013
UM CONTO POR MÊS
A Luísa Ducla Soares começou a publicar um conto por mês no sítio da Oficina Canto das Cores. E quem o grava sou eu. O primeiro é "A BRUXA"
Se quiserem ver a gravação e ouvir o texto é aqui em baixo.
http://www.cantodascores.com/#!historia/c1enf
domingo, 27 de outubro de 2013
ASSIM NÃO
Poeta experimental, inquieto, interrogador de certezas, ligado ao desenvolvimento em Portugal da poesia visual.
E. M. DE MELO E CASTRO (1932)
AFIRMAÇÕES
ou sim / ou não
mas assim, não
nem sim / nem não
mas assim, não
pelo sim / pelo não
mas assim, não
do sim / ao não
mas assim, não
sim, sim / não, não
mas assim, não
se sim / se não
mas assim, não
não não / não não
mas assim, não.
E. M. DE MELO E CASTRO (1932)
AFIRMAÇÕES
ou sim / ou não
mas assim, não
nem sim / nem não
mas assim, não
pelo sim / pelo não
mas assim, não
do sim / ao não
mas assim, não
sim, sim / não, não
mas assim, não
se sim / se não
mas assim, não
não não / não não
mas assim, não.
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
DESCALÇA VAI PARA A FONTE
Poeta, ensaísta, daramaturgo, António Cabral desdobrou-se em vários géneros. Transmontano dos sete costados, foi fundador de várias revistas de carácter cultural e literário. Colaborou em inúmeros jornais nacionais e estrangeiros. Professor da Universidade de Trás-os-Montes.
Este poema ouvi-o pela primeira vez na voz do meu amigo Francisco Fanhais. E sempre que ele o canta, ouço-o comovido.
ANTÓNIO CABRAL (1931-2007)
DESCALÇA VAI PARA A FONTE
I
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
vai formosa e não segura.
II
Se tivesse umas chinelas
iria melhor..., mas não:
c’o dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.
Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol já se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura...
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.
Há verdura pelos prados,
há verdura no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
cantas, livre, um passarinho.
Mas ela não canta, não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.
Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia... virá...
Os olhos voam na altura.
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.
Este poema ouvi-o pela primeira vez na voz do meu amigo Francisco Fanhais. E sempre que ele o canta, ouço-o comovido.
ANTÓNIO CABRAL (1931-2007)
DESCALÇA VAI PARA A FONTE
I
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
vai formosa e não segura.
II
Se tivesse umas chinelas
iria melhor..., mas não:
c’o dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.
Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol já se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura...
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.
Há verdura pelos prados,
há verdura no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
cantas, livre, um passarinho.
Mas ela não canta, não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.
Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia... virá...
Os olhos voam na altura.
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.
terça-feira, 22 de outubro de 2013
ISTO VAI
João Rui de Sousa é um poeta discreto e de grande qualidade. Nasceu em 1928. Continua a publicar. O seu último livro é "Quarteto para as próximas chuvas", ed D. Quixote. Iniciou a publicação de poesia na revista CASSIOPEIA que fundou com António Ramos Rosa e José Bento.
ÇA IRA
Isto vai, caro amigo.
Não como nós queremos, é certo,
mas isto vai.
Por noites de insónia e alcatrão
por laranjas e lábios ressequidos
por desespero na voz e escuridão
isto vai, caro amigo.
Por mágoas acesas e relógios
pelo sabor dos braços na alegria
pelo odor das plantas venenosas
isto vai, caro amigo.
Pelo cabo axial que liga a nossa esperança
pela luz dos cabelos, pelo sal
pela palavra remo, pela palavra ódio
isto vai, caro amigo.
Pela ternura e pela confiança
pela vontade e força, as nossas casas
pelo fervor com que inventamos (e depois calamos)
isto vai, caro amigo.
Pelos carris do medo, pelas árvores
pela inocência e fome, pelos perigos
pelos sinais fraternos, pelas lágrimas
isto vai, caro amigo.
Pela rudeza do espaço
e em jardins falsíssimos
isto vai, caro amigo.
sábado, 19 de outubro de 2013
OS QUE NOS MATAM DE ROSAS
A minha muito querida amiga Luísa Ducla Soares é uma consagrada autora de literatura para a infância. Coisa menos conhecida, escreve poesia desde jovem estudante.
O poema que aqui vem abaixo foi publicado numa Antologia de Poesia Universitária em 1963.
Ela pertence a uma geração de notáveis poetas, que começaram a fazer ouvir as suas vozes no início dos anos 60 e de que poderia relembrar Maria Teresa Horta, Gastão Cruz, Fiama, António Torrado, Casimiro de Brito, Luísa Neto Jorge, Rui Namorado.
Diz-me a Luisinha ue continua a escrever. Mas tem tudo guardado lá em casa Tenho um dia destes de meter os pés a caminho e ir ter com ela para que nos mostre o que anda pelas gavetas.
LUÍSA DUCLA SOARES (1939)
ESSES
O que trazem a tarde
a estrebuchar rosas,
pela trela,
como um cão,
e põem rosa nas janelas,
nos sorrisos que nos dão.
Os que amassam flores
no pão dos pobres
Os que mascaram de rosas
o não
Os que aos Domingos
dão às crianças
um tostão
Os que têm ninhos
de andorinhas
nos beirais
e chicotes
nos dedos,
sub-reptícias gestapos caiadas
do livor
dos degredos
Os que roubam estrelas
aos olhos da gente
para vendê-las
à socapa
Os que instalam
alto-falantes de riso
na mágoa salina
das costas curvada,
no grito preciso
das raivas sangradas
Os que nos matam de rosas
às punhaladas.
O poema que aqui vem abaixo foi publicado numa Antologia de Poesia Universitária em 1963.
Ela pertence a uma geração de notáveis poetas, que começaram a fazer ouvir as suas vozes no início dos anos 60 e de que poderia relembrar Maria Teresa Horta, Gastão Cruz, Fiama, António Torrado, Casimiro de Brito, Luísa Neto Jorge, Rui Namorado.
Diz-me a Luisinha ue continua a escrever. Mas tem tudo guardado lá em casa Tenho um dia destes de meter os pés a caminho e ir ter com ela para que nos mostre o que anda pelas gavetas.
LUÍSA DUCLA SOARES (1939)
ESSES
O que trazem a tarde
a estrebuchar rosas,
pela trela,
como um cão,
e põem rosa nas janelas,
nos sorrisos que nos dão.
Os que amassam flores
no pão dos pobres
Os que mascaram de rosas
o não
Os que aos Domingos
dão às crianças
um tostão
Os que têm ninhos
de andorinhas
nos beirais
e chicotes
nos dedos,
sub-reptícias gestapos caiadas
do livor
dos degredos
Os que roubam estrelas
aos olhos da gente
para vendê-las
à socapa
Os que instalam
alto-falantes de riso
na mágoa salina
das costas curvada,
no grito preciso
das raivas sangradas
Os que nos matam de rosas
às punhaladas.
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
AINDA NÃO
Poeta ligado ao Movmento Surrealista e ao grupo do Café Gelo.
Foi funcionário das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian.Andava com as carrinhos a distribuir palavras e emoções pelo país fora.
Um dia, em 1969, suponho, um padre, julgo que armado, tentou impedi-lo pela força de entrar numa aldeia lá pelas Terras do Bouro. Livros eram as portas do conhecimento, do live pensamento, do diabo!
Fez um requerimento (já o li) à Administração da Fundação a pedir o destacamento de uma força da GNR que o acompanhasse e o defendesse do padre para que pudesse cumprir a sua missão de fazer chegar os livros à população.
Não sei se o requerimento terá sido atendido. Mas era giro. Na época teria sido muito giro.
ANTÓNIO JOSÉ FORTE (1931-1988)
AINDA NÃO
Ainda não
não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar
ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem
ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer
ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça
ainda não há camas para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
PROCURAR A RAZÃO
Pedro Tamen será talvez mais conhecido como tradutor, magnífico tradutor entre outras obras dos 10 volutes de "Em busca do tempo perdido" de marcel proust.
Como poeta nunca andou nas bocas do mundo nem nas parangonas. Discreto, primou sempre por umas escrita de exigente artesania, sensível, contidamente emocional.
Não está na moda. Não é de modas. Talvez por isso seja dos poetas que acompanho ardentemente.
PEDRO TAMEN (1934)
NOÉ
Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão
mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,
gasto o martelo. E o pior também:
correr o mundo a recolher os bichos
coisas de nada como formigas magras,
e os outros, os grandes, os que mordem
e rugem. E sei lá quantos são!
Em que assados me pões. Tu
gastaste seis dias, e eu nunca mais acabo.
Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,
e escolher os melhores, os de melhor saúde,
que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.
Um por um, e por uma, é claro, é aos pares
- o espaço que isso ocupa.
Mas não é ser carpinteiro,
não é ser caminheiro,
não é ser marinheiro o que mais me inquieta.
Nem é poder esquecer
a pulga, o ornitorrinco.
O que mais me inquieta, Senhor,
é não ter a certeza de não valer a pena
é partir já vencido para outro mundo igual.
Iremos procurar a razão da giesta
a razão do amarelo
iremos procurar a razão
iremos procurar
e os olhos tomarão todas as cores
as cores de tudo
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
O DIA DAS SURPRESAS
De tão cantado o grande romancista que foi José Saramago, esquecemo-nos muitas vezes do excelente poeta que José Saramago também foi.
A obra poética é pequena mas muito forte e cuidada. este poema foi musicado e cantado por Manuel Freire e gravado no seu primeiro disco ou num dos seus primeiros discos.
OUVINDO BEETHOVEN
Venham leis e homens de balanças,
Mandamentos daquém e dalém mundo,
Venham ordens, decretos e vinganças,
Desça o juiz em nós até ao fundo.
Nos cruzamentos todos da cidade,
Brilhe, vermelha, a luz inquisidora,
Risquem no chão os dentes da vaidade
E mandem que os lavemos a vassoura.
A quantas mãos existam, peçam dedos,
Para sujar nas fichas dos arquivos,
Não respeitem mistérios nem segredos,
Que é natural nos homens serem esquivos.
Ponham livros de ponto em toda a parte,
Relógios a marcar a hora exacta,
Não aceitem nem votem noutra arte
Que a prosa de registo, o verso data.
Mas quando nos julgarem bem seguros,
Cercados de bastões e fortalezas,
Hão-de cair em estrondo os altos muros
E chegará o dia das surpresas.
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
NOTÍCIAS DO BLOQUEIO
Ter voz e liberdade de falar é fundamental É mesmo uma questão sagrada. Mas às vezes, pode-se falar mas não temos quem nos ouça. A nossa voz é abafada E voltamos a ter que enviar notícias do bloqueio por caminhos transviados como fazia o meu muito querido amigo, grande poeta, divulgador e tradutor de poesia, Egito Gonçalves
Este poema é dos anos 50 quando a polícia vigiava o bloqueio.
Hoje vivemos numa ilha cercada de economistas e banqueirtos e financeiros por todos os lados.
Podemos falar. Por isso, caros amigos, falemos! Para que a nossa voz se ouça para lá do bloqueio
EGITO GONÇALVES (1922-2001)
NOTÍCIAS DO BLOQUEIO
Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.
Tu lhes dirás do coração o que sofremos
os dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.
Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.
Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...
Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.
Vai pois e noticia como um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.
Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.
Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.
Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se.
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
ESTACIONAMENTO PROIBIDO
António Rebordão Navarro, poeta do Porto, homem amável e doce. Fomos companheiros numa direcção da SPA nos anos 90. Dava gosto a coversa com ele. Prometi visitá-lo um dia na Foz. Estou em falta. Mea Culpa.
António Rebordão Navarro pertence à geração que começou a escrever e dar a conhecer a sua poesia nos anos 50. Participou nesses tempos numa notável revista de poesia com o nome óbvio de "Notícias do bloqueio".
Pertence àqueles poetas que é bom recordar ou descobrir.
Este "Estacionamento proibido" é mais um caso de um poema escrito há 60 anos mais coisa menos coisa e que está tão actualizado...
ESTACIONAMENTO PROIBIDO
Circulem, senhores, circulem.
Não parem junto aos mortos,
não estacionem no silêncio,
não se detenham ante o sangue.
Circulem, senhores, circulem.
Não interrompam o tráfico,
não deixem de cumprir ordens,
não deixem de ser neutros
e desapiedados.
Circulem, senhores, circulem.
Há muita gente que tem horas,
há muita gente que tem pressa,
há muita gente que deve esquecer.
Circulem, senhores, circulem.
Façam de conta,
fechem os olhos,
tapem os ouvidos.
Circulem, senhores, circulem.
Deviam já estar habituados,
deviam não ter lágrimas,
nem espanto, nem irmãos.
Circulem, senhores, circulem.
terça-feira, 1 de outubro de 2013
ESTA GENTE
Ana Hatterly é um bela senhora, poeta e artista plástica de grande prestígio num círculo relativamente restrito.
Merece muito ser mais conhecida
Este poema foi escrito em pleno Estado Novo. Lá para os anos 60, penso eu. Sabemos que, apesar dos pesares, nós estamos em democracia. Mas vão-se acumulando tanto as parecenças que o poema até poderia ter sido escrito ontem.
(poema gráfico de AH)
ANA HATHERLY (1929)
ESTA GENTE / ESSA GENTE
O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente
Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente
Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente
Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente
O que é preciso é gente
Que atire fora com essa gente
ESSA GENTE / ESSA GENTE
Essa gente dominada por essa gente
nem sente como a gente
não quer
ser dominada por gente
NENHUMA !
a gente
só é dominada por gente
quando não sabe que é gente
Subscrever:
Mensagens (Atom)