terça-feira, 29 de outubro de 2013

UM CONTO POR MÊS


A Luísa Ducla Soares começou a publicar um conto por mês no sítio da Oficina Canto das Cores. E quem o grava sou eu. O primeiro é "A BRUXA"

Se quiserem ver a gravação e ouvir o texto é aqui em baixo.

http://www.cantodascores.com/#!historia/c1enf

domingo, 27 de outubro de 2013

ASSIM NÃO

Poeta experimental, inquieto, interrogador de certezas, ligado ao desenvolvimento em Portugal da poesia visual.


E. M. DE MELO E CASTRO (1932)



AFIRMAÇÕES


ou sim / ou não
mas assim, não

nem sim / nem não
mas assim, não

pelo sim / pelo não
mas assim, não

do sim / ao não
mas assim, não

sim, sim / não, não
mas assim, não

se sim / se não
mas assim, não

não não / não não
mas assim, não.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

DESCALÇA VAI PARA A FONTE

Poeta, ensaísta, daramaturgo, António Cabral desdobrou-se em vários géneros. Transmontano dos sete costados, foi fundador de várias revistas de carácter cultural e literário. Colaborou em inúmeros jornais nacionais e estrangeiros. Professor da Universidade de Trás-os-Montes.

Este poema ouvi-o pela primeira vez na voz do meu amigo Francisco Fanhais. E sempre que ele o canta, ouço-o comovido.


ANTÓNIO CABRAL (1931-2007)



DESCALÇA VAI PARA A FONTE


I

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
vai formosa e não segura.

II

Se tivesse umas chinelas
iria melhor..., mas não:
c’o dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.

Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol já se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura...
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.

Há verdura pelos prados,
há verdura no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
cantas, livre, um passarinho.
Mas ela não canta, não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.

Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia... virá...

Os olhos voam na altura.
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

ISTO VAI


João Rui de Sousa é um poeta discreto e de grande qualidade. Nasceu em 1928. Continua a publicar. O seu último livro é "Quarteto para as próximas chuvas", ed D. Quixote. Iniciou a publicação de poesia na revista CASSIOPEIA que fundou com António Ramos Rosa e José Bento.



ÇA IRA


Isto vai, caro amigo.
Não como nós queremos, é certo,
mas isto vai.

Por noites de insónia e alcatrão
por laranjas e lábios ressequidos
por desespero na voz e escuridão
isto vai, caro amigo.

Por mágoas acesas e relógios
pelo sabor dos braços na alegria
pelo odor das plantas venenosas
isto vai, caro amigo.

Pelo cabo axial que liga a nossa esperança
pela luz dos cabelos, pelo sal
pela palavra remo, pela palavra ódio
isto vai, caro amigo.

Pela ternura e pela confiança
pela vontade e força, as nossas casas
pelo fervor com que inventamos (e depois calamos)
isto vai, caro amigo.

Pelos carris do medo, pelas árvores
pela inocência e fome, pelos perigos
pelos sinais fraternos, pelas lágrimas
isto vai, caro amigo.

Pela rudeza do espaço
e em jardins falsíssimos

isto vai, caro amigo.


sábado, 19 de outubro de 2013

OS QUE NOS MATAM DE ROSAS

A minha muito querida amiga Luísa Ducla Soares é uma consagrada autora de literatura para a infância. Coisa menos conhecida, escreve poesia desde jovem estudante.

O poema que aqui vem abaixo foi publicado numa Antologia de Poesia Universitária em 1963.

Ela pertence a uma geração de notáveis poetas, que começaram a fazer ouvir as suas vozes no início dos anos 60 e de que poderia relembrar Maria Teresa Horta, Gastão Cruz, Fiama, António Torrado, Casimiro de Brito, Luísa Neto Jorge, Rui Namorado.

Diz-me a Luisinha ue continua a escrever. Mas tem tudo guardado lá em casa Tenho um dia destes de meter os pés a caminho e ir ter com ela para que nos mostre o que anda pelas gavetas.



LUÍSA DUCLA SOARES (1939)



ESSES


O que trazem a tarde
a estrebuchar rosas,
pela trela,
como um cão,
e põem rosa nas janelas,
nos sorrisos que nos dão.

Os que amassam flores
no pão dos pobres

Os que mascaram de rosas
o não

Os que aos Domingos
dão às crianças
um tostão

Os que têm ninhos
de andorinhas
nos beirais
e chicotes
nos dedos,
sub-reptícias gestapos caiadas
do livor
dos degredos

Os que roubam estrelas
aos olhos da gente
para vendê-las
à socapa

Os que instalam
alto-falantes de riso
na mágoa salina
das costas curvada,
no grito preciso
das raivas sangradas

Os que nos matam de rosas
às punhaladas.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

AINDA NÃO


Poeta ligado ao Movmento Surrealista e ao grupo do Café Gelo.

Foi funcionário das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian.Andava com as carrinhos a distribuir palavras e emoções pelo país fora.

Um dia, em 1969, suponho, um padre, julgo que armado, tentou impedi-lo pela força de entrar numa aldeia lá pelas Terras do Bouro. Livros eram as portas do conhecimento, do live pensamento, do diabo!

Fez um requerimento (já o li) à Administração da Fundação a pedir o destacamento de uma força da GNR que o acompanhasse e o defendesse do padre para que pudesse cumprir a sua missão de fazer chegar os livros à população.

Não sei se o requerimento terá sido atendido. Mas era giro. Na época teria sido muito giro.



ANTÓNIO JOSÉ FORTE (1931-1988)




AINDA NÃO


Ainda não
não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar

ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem

ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer

ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça

ainda não há camas para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

PROCURAR A RAZÃO


Pedro Tamen será talvez mais conhecido como tradutor, magnífico tradutor entre outras obras dos 10 volutes de "Em busca do tempo perdido" de marcel proust.

Como poeta nunca andou nas bocas do mundo nem nas parangonas. Discreto, primou sempre por umas escrita de exigente artesania, sensível, contidamente emocional.

Não está na moda. Não é de modas. Talvez por isso seja dos poetas que acompanho ardentemente.


PEDRO TAMEN (1934)

NOÉ

Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão
mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,
gasto o martelo. E o pior também:
correr o mundo a recolher os bichos
coisas de nada como formigas magras,
e os outros, os grandes, os que mordem
e rugem. E sei lá quantos são!
Em que assados me pões. Tu
gastaste seis dias, e eu nunca mais acabo.
Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,
e escolher os melhores, os de melhor saúde,
que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.
Um por um, e por uma, é claro, é aos pares
- o espaço que isso ocupa.

Mas não é ser carpinteiro,
não é ser caminheiro,
não é ser marinheiro o que mais me inquieta.
Nem é poder esquecer
a pulga, o ornitorrinco.
O que mais me inquieta, Senhor,
é não ter a certeza de não valer a pena
é partir já vencido para outro mundo igual.


Iremos procurar a razão da giesta
a razão do amarelo
iremos procurar a razão
iremos procurar
e os olhos tomarão todas as cores
as cores de tudo


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O DIA DAS SURPRESAS


De tão cantado o grande romancista que foi José Saramago, esquecemo-nos muitas vezes do excelente poeta que José Saramago também foi.

A obra poética é pequena mas muito forte e cuidada. este poema foi musicado e cantado por Manuel Freire e gravado no seu primeiro disco ou num dos seus primeiros discos.


OUVINDO BEETHOVEN


Venham leis e homens de balanças,
Mandamentos daquém e dalém mundo,
Venham ordens, decretos e vinganças,
Desça o juiz em nós até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade,
Brilhe, vermelha, a luz inquisidora,
Risquem no chão os dentes da vaidade
E mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam, peçam dedos,
Para sujar nas fichas dos arquivos,
Não respeitem mistérios nem segredos,
Que é natural nos homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte,
Relógios a marcar a hora exacta,
Não aceitem nem votem noutra arte
Que a prosa de registo, o verso data.

Mas quando nos julgarem bem seguros,
Cercados de bastões e fortalezas,
Hão-de cair em estrondo os altos muros
E chegará o dia das surpresas.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

NOTÍCIAS DO BLOQUEIO


Ter voz e liberdade de falar é fundamental É mesmo uma questão sagrada. Mas às vezes, pode-se falar mas não temos quem nos ouça. A nossa voz é abafada E voltamos a ter que enviar notícias do bloqueio por caminhos transviados como fazia o meu muito querido amigo, grande poeta, divulgador e tradutor de poesia, Egito Gonçalves

Este poema é dos anos 50 quando a polícia vigiava o bloqueio.

Hoje vivemos numa ilha cercada de economistas e banqueirtos e financeiros por todos os lados.

Podemos falar. Por isso, caros amigos, falemos! Para que a nossa voz se ouça para lá do bloqueio


EGITO GONÇALVES (1922-2001)



NOTÍCIAS DO BLOQUEIO


Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
os dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia como um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

ESTACIONAMENTO PROIBIDO


António Rebordão Navarro, poeta do Porto, homem amável e doce. Fomos companheiros numa direcção da SPA nos anos 90. Dava gosto a coversa com ele. Prometi visitá-lo um dia na Foz. Estou em falta. Mea Culpa.

António Rebordão Navarro pertence à geração que começou a escrever e dar a conhecer a sua poesia nos anos 50. Participou nesses tempos numa notável revista de poesia com o nome óbvio de "Notícias do bloqueio".

Pertence àqueles poetas que é bom recordar ou descobrir.

Este "Estacionamento proibido" é mais um caso de um poema escrito há 60 anos mais coisa menos coisa e que está tão actualizado...


ESTACIONAMENTO PROIBIDO


Circulem, senhores, circulem.
Não parem junto aos mortos,
não estacionem no silêncio,
não se detenham ante o sangue.
Circulem, senhores, circulem.
Não interrompam o tráfico,
não deixem de cumprir ordens,
não deixem de ser neutros
e desapiedados.
Circulem, senhores, circulem.
Há muita gente que tem horas,
há muita gente que tem pressa,
há muita gente que deve esquecer.
Circulem, senhores, circulem.
Façam de conta,
fechem os olhos,
tapem os ouvidos.
Circulem, senhores, circulem.
Deviam já estar habituados,
deviam não ter lágrimas,
nem espanto, nem irmãos.
Circulem, senhores, circulem.



terça-feira, 1 de outubro de 2013

ESTA GENTE


Ana Hatterly é um bela senhora, poeta e artista plástica de grande prestígio num círculo relativamente restrito.

Merece muito ser mais conhecida

Este poema foi escrito em pleno Estado Novo. Lá para os anos 60, penso eu. Sabemos que, apesar dos pesares, nós estamos em democracia. Mas vão-se acumulando tanto as parecenças que o poema até poderia ter sido escrito ontem.


(poema gráfico de AH)


ANA HATHERLY (1929)



ESTA GENTE / ESSA GENTE


O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
Que atire fora com essa gente

ESSA GENTE / ESSA GENTE

Essa gente dominada por essa gente
nem sente como a gente
não quer
ser dominada por gente

NENHUMA !

a gente
só é dominada por gente
quando não sabe que é gente