quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

SALVEM OS RICOS, AJUDEM OS MILIONÁRIOS



(Desenho de André letria)

Imagem possível do ano que passou se exceptuarmos os que lutam contra a corrente, entre os quais os 120.000 professores que vieram para a rua, a praça pública onde desde a Grécia clássica sempre se discutiram as coisas da Polis.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

LITANIA PARA ESTE NATAL



(Foto Henry Cartier Bresson)


Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite á meia-noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para nos vir pedir contas do nosso tempo.


David Mourão-Ferreira

domingo, 21 de dezembro de 2008

PORQUE É NATAL



Queridas amigas e amigos,

O que eu gostava mesmo era de ser o Pai Natal. O verdadeiro. O autêntico. O que desce pelas chaminés e leva uma prenda a cada menino. E, já agora, a cada adulto.

Sei que já não há chaminés por onde possa escorregar um Pai Natal que se preze. Teria de aprender outros truques para entrar na casa de cada um.

Mas havia de levar prendas daquelas que não são compradas à pressa. Nem precisam de muitos laços e fitas. Prendas com prendas dentro. Das que ficam muito tempo a fazer ninho no coração das pessoas.

Levava sorrisos. Sobretudo sorrisos. Não daqueles que se acendem a medo, de espinhela dobrada, “com-licença-faz-favor”. Mas sorrisos fortes como os dos homens que são capazes de olhar de frente a vida e dar a volta aos tropeços do destino.

Levava palavras. Palavras escritas devagarinho e com todas as letras. Palavras fraternas e limpas como as pedrinhas que se apanha à beira mar. Cada uma escolhida de propósito para cada pessoa.

Levava livros também. Daqueles que nos oferecem muitas horas de viagens verdadeiras, de alegria, de espanto, de maravilha, de medo, de ternura. Daqueles que nos fazem conhecer outras pessoas, com outros desejos, outras dores e outros sonhos. Livros que nos ajudam a saber que cada um de nós não é o centro do mundo e nos permitem a festa estender pontes daqui para ali, do nosso peito para o longe do universo.

Talvez não consiga levar-vos tudo isto pessoalmente. Mas segue um abraço dado com toda a força e o desejo de muita luz neste Natal.

José Fanha

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

LA SAETA



Há canções que nos marcam e nos comovem e nos acendem uma luz especial lá muito no fundo do peito.

Esta é uma delas, para mim. Poema de um dos meus poetas favoritos, António Machado. Música de Joan Manuel Serrat, aqui cantada por esse extraordinário cantor que foi Camarón de la Isla.


LA SAETA

¿ Quién me presta una escalera
para subir al madero,
para quitarle los clavos
a Jesús el Nazareno?

Saeta popular



¡Oh, la saeta, el cantar
al Cristo de los gitanos,
siempre con sangre en las manos,
siempre por desenclavar!
¡Cantar del pueblo andaluz,
que todas las primaveras
anda pidiendo escaleras
para subir a la cruz!
¡Cantar de la tierra mía,
que echa flores
al Jesús de la agonía,
y es la fe de mis mayores!
¡Oh, no eres tú mi cantar!
¡No puedo cantar, ni quiero
a ese Jesús del madero,
sino al que anduvo en el mar!

António Machado (Poeta espanhol)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

EB 1 DA QUINTA DO CAMPO



O trabalho de muitos professores que estão á frente da dinamização das Bibliotecas Escolares é quase sempre fantástico e apaixonado como nas escola deste agrupento com as professoras Rosa Serra e Conceição Reboredo.

Deles depende a promoção do livro e da leitura que são uma das tarefas fundamentais do nosso ensino. Sem vencermos a batalha da leitura não há computador por mais magalhães que seja que nos sirva seja para o que for.

Muitos dos professores que se entregam a esta função de alma e coração receiam que a política economicista e facilitista deste governo estrangule a breve prazo as bibliotecas e o seu trabalho.

Vamos esperar que não. Que a falta de bom senso que tem campeado seja aplainada para que a luta pela exigência, pela excelência, pela leitura, pela educação no sentido mais nobre da palavra, e, já agora, pela poesia, não tenham que passar á clandestinidade.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

EL CORTE INGLÊS - NA CADEIRA DO PAI NATAL



A contar histórias e apresentar "Os sapatos do Pai Natal" sentado na cadeira do Pai Natal no 7º andar do El Corte Inglês onde se dão acontecimentos culturais de invulgar qualidade.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

KURT WEILL - SEPTEMBER SONGS




A RTP passou há alguns anos um extraordinário programa intitulado "Seprember songs" de homenagem a Kurt Weill, compositor alemão que fez a música para várias das peças e óperas de Bertolt Brecht. E não só.

Nesse programa, filmado numa velha fábrica abandonada participavam Lou Reed, P. J.Harvey, Betty Carter, Charlie Haden e outros.

Quando vi o programa comovi-me. Porque gosto muito da música de Weill. Porque em várias colaborações com o João Lourenço e a Vera San Payo fiz as versões para português de muitas letras de canções de Weill na "Ópera de três vinténs", na "Ascensão e queda da cidade de Mahagonny" e noutras.

A gravação do programa desapareceu-me. O meu amigo Tiago reencontrou as canções no You Tube. Vale a pena ver.

Aqui temos Nick Cave a cantar a célebre "Die Moritat vom Mackie Messer" da "Ópera de três vinténs" que se tornou num grande sucesso sob o título de "Mack the Knife"

domingo, 7 de dezembro de 2008

CRISE FINANCEIRA - NACIONALIZAÇÃO DE UM BANCO DE JARDIM




BANCARROTA

Crise financeira motiva nacionalização acidental de banco de jardim
Quando Joaquim Pires, jardineiro ao serviço da Câmara Municipal de Lisboa, decidiu solicitar aos seus superiores autorização para intervir num banco degradado do Jardim da Estrela, estaria longe de prever as bizarras consequências do seu zelo profissional. Duas semanas depois da participação, quando Joaquim comprara já madeira e verniz para proceder à reparação, foi surpreendido por uma nota oficial informando-o de que deveria abster-se de qualquer acção porque o referido banco entrara em processo de nacionalização. “Em quarenta anos de profissão, já vi um homem adulto a nadar com os patos e a fazer quá-quá, já encontrei reformados a jogar strip poker em pleno Inverno e até já lidei com alguém que andava a esculpir formas obscenas nos cactos, mas uma coisa destas surpreendeu-me”, refere o jardineiro. O engano ter-se-á devido a erro de processamento do sistema informático da administração central (composto por computadores Magalhães) que terá ignorado a multiplicidade de significados da palavra “banco”, depois de directivas rigorosas para lidar prontamente com todas as dificuldades de instituições bancárias e evitar o seu colapso. Sem querer reconhecer o erro, o governo prepara-se para nomear um administrador para o banco do Jardim da Estrela, bem como uma equipa de oitocentos colaboradores a tempo inteiro, instalados num edifício alugado nas imediações e submetido a dispendiosas obras de remodelação. Entretanto, Dias Loureiro deixou bem claro que nunca se sentou no banco em questão e a Presidência da República tornou público que Cavaco Silva não frequenta jardins porque a cor verde lhe provoca azia. Com o passar do tempo e o aumentar da degradação, o banco nacionalizado foi recentemente removido do local em que se encontrava, mas isso parece não incomodar ninguém.

Texto do blog INEPCIA.

sábado, 6 de dezembro de 2008

MAIS MOMENTOS



Sob direcção do Manuel Amaro da Costa, com o Rui Mendes, a fazer um pequeno papel na versão portuguesa do "Sim, sr. Ministro". Há-de ter sido lá por 1996 mais coisa menos coisa.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

MOMENTOS



Com o Joaquim de Almeida num dos programas que mais prazer me deu escrever que se chamava "DOCAS", 1996, TVI.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

COMO LA CIGARRA



Mercedes Sosa


COMO LA CIGARRA

"Tantas veces me mataron, tantas veces me morí, sin embargo estoy aquí resucitando.Gracias doy a la desgracia y a la mano con puñal, porque me mató tan mal,y seguí cantando.

Cantando al sol, como la cigarra, después de un año bajo la tierra, igual que sobreviviente que vuelve de la guerra.

Tantas veces me borraron, tantas desaparecí, a mi propio entierro fui, solo y llorando. Hice un nudo del pañuelo, pero me olvidé después que no era la única vez y seguí cantando.

Cantando al sol, como la cigarra,después de un año bajo la tierra, igual que sobreviviente que vuelve de la guerra.

Tantas veces te mataron, tantas resucitarás cuántas noches pasarás desesperando. Y a la hora del naufragio y a la de la oscuridad alguien te rescatará, para ir cantando.

Cantando al sol,como la cigarra, después de un año bajo la tierra, igual que sobreviviente que vuelve de la guerra".




María Elena Walsh - Poeta Argentina

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

VIVA A GREVE

A greve é o poder de quem não tem poder, a voz de quem não tem voz, a luz de quem vive na escuridão.

A greve é sagrada. Vem de longe. Vem do sangue, da fome, do desespero. Vem do amor aos filhos.

A greve é a festa de quebrar barreiras. O luxo da amizade e do companheirismo.

Quando não vem da remoenga burcrática, quando nasce da garganta e do coração, a greve é um poema escrito a muitas vozes.

Talvez por tudo isto os poetas estejam sempre em greve contra o lado negro da vida.

Viva a poesia! Viva nós! Viva a greve!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ADALBERTO ALVES RECEBE PRÉMIO SHARJAH DA UNESCO




O meu querido amigo Adalberto Alves foi laureado pela UNESCO com o Premio Sharjah 2008, que visa distinguir quem tenha contribuído de forma relevante para a promoção, preservação e revitalização da cultura árabe no mundo.

Adalberto Alves, que preside actualmente ao Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, foi laureado na sequência de recomendações de um júri internacional que analisou 33 candidaturas, apresentadas por 20 Estados-membros da UNESCO.

Para o Adalberto Alves, receber este prémio "é o coroar de muitos anos de trabalho de divulgação da herança árabe na cultura portuguesa".

Na sua obra vasta gostava de destacar os livros "O meu coraçõa é árabe", "Al-Mu'tamid/ Poeta do Destino".

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

UM POSTAL ERÓTICO



O meu amigo Mário Alberto foi a última pessoa a morar dentro do Parque Mayer.

Pintor, cenógrafo, boémio, iconoclasta assumidíssimo, o Mário Alberto, hoje doente, é um homem com um sentido de humor único e uma vida cheia de histórias absolutamente deliciosas e delirantes.

Conhecemo-nos quando ele desenhou a roupa para o primeiro trabalho de ficção que fiz para a RTP, uma série infantil chamada "Zarabadim". Ficámos amigos desde logo.

Numa altura de vida complicada, quando eu estava em baixo ia ter frequentemente com ele ao "escritório", ou seja, à cervejaria Ribadouro a dois passos do parque Mayer, onde o Mário "recebia" os amigos lá por volta da meia-noite.

Duas ou três histórias do Mário Alberto e todas as nuvens se me afastavam dos olhos, a alegria voltava, a gargalhada era garantida.

Um dia cheguei ao Ribadouro e o Mário Alberto quase saltava da mesa. "Ainda bem que apareces! Preciso que me escrevas um postal erótico. Mas em francês. Eu falar francês, falo como o caraças. Mas para escrever é que é mais difícil..."

O postal era para uma rapariga. Até aí tudo bem. Mas a rapariga era muito invulgar: uma beldade argelina!

Tudo tinha começado num restaurante da zona de Santos. A um canto almoçava um grupo grande de argelinos de passagem por Lisboa num cruzeiro. Entre eles, uma beldade "de fazer parar o trânsito".

O Mário Alberto não perdeu tempo. Na toalha de papel fez-lhes umas caricaturas rápidas e lá foi de toalha em punho meter conversa com eles mas, está visto, sempre de olho na beldade.

Ficaram amigos, trocaram moradas com aquela exuberância de quem sabe que nunca mais se há-de voltar a encontrar.

Mas o Mário Alberto ficou a empreender e resolveu mandar um postal erótico à rapariga e convidá-la a vir passar uns dias a Lisboa.

Com alguma apreensão lá escrevi o postal que ele já tinha bordado a desenhos devidamente alusivos.

Passaram-se dois ou três meses até voltar a vê-lo. Então e a argelina?, perguntei-lhe eu. "Nem me digas nada! Uma desgraça!" respondeu-me o Mário ironicamente pesaroso.

A argelina respondeu ao postal erótico e mostrou-se muito feliz com a perspectiva de vir ter com ele a Lisboa. Combinaram tudo. No dia aprazado o Mário Alberto muniu-se de um grande olho de rosas e foi esperá-la ao aeroporto. Mas a argelina que apareceu não era a beldade deslumbrante que ele esperava. Era outra, uma horrível, feia e "absolutamente imprópria para consumo"!

No meio das moradas recolhidas no tal restaurante, o Mário tinha baralhado as moradas da beldade com a desta sujeita que ainda por cima "... logo no primeiro dia gastou-me um pacote de esparguete daqueles que dão para um mês e esvaziou-me uma garrafa de litro de azeite!"

E depois, como é que a história acabou?, quis eu, de novo, saber. O Mário Alberto não arranjou melhor solução: fugiu para casa do irmão e só voltou à sua casa no parque Mayer quando teve a certeza que ela se tinha ido embora de vez!

Podia tirar daqui uma moral qualquer. Mas gosto da história assim mesmo, sem mais condimentos. E continuo a rir-me muito sempre que dela me lembro.



Capa de um livro que se encontra por aí nas prateleiras de algumas livrarias sobre a vida e a obra do meu amigo Mário Alberto.

domingo, 30 de novembro de 2008

ESE JOÃO DE DEUS



Jantar de fim do 1º ano do Mestrado sobre Promoção do Livro e da Leitura da Escola Superior de Educação João de Deus.

Um grupo de alunas notáveis e de professores magníficos que viveram um daqueles raros processos de ensino que vivem em estado de graça.



"Maldades" do António Torrado que assim me obliterou a cara da fotografia mantendo a alma presente na pessoa de um guardanapo vermelho.

sábado, 29 de novembro de 2008

EB1/JI DO ALTO DO MOINHO



Uma escola muito especial, cheia de alegria, com uma biblioteca daquelas (e já são muitas pelo país fora) onde apetece estar e onde nos perdemos a conhecer as muitas actividades de grande qualidade que aí têm lugar.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

EB1 Quinta do Conde de Portalegre

Aqui fica a memória de passagens por mais algumas escolas e da forma calorosa como sempre tenho sido recebido. A todos, professores, alunos, empregados, muito obrigado. E um muito especial abraço de amizade áos que trabalham nas Bibliotecas Escolares porque estão a semear as mais belas sementes do futuro dos nossos meninos.

domingo, 23 de novembro de 2008

A CASA

Às vezes tenho saudades da simplicidade que vai direita ao coração. Um poema, uma voz, uma viola. E uma grande vontade de olhar o mundo do lado do avesso.




(Vinícius e Maria Betânia)


A casa

Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque a casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"LOOK WHAT THEY'VE DONE TO MY SONG"

PARECE-ME QUE A LETRA DESTA CANÇÃO TEM ALGUMA COISA A VER

COM O QUE MUITOS PROFESSORES SENTEM POR ESTES DIAS




"Look What They've Done To My Song, Ma"

MELANIE SAFKA

Look what they've done to my song, ma
Look what they've done to my song
Well it's the only thing that I could do half right
And it's turning out all wrong, ma
Look what they've done to my song.

Look what they've done to my brain, ma
Look what they've done to my brain
Well they picked it like a chicken bone
And I think I'm half insane, ma
Look what they've done to my song.

I wish I could find a good book to live in
Wish I could find a good book
Will if I cold find a real good book
I'd never have to come out and look
Look what they've done to my song.

It'll be all right ma, maybe it'll be okay
Well if the people are buying tears I'll be rich someday, ma
Look what they've done to my song.

Ils ont change ma chanson ma
Ils ont change ma chanson
C'est la seule chose que je peuz faire
Et ce n'est pas bon ma
Ils ont change ma chanson.

Look what they've done to my song, ma
Look what they've done to my song
Well they tied it up in a plastic bag and they turned it upside down
Look what they've done to my song, ma.

Look what they've done to my song, ma
Look what they've done to my song
It's the only thing I could do all right and they turned it upside down
Look what they've done to my song, ma.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

DE PÉ SOBRE O SILÊNCIO




A minha amiga Lícinia vai no seu segundo livro de poesia. E não só. Nos últimos anos fez da poesia uma forma de existir, de resistir, de viver solidariamente. Declama muito bem e faz declamar. Junta amigos em torno da poesia. Faz a sua pequena Sierra Maestra em torno das palavras. Tem um blog que vale a pena visitar muitas vezes, O SÍTIO DO POEMA e outro (inconfidência autorizada) que é um mimo de graça e irreverância: a DONA TELA.

A Licínia publicou mais um livro. Foi uma festa em Mafra.O auditório da Biblioteca Municipal estava a transbordar. Veio gente de vários sítios do país. Gente que tece fios de amizade através dos blogs, dos poemas, dos comentários.

A introdução ao livro é da, também mafrense e também minha amiga e companheira, Hélia Correia. E acaba assim:

"Se, como diz Amos Oz, só a imaginação pode salvar o mundo, um livro de poemas como este ajuda um pouco a essa salvação."

O livro não está à venda. Ou melhor. Só autora é que o vende. Mas vale a pena.



BEIRA-MAR

Os olhos das mulheres
cavalgam as praias desertas
e a acalmia das ondas

Ficam verdes os olhos das mulheres
no seu afã de adivinhar os peixes

Águas-marinhas crescem-lhes nos dedos
longos longos

Há estrelas-do-mar a rematar
as tranças de meninas
que chegaram do longe longe

Debruçam-se serenas
sobre a caligrafia andarilha das gaivotas
a ler histórias que os netos lhes contaram

Antes que a tarde as envelheça
acendem nas areias fogos altos
e pintam as cores do sol poente
e cantam líquidas melopeias
e cantam e cantam
as mulheres da beira-mar

Licínia Quitério

domingo, 16 de novembro de 2008

"DEIXEM-NOS SER PROFESSORES"



(Foto de Robert Doisneau)

"NOS ÚLTIMOS MESES NÃO VI PROFESSORES FELIZES"

João Lobo Antunes, "O Público", 16 Nov 2008

"O RESPEITO PELOS PROFESSORES É FUNDAMENTAL POIS O FUTURO DO PAÍS DEPENDE DA EDUCAÇÃO DOS SEUS CIDADÃOS"

João Lobo Antunes, "O Público", 16 Nov 2008



"NÃO HÁ SINDICATO NENHUM, NEM APARELHO SINDCAL OU POLITICO QUE META NA RUA 120 MIL PROFESSORES"

Manuel Alegre, "Diário de Notícias", 16 Nov. 2008

"A ESCOLA PÚBLICA É NECESSÁRIA MAS TAMBÉM TEM DE TER CRITÉRIOS DE EXIGÊNCIA"

Manuel Alegre, "Diário de Notícias", 16 Nov. 2008



"DEIXEM-NOS SER PROFESSORES"

Autocolante da manifestação de professores de 8 Nov 2008

sábado, 15 de novembro de 2008

LABIRINTO



(Gravura de Bartlomeu Cid dos Santos)


LABIRINTO

(Sobre uma gravura de Bartolomeu Cid dos Santos)

“Sabemos agora que não é necessário que os átomos tenham um
objectivo.”

Umberto Eco, “A linha e o labirinto”


Vou fazer um labirinto
no outro lado da lua.

Com palavras ou pedras
ou nuvens ou fios de lã.

Tenho de fazer um labirinto
para lá da esquina do vento.

Um labirinto entre o céu e a terra
onde alguém tropece
no cheiro quente
das castanhas em Outubro.

É urgente construir um labirinto
em Outubro ou em Fevereiro.

Um labirinto onde a lua
em cada noite se tinja
de um vermelho escandaloso.

Tenho de inventar a geometria
sem fuga nem distância.

Tenho de fazer acontecer um labirinto.

E soltar o touro essencial.

E acender o olho do falcão.

E rasgar a carne até ouvir
na cor do sangue
a flauta de Mozart.

Tenho de inventar um labirinto,
o lugar onde venha, porventura,
a encontrar-me um dia com todos os que amo,
filhos ou amigos,
pássaros felizes sobre o mar.


José Fanha (do livro inédito "Marinheiro de outras luas")

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

"XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO" OU O SEU A SEU DONO



Há muito quem pense que a letra da excelente canção "Xácara das bruxas dançando" dos Trovante é de João Gil ou de Luís Represas. Há pouco passei por um blog que atribuía a um dos dois a autoria do poema que foi escrito, de facto, pelo poeta e romancista Carlos de Oliveira. Assinale-se ainda que o poema é composto por 4 partes e a canção só usa a 3ª parte. Porque é um poema muito especial, de um grande autor, porque os Trovante foram um grupo notável que de alguma forma se prolonga nas obras excelentes dos que o constituíram e que, obviamente, não precisam de autorias indevidas, aqui fica devolvido o seu a seu dono


XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO


I

Era outrora um conde
que fez um país,
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quis.

Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo
são bicos de tojo,
no tambor da esperança.

Ventos sem destino
que dizeis às ramas?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.

No país que outrora
um conde teceu,
as laranjas de oiro
são bruxas de agoiro
e fúrias do céu.

Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças de morte.

As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos nos olhos.


II

Ama, estás ouvindo
a história que vou contando?
Ó ama pátria dormindo
desde quando?

Desde tempos e memórias,
desde lágrimas e histórias,
desde raivas e glórias,
agora te estou chorando
e tu dormindo
até quando?

As bruxas andam lá fora
e eu chorando
versos do país de outrora.

Dançam bruxas a ganir
de mãos dadas com o vento.
Ama, acorda; sopra o lume;
e não me deixes dormir
na noite do pensamento.


III
Ó castelos moiros,
armas e tesoiros
quem vos escondeu?
Ó laranjas de oiro,
que ventos de agoiro
vos apodreceu?

Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quando os mochos amam
e as pedras choram

Caravelas, caravelas
mortas sob as estrelas
como candeias sem luz
E os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz

As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda raspando
as unhas podres de tojo
na noite morta do povo
como num tambor de rojo.

IV

E o tempo murchando
a luz de idos loiros.
Ama, até quando
estaremos chorando
os castelos moiros?

Lá vão naus da Índia,
lá se vão tesoiros.
E as bruxas dançando
e os ventos secando
as laranjas de oiro.

Ama até quando?

Na noite das bruxas
o lume no fim
e o vento ganindo.

Amas estás ouvindo?

O lume no fim
e os homens dispersos.

Ama, tens frio;
cinge-te a mim
e aquece-te ao lume
queimando os meus versos.

Carlos de Oliveira

(in “Turismo”, 1942)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

AUTO-RETRATO EM 3X4




AUTO-RETRATO EM 3X4


Sou um homem de muito silêncios e raras obediências,
inesperadas paixões programadas,
alguns medos, optimismos inúteis
e, principalmente, uma vasta e apaziguadora preguiça.
O meu coração está preso desde uma terra distante
a uma só mulher,
excepto nos interlúdios.
Escrevo cada vez mais desesperadamente.
Às vezes tenho pensamentos incestuosos.
Se não fossem as consequências,
juro que cometeria um pequeno crime.
A vida trespassa-me como uma faca,
mas não consigo agarrá-la.

João Melo

(poeta angolano)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

SERPENTE





SERPENTE


Se é secreto o desamor
transformado em meu segredo
tento domar a paixão.

Para sempre entrego e me rendo
ao bater do coração onde se aninha a serpente
o peito aberto ao arpão.

Quem não demove a palavra num persistir insolente
um poema em cada mão

Dá perdimento ao fulgor calando o fogo
da estima
sem demover o torpor onde a rima declina

E seja lá quem não for
resgata
guarda e domina

Mara Teresa Horta

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O MEU AMIGO JOÃO MATEUS




JOÃO MATEUS

Nos idos de 69/70 eu ia de vez em quando a casa do meu amigo e colega de arqutitectura, Luís Mateus.

O pai, o engº Tomás Mateus do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, conhecido pelo Tomás das madeiras, era um especialista mundial em resitência de madeiras. Mas era também pintor. Chegava a casa e passava o fim da tarde a pintar. Nao podia fumar e a mulher sentava-se suavemente ao lado e fumava, dando-lhe de vez em quando uma passa.

Os filhos, o Zé, que se formou em arqueologia, o João e o Luís, ambos arquitectos, todos três tocavam música antiga e interessavam-se pelas coisas mais oblíquas e menos óbvias para jovens entre os 15 e os 20 anos. Literatura, música antiga, História de igrejas e conventos, geometria descritiva... Sei lá.

Só sei que ficava fascinado. Eles era para mim a imagem da paz familiar que eu nunca conhecera.

Moravam em Alvalade. Julgo que no mesmo prédio morava o Miguel Serras Pereira, o excecional tradutor (e poeta bissexto) que não revejo há anos e que me tem proporcionado muitas horas de leitura de alta qualidade.

Perto, morava o poeta José Gomes Ferreira que passava com a sua cabeleira branca aos 4 ventos e o olhar a navegar sabe-se lá por que distâncias.

Eu e o Luís Mateus temo-nos visto por aí, entre Lisboa e Braga. Telefonamo-nos, partilhando muitas memórias, paixões e cumplicidades.

O João já não o via há muitos muitos anos. Encontrei-o e fiquei fascinado. Arquitecto, continua a tocar música antiga, constrói instrumentos de madeira, desenha, pinta, sei lá que mais.

Pediu-me para ir visitá-lo ao seu site. Demorei uns quantos dias porque os dias andam complicadas e eu só queria lá ir com tempo para demorar.

Finalmente fui e fiquei espantado. Já não se faz gente assim. Ou faz?

Se calhar faz. Mas de cada vez que encontramos alguém que anda pelo mundo com esta vitalidade, esta variedade, esta força, ficamos acrescentados e com a certeza de que viver pode ser um moinho muito disponível para que o vento da vida não o deixe descansar.

O endereço do João onde estão os óleos, os desenhos, o pastel, a arquitectura, é este:

http://joaorosariomateus.googlepages.com/joaomateus

Vale a pena visitar.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

OS SAPATOS DO PAI NATAL




"OS SAPATOS DO PAI NATAL"


Ninguém sabe os contratempos que um Pai Natal sofre para levar a tempo e horas todas as prendas que as crianças irão receber, mal abrirem um olhito na manhã de cada dia 25 de Dezembro!

As vésperas de Natal são uma canseira, uma lufa-lufa, um desassossego.

Eu, que fui Pai Natal durante vários anos, posso garantir-vos que, quando chega Dezembro, todos os Pais Natais andam de um lado para o outro com o coração nas mãos.

É a rena Rudolfo que se constipa a sério e ficamos aflitos para arranjar outra que vá puxar o trenó! É o patim do trenó que começa a mancar e já não nos lembramos onde é que pusemos o outro patim sobressalente. São as prendas que não chegam a tempo e lá temos nós que inventar outros presentes à pressa, e é por isso mesmo que, às vezes, um menino pede uma bicicleta e recebe umas pantufas, pede uma roupa de astronauta e recebe uns patins para andar no gelo ou, pior ainda, pede um carro de bombeiros e recebe uma boneca espanhola!

Os percalços são imensos. Mas o encanto de ver os meninos aos saltos de alegria quando abrem as suas prendas ultrapassa tudo!

Se calhar querem saber como é que eu me tornei Pai Natal… Eu conto."

É assim que começa esta história acabadinha de sair e que é meio verdadeira e meio inventada, como quase todas as histórias. E ainda bem que é assim porque todas as histórias, mesmo as mais fantásticas e mirabolantes, servem-nos sempre para compreendermos melhor a vida que vivemos e para a v ivermos com mais paz e alegria.

Quem quiser saber como é que eu me tornei Pai Natal e acabei por ter um grande problema devido aos sapatos, terá de ler a história até ao fim com a ajuda dos divertidos desenhos da Sandra Serra que muito ajudam a visualisar as várias trapalhadas que vivi enquanto fui Pai Natal.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

WISLAWA SZYMBORSKA



Wislawa Szymborska é uma poeta polaca, nascida em 1923 e Prémio Nobel em 1996.

Traduzir poesia é uma arte. Às vezes as traduções soam bem. Outras vezes nem por isso. A tradução, no sentido estrito da palavra, pode ser correcta em ambos os casos. Mas não basta ser correcta. É necessário encontrar na nova língua uma música que nos remeta para a música original e nos dê consolo e equilibrio na natureza da língua de chegada.

Descobrir poetas de línguas distantes é difícil e depende muito da qualidade das traduções.

A tradução deste livro de Elzibieta e Sérgio Neves parece-me magnífica. Já tinha lido outros poemas da autora em espanhol, francês e inglês. Este livro é precioso. Pela notáv el poesia e pela sua tradução.

FOTOGRAFIA DE 11 DE SETEMBRO

FOTOGRAFIA DE 11 DE SETEMBRO


Atiraram-se dos andares em chamas.
Um, dois, ainda alguns.
mais acima, mais abaixo.

A fotografia deteve-os na vida
e agora preserva-o
sobre a terra rumo à terra.

Cada um ainda na íntegra,
com rosto individual
e sangue bem guardado.

Ainda há tempo
para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.

Ainda estão ao alcance do ar,
no âmbito dos lugares
que acabaram de se abrir.

Só duas coisas posso por eles fazer:
descrever este voo
e não acrescentar a última frase.

Wislawa Szyborska

(“Instante”, ed. Relógio d’Água, tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio Neves)

domingo, 2 de novembro de 2008

QUALQUER COISA



Pintura de Rolando Sá Nogueira



QUALQUER COISA

(Sobre pinturas de Rolando Sá Noqueira)

Os pintores, caro amigo,
sabes como são?

Qualquer coisa lhes serve
de argumento ou de comboio
para partirem através de turbulências
ou banquetes coloridos.

Qualquer coisa os amotina:
um sussurro de água,
uma lâmina de vento,
um madeiro enegrecido que recorda
o teatro de uma vida ardendo.

Qualquer coisa violeta ou ambarina os leva
ao centro das cabeças descentradas.

Qualquer coisa cor de terra ou mel
os faz descarrilar.

Qualquer promessa de lua
os faz sair a voar ao fim da tarde:
um rasto antigo de números de music-hall,
um cão de olhos líquidos,
uma folha de amoreira,
uma música trepando
pela arquitectura dos ossos
à beira da eternidade.

Qualquer breve cornucópia lhes entorna
um pássaro improvável
na profundeza dos olhos
e deixa um barquinho a navegar
na perfeição dessas mãos
da criança de asas verdes
que os habita.

José Fanha

(do lirvo inédito "Marinheiro de outras luas)

sábado, 1 de novembro de 2008

“CHEGA-TE PARA LÁ, SEU PRETO!”



Este era o Rolando Sá Nogueira, o grande professor da minha vida.


“CHEGA-TE PARA LÁ, SEU PRETO!”

O Rolando é muito grande, ensina-me a fazer desenhos e conta-me montes de histórias com a sua voz redonda e forte.
Um dia contou-me que ia num eléctrico cheio de gente e alguém lhe disse: “Chega-te para lá, seu preto!”
Fiquei espantado. Olhei com muita atenção para ele. E era verdade. O Rolando era preto. Mas eu nunca tinha reparado nisso.
Fui para casa, com a minha caixinha de pensar em coisas toda ocupada a pensar como é que era possível eu nunca ter visto uma coisa tão importante...
Se calhar não era uma coisa assim tão importante, tão. Ou então o Rolando não era preto. Só ficou preto quando alguém lhe chamou preto.
Só sei que, no dia seguinte, ele esqueceu-se daquela história, eu esqueci-me que ele era preto e voltámos aos nossos desenhos.



José Fanha

("Diário Inventado de um menino já crescido", ed. Leya-Gailivro)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

MAIS DERIVAS



Vladimir Holan (1905-1980), poeta checo ntural de Praga.


Tinha lido dois ou três de poemas de Vladimir Holan traduzidos por Eugénio de Andrade.

Um dia, nos anos 80, com poucos escudos no bolso, cheguei a Paris e gastei quase tudo o que tinha em dois discos de Léo Ferré e um livro de Ferlinghetti. Ainda dava para mais um livrito. Fui espreitar as poesias.

Folheado para a frente e para trás, o escolhido foi Vladimir Holan.

Com as minhas parcas compras na mão e, na cabeça, as muitas que queria fazer e para as quais já não tinha dinheiro. Tudo géneros de primeira necessidade, poesia e música.

Saí um tudo nada humilhado e irritado da FNAC dos Halles. Ainda não havia FNAC em Portugal e eu, perante aquele espectáculo apetitoso de corredores e corredores de livros e discos, sentia-me um miserável pobretanas terceiromundista.

Ainda por cima, em Paris costumo ser alvo de atitudes racistas avulsas por me julgarem magrebino.

Resolvi vingar-me e gastar o pouco que me restava a comer e beber. E acabei essa tarde a ler Holan num pequeno e delicioso café parisiense.

Fascinado pela densidade daquela poesia e pela música que se desprendia de uma tradução francesa que soava muito bem, mergulhei na leitura e já não sei quanto tempo ali fiquei.Bebi cerveja, comi sandes de patê e li poesia até perceber que a conta já devia andar perto dos 30 francos que me restavam.

Nssa altura percebi que o café estava cheio, havia gente à espera de mesa e a empregada andava a tossir significativamente à minha volta a ver se eu me punha a andar.

E com razão...! Um magrebino a comer e beber e a ler poesia? Não faza sentido nenhum. Ela tnha muita pressa de me ver pelas costas. Paguei e tanta pressa tinha a empregada que quando voltou me trazia um pratinho cheio de notas. Hélas! Eu tinha dado 30 francos e ela trazia-me troco de 100.

Não disse nada. Guardei o dinheiro com um ar imperial, dei uma boa gorjeta, saí cheio de poesia na alma e com a carteira um pouco mais confortável e, mal virei a esquina, desatei a correr não fossem dar pelo erro na conta.

Foi assim que fiquei duplamente agradecido a Vladimir Holan; pela sua magnífica poesia e por um troco errado que me deu algum consolo numa tarde primaveril de Paris.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A LOUCA

A LOUCA


Até deus tem um ofício, nós é que não sabemos qual,
diz a louca.

É preciso colocar um pedaço de Dezembro
sobre este onde não nevou, diz a louca.

Sim, eu estou a perder a vista, mas não me venham falar
de letras grandes e pequenas,
eu vejo bem, tenho uma voz grossa,
diz a louca.

Não penses que me ponho a rir apenas
porque tenho uns belos dentes… Trata-se de uma visão vocal,
diz a louca.

Os cabelos sobre as costas da noite e a ira de uma concha
desvendarão a fineza das circunvoluções cerebrais da noz,
diz a louca.

Olha, todo este espaço preenchido pela ausência lúbrica
de um ladrão de cemitérios! Eu forço o destino docemente,
diz a louca.

Agora é que descobri que aquela minha amiga me traiu
apesar de calçar de vez em quando os meus chapéus,
diz a louca.

A camisa d forças não passa de um vestido de noiva para o registo
e outro para a igreja,
diz a louca.

Porque é que me puseram estes óculos escuros? Sem eles vejo muito bem
os impulsos cósmicos do cubismo!
Eu sou instruída!, diz a louca…

E teria dito por certo muito mais
se me tivessem dado uma pedra para me sentar
em vez de um momento de atenção,
diz esta louca…

Vladimir Holan

(Traduzido do francês por José Fanha. Revisto por Jorge Listopad)

sábado, 25 de outubro de 2008

DERIVAS E TRADUÇOES

Nas derivas por jornais, por livros e pela net vou encontrando aqui ou ali algum poema que me comove, algum poeta de quem me descubro, subitamente, irmão.

Encontrei há pouco tempo, nas páginas de um jornal, um poema do poeta granadino Luís García Montero que muito me comoveu. Pela sua claridade e limpeza, pela belíssima forma de falar dos filhos. Logo me senti da mesma família de Montero. Logo procurei traduzi-lo.

É claro que sei que traduzir poesia é uma forma de alterar o original, de o tomarmos para nós numa outra língua, numa outra música, numa outra rosa (como dizia Neruda).

Traduzir poesia é um exercício de humildade em que se procura recriar na nossa língua a voz que vem de outra paisagem sonora.

Talvez valha a pena. Espero que sim. Aqui vai com um abraço para o poeta que gostava de conhecer. Talvez um destes dias, quem sabe? Os poetas encontram-se aqui ou ali por razões mágicas e misteriosas. Ou, pelo menos, gosto de pensar que é assim.

LUÍS GARCÍA MONTERO





OS FILHOS



Por favor, não tragam ruído
à tranquilidade deste poema
escrito com a mão
do que fecha a porta ao apagar
a luz.
Os meus três filhos acabam de adormecer.
Necessito de silêncio para pensar
neles.


Cores indeléveis num lápis
de traçado infantil,
voltam a desenhar
- mas desta vez a sério –
uma árvore, uma casa, a memória
de uma luz acesa
com sabor a Dezembro,
os cristais do medo
e a ilusão do futuro
debaixo do sol dos dias…..

Um filho é o segundo país onde nas-
cemos.
Com a sua falta de idade faz-nos
repetir aniversários
e devolve-nos
ao mundo do relógio,
às chamadas telefónicas
que são uma raiz
na margem do tempo.

Um filho ensina-nos a perguntar
com voz de água
a verdade decisiva da terra.
Sermos como juncos, e em amor flexíveis,
não assegura respostas
nem confirma o repouso.

Elisa, Irene, Mauro,
cada qual com o seu porto e com a sua
chuva,
luzes cintilantes de um mesmo rio.
Ninguém revele, por favor,
que acabo de escrever-lhes um poema.
Os filhos crescem com espinhos.
Nunca sei imaginar o que podem dizer do que digo,
o que podem pensar do que
penso,
o que podem fazer com o que faço

Luís Garcia Montero

(Tradução José Fanha)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O ENTERRO DA ESCOLA



Outro amigo com quem me vou encontrando por aqui e sobretudo por ali desde os 18 anos. Fizemos canções juntos, entrámos em espectáculos, almoçámos, jantámos, rimos muito e trocamos um imenso abraço amigo, mais que amigo, irmão, sempre que nos reencontramos.

Tudo começou em 1969. Pelo mundo ia o movimento hippy, o Make Love not war, a guerra do Vietname, os Beatles, os Stones, Woodstock, os restos do Maio de 68 em Paris. Ser jovem era sonhar. Ser diferente. Ser irreverente. Questionar. cantar. Mudar. Experimentar.

Por cá, havia a guerra colonial, 4 anos de tropa e guerra a que nós, jovens, estávamos condenados e cuja única alternativa era a fuga a salto e o exílio.

E havia o protesto estudantil que crescia a olhos vistos no cinzentismo com alguma esperança de abertura política trazidos pela doença de Salazar e chegada ao poder de Marcelo Caetano.

Em 1969 entrei para a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, ESBAL, ao Chiado, para estudar Arquitectura.

Aí conheci o Carlos Mendes, uma grande vedeta à época. Músico dos Sheiks, vencedor de dois Festivais da Canção RTP e, acima de tudo, um tipo sem peneiras, um jovem cheio de vontade de partir a loiça, de rir, de fazer de cada dia de vida uma festa. Um pouco como muitos de nós.

Quando cheguei á Escola alguns alunos, e entre ele o Carlos, estavam a organizar o enterro da Escola. Consideravam que ali já pouco se ensinava, a escola estava morta e, portanto, havia que lhe fazer o enterro.

Eu não quis saber de mais nada e juntei-me logo ao alegre funeral. Metia um artístico caixão que era levado em ombros pelos corredores e salas de aula. À frente, numa lenga-lenga divertidíssima, o sacerdote oficiante, vestido a preceito segundo me lembro, era o Pedro Brandão.

O caixão entrava nas salas de aula e os professores eram informados de que as aulas tinham de parar porque a Escola tinha morrido e portanto...

Os professores alinhavam na coisa. Era Belas Artes e, apesar de tudo, havia uma maior capacidade de aceitar a irreverência jovem. Ao fim de uma meia hora
éramos uns 400 estudantes na procissão do enterro. Em coro cantávamos os estribilhos: "ESBAL ESBAL está podre e cheira mal" e "A escola é nossa!A escola é nosssa" sobre ao ritmo a marcha oficial que dizia "Angola é nossa! Angola é nossa!"

Apenas um professor resistiu, o Pinheiro, que estava a fazer um teste de Geometria Descritiva numa sala da cave do velho convento de S. Francisco onde a Escola está instalada.

Bateu-se à porta e quem veio atender foi um colega nosso pouco recomendável, filho de uma personagem qualquer do fascismo brasileiro, um matulão do caraças que fez peito à malta toda, a armar-se em paladino de alguma Guerra Santa.

Teve azar. À frente vinham logo o Carlos Mendes, o Catita e o João Paulo Bessa (na altura jogador de rugby...), tudo gente que "disparava primeiro e perguntava depois".
Não sei quem foi que lhe deu um "encontrão". Só sei que o rapaz brasileiro deu três voltas no ar e entrou pela aula de trambulhão.

Depois entrou-se na sala e informou-se delicadamente os 12 colegas que estavam a fazer teste que a Escola tinha morrido e, portanto, não havia razão para fazer testes. E tirou-se-lhes as folhas de teste não fosse algum deles não entender o fundamento da questão.

O enterro continuou, saiu à rua, deu algumas voltas e regressou ao pátio da escola onde o caixão foi atirado à cisterna.

E é nestes alicerces que assenta a minha grande amizade pelo Carlos Mendes. Andamos agora a fazer mais umas canções. E a concordar com o O'Neill:

"...
neste reino de Pacheco,
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes,
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-la de pernas prò ar?"

terça-feira, 21 de outubro de 2008

ILHA DE MOÇAMBIQUE




Não é a pedra.
O que me fascina
é o que a pedra diz.

A voz cristalizada,
o segredo da rocha rumo ao pó.

E escutar a multidão
de empedernidos seres
que a meu pé se vão afeiçoando.

A pedra grávida
a pedra solteira,
a que canta, na solidão,
o destino de ser ilha.
O poeta quer escrever
a voz na pedra.
Mas a vida de suas mãos migra
e levanta voo na palavra.

Uns dizem na pedra nasceu uma figueira.

Eu digo: na figueira nasceu uma pedra.


Mia Couto

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Comigo me desavim





Comigo me desavim
Sou posto em todo o perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse,
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meu espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo,
Tamanho imigo de mim?

Sá de Miranda

domingo, 19 de outubro de 2008

O ALMOÇO DO LADO



O Artur Semedo é outro dos amigos pouco canónicos com quem tive o imenso prazer de conviver.

Tinha eu uns 12 anos, alguém da família arranjava bilhetes á borla, e eu vi vezes sem conta e sempre fascinado "O meu amor é traiçoeiro" no Teatro Monumental, um drama popularucho mas intenso e cheio de chispa, pelo que recordo. Dois actores em cena: Laura Alves e Artur Semedo. Mal eu sabia que me ia cruzar várias vezes na vida com aquele galã galifão que me deixava de boca aberta. Ele e a Dona Laura que era uma notável actriz.

O Artur Semedo foi benfiquista violento, actor, cineasta (Quem não viu "O Rei das Berlengas" com o Mário Viegas entre outros filmes igualmente delirantes?)




Unia-me ao Artur Semedo o gosto pela desmesura, o prazer de inventar histórias e desatinos, e o facto de ambos termos estudado no Colégio Militar, embora com uns quantos anos de diferença.

Dele ouvi histórias fantásticas de feitos amorosos e brigas, histórias que fazem parte de um cancioneiro por recolher da vida boémia lisboeta dos anos de chumbo do salazarismo.

A mais conhecida era a da luva preta que usava sempre na mão esquerda, creio eu, e da qual fez um mistério público até ao dia em prometeu tirar finalmente a luva para mostrar porque é que usava a luva preta. E quando tirou, em directo, na televisão, por baixo da luva tinha outra luva!

O Artur Semedo era um personagem de si próprio. Aquilo a que às vezes no teatro se chama um "tipão".

A certa altura, pelos anos 80, tivemos um vago projecto comum para um programa de televisão que era mais um pretexto para almoçarmos imperetrivelmente á segunda feira, durante vários meses, no defunto restaurante "António".

Era um regabofe. Divertíamo-nos mutio. Durava horas o almoço e a conversa corria livremente em todas as direcções.

O Artur tinha o prazer da rábula por vezes a raiar o limite do bom senso.

Um dia o restaurante estava cheio. Sentámo-nos numa mesinha encstada à de um casal estrangeiro muito compostinho que comia fondue.

Muito delicadamente, o Artur sorriu-lhes, cumprimentou-os e perguntou-lhes em português como estava o fondue. Sem nada perceber, o casal estrangeiro sorria imaginando que estava a ser brindado por qualquer espécie de gentil ritual de simpatia tipicamente portuguesa.

O Artur, sempre em grandes gestos de delicadeza um tanto histriónica, virou-se abertamente para o almoço do lado, pegou num garfo, picou um naco de carne, fritou-o no óleo e comeu-o.

O casal estrangeiro olhava-o começando a deixar amarelecer o seu sorriso. Mas o Artur não ficou por aqui. Continuou a comer-lhes o fondue com grandes tiradas pomposas, grandes gestos e rasgados sorrisos enquanto devorava todo o resto do fondue.

Os senhores não sabiam se haviam de rir ou de chorar ao ver a comida a desaparecer.

Eu... Foi por pouco que não me urinei nas calças para conter o riso pelo insólito delirante a que ninguém seria capaz de arrancar o Artur Semedo que, acabado o fondue, encomendou finalmente o nosso almoço.

sábado, 18 de outubro de 2008

MÃE




Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! Verdadeiro, encarnado!

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar! Tenho sede! Eu prometo saber viajar!

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te às minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! Ata as tuas mãos ás minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade!

José de Almada Negreiros

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Te amarei mãe





Te amarei, mãe,
por dentro da matéria cega
em teu corpo amável
no calor de tuas mãos.

Te amarei, mãe,
como se a morte
fosse um segredo
e tu a plena quietude.

Te amarei, mãe
em tua secreta biografia
no filho
e na infância.

Te amarei, mãe,
na casa, no pão,
nas palavras diárias
na alegria, na dor.

Te amarei, mãe,
realidade-templo
de uma legião de mortos
água e sal dos vivos.

Te amarei, mãe,
quando sei e digo
Deus já não é sombra
mas naufrágio esplendoroso


Ana Marques Gastão

terça-feira, 14 de outubro de 2008

IRREVERÊNCIA




Há pessoas que atravessam a nossa vida de várias e inesperadas maneiras. foi o que me aconteceu com Luís de Sttau Monteiro, magnífico escritor e dramaturgo de obras como "Angústia para o jantar", "Felizmente há luar" ou "A guerra Santa".

O Sttau era um mito para mim, tanto por via do brilho da sua pena como das proibições com que a censura o brindava.

Tinha eu 18 anos (1969), não me recordo como foi, mas entrei como colaborador para "A Mosca", suplemento humorístico do "Diário de Lisboa", dirigido por José Cardoso Pires e onde conheci o Luís Sttau Mnteiro que aí publicava entre outras coisas as famosas redacções da Guidinha.´

É bom de ver que eu olhava para eles com muitíssimo respeito e a imensa felicidade de respirar o ar que eles respiravam, de os ouvir atentamente e procurar crescer com as suas palavras.

Voltei a cruzar-me com o Sttau no concurso "A Visita da Cornélia". Ele pertencia ao júri. Eu era concorrente. Convivemos durante 13 semanas intensas, com momentos emocionantes, nomeadamente as sessões do concurso no Porto onde ele, eu, o Pitum, o Assis Pacheco e outros, fomos ameaçados e até mais que ameaçados por uns patetas de uns rapazitos neo-nazis.

Durante este tempo, à admiração veio juntar-se a amizade.

Depois fomo-nos encontrando ao sabor das circunstâncias, unidos pelo amor à conversa, à escrita, à boa mesa e à irreverência que no caso dele atingia por vezes o delirio.

A última vez que o vi, pouco antes da sua morte, estava eu parado no vermelho dos semáforos a meio do Campo Grande. Ouvi atrás uma valente buzinadela. Pelo retrovrisor dei com o Sttau a sair do seu carro direito a mim.

Saí do meu carro para o inevitável abraço e ali ficámos à conversa, entusiasmada e vagabunda como sempre. E o sinal ficou verde. E os outros automobilistas começaram a protestar e a buzinar.

E foi aqui que saltou a irreverência do Sttau e a sua chispa de saudável loucura. Desatou a insultar os aumobilistas acusando-os de quererem impedir que dois amigos se cumprimentem e pudessem conversar a seu bel prazer.

A situação tornou-se tão absurda que os outros não tiveram outro remédio senão contornar-nos e seguir furiosos mas vencidos. E nós ali ficámos, em plena estrada, na boa cavaqueira.

Ficou-me na memória o seu sorriso sardónico, o gesto com que afastava o cabelo da testa, a grandeza daquela maneira aristocrata de estar na vida.

Ao ver a apagada tristeza que vai pelas nossas escolas, a revolta intensa mas inconsequente que grassa entre os melhores professores, pergunto-me que será feito da irreverência e da rebeldia com que se fazia um manguito aos mandantes tiranotes e aos condutores apressados. Em vez dsso, temos o lamento, a desistência ou a acomodação.

Que saudades do Sttau.

domingo, 12 de outubro de 2008

MÃE




MÃE


Ouvi chamar-te pela primeira vez numa rua sem árvores
Mas onde eu sabia haver tílias florindo.
Com uma alma enorme
Como só têm o mar e os desertos, reconheci-te numa
espécie de paixão
e foi assim que pude partilhar-te com a razão e a luz.
Como é que se faz, pergunto-me, para transformar
todo o perfume de Junho num pequenino nome? Tão
pequena morada guarda as mais inesperadas coisas: um ramo
de neve, o sol espreitando de uma ferida, o pequeno dócil
animal
mais leve e mais limpo do que o ar.
Ouvi-te pela primeira vez era já uma criança. Ou devo
dizer ainda? Com as tílias, floriram também os minúsculos
sons
dessa quase palavra, talvez mais rumor ou murmúrio,
mais, quem sabe?,
água que chega das nascentes do olhar.
Existem nomes onde nada cabe, outros que guardam a
ternura do mundo.
No teu nome brilha ainda a minha vida, esta espécie de
resposta
à pergunta incessante que me faz cada um dos meus dias.
Eu sei
que sou em grande parte a minha memória,
a memória que a roseira tem da chuva
ou a respiração do ar
ou a cigarra do estio
e que tudo, tudo, pode ter a dimensão afinal
de coisa nenhuma, ou a dimensão que colocou Deus
no coração de uma semente e o teu nome nas montanhas
do universo.
Eu sei que sempre coube inteiro no ventre
de uma palavra; que não precisei nunca
nem dos lábios, nem da fala, nem do mais intranquilo
pensamento
para saber do azul fundo do teu nome. Mas lembro-me
que me ouvi chamar-te pela primeira vez numa rua sem
árvores
onde eu vi – só eu vi? – tílias florindo.

sábado, 11 de outubro de 2008

O QUE É QUE APRENDESTE HOJE NA ESCOLA?



Qualquer semelhança com a realidade talvez não seja pura coincidência...


What Did You Learn in School Today
(Tom Paxto, cantado por Pete Seeger)

What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learned that Washington never told a lie
I learned that soldiers seldom die
I learned that everybody's free
That's what the teacher said to me
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school

What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learned that policemen are my friends
I learned that justice never ends
I learned that murderers die for their crimes
Even if we make a mistake sometimes
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school

What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learned that war is not so bad
I learned about the great ones we have had
We fought in Germany and in France
And someday I might get my chance
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school

What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learned that our government must be strong
It's always right and never wrong
Our leaders are the finest men
So we elect them again and again
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

UMA LÍNGUA ANTERIOR



Foto Robert Doisneau

Muitos professores estão a pedir a reforma antecipada. Parece que gostavam de ensinar. Melhor do que isso (ou pior...). Gostavam de ajudar a crescer. Gostavam de ajudar a sonhar.


"...TALVEZ O RISO SEJA UMA LÍNGUA ANTERIOR QUE FOMOS PERDENDO À MEDIDA QUE O MUNDO FOI DEIXANDO DE SER NOSSO."


("Venenenos de Deus remédios do diabo", Mia Couto)

Também o sorriso dos professores, os autênticos, se vai perdendo à medida que o ensino vai deixando de o ser.

sábado, 4 de outubro de 2008

AS FÁBULAS




DA TERRA

Amar o mar completa a minha vida
com o tacto de um amor imenso.
Amar ateia a margem
arrebata-me de júbilo e paixão.
Mas veio o vento e, por momentos,
amargurou o meu corpo, a oscilar.
E está o sol aqui, depois de uns dias
de jardim obscurecido, a beber sombra.
E sei que os átomos zumbem
e dançam como insectos
ébrios em redor do pólen.


DO SILÊNCIO

O pão do espírito chama pelos olhos
o pão da terra chama pela boca.
Mas quantas vezes o cego vê o Céu,
quantas vezes o farto engana a boca.

pois só o silencio visível aquieta
ao mesmo tempo os olhos e a boca.



Fiama Hasse Pais Brandão

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

RESPIRAÇÃO ASSISTIDA




DESVERSOS

Trinta anos depois continuo revoltadíssimo
Vª Exª foi de uma grande falta de chá
nem eu precsava de Angola - nunca!
nem Angola de mim - o que hoje parece claro

Vª Exª argumentava nos corredores
que eram ordens do dr. Salazar
ora adeus mandasse-o mas é a ele
tinha bom corpo para apanhar porrada

e mesmo Vª Exª podia ter feito
uma perninha como eu fiz em Zala
não sou de rancores nem pouco mais ou menos~
mas aquela merda estava mesmo parada

sabe Vª Exª o pasmo e a aflição
quando se caía em alguma emboscada?
umas vezes olhava pelo rabo do olho
outras fingia de morto e mijava-me

depois voltava-se ao acampamento
para a ternura dos cães e a tarimba rasa
um duche ao ar livre um cigarro infeliz
o gole de cerveja a atirar para o amargo

houve um fim de dia entre todos cinzento
que eu me senti o maior dos miseráveis
funesta ideia - e fui a correr esconder
a arma de serviço por sinal uma Walther

a esta hora já enterraram Vª Exª
com as competentes honras militares
mas a verdade é sempre para se dizer
trinta anos passados não me esqueço de nada


Fernando Assis Pacheco

MISSÃO EM HAPPY-COSMOS

Hoje, dia 2 de Outubro, chega às livrarias a minha última aventura literária feita, desta vez, de parceria com a minha amiga Luísa Beltrão.

Destina-se a jovens dos 14 anos em diante, embora estas divisões etárias sejam sempre muito pouco estanques. Enquanto escrevíamos pensávamos que o nosso leitor ideal teria 15 anos e estava no 10º ano.

Trata-se de uma aventura de 4 jovens que atravessam o tempo e o espaço numa viagem simbólica que os vai fazer confrontar-se com um universo aparentemente (mas só aparentemente) maravilhoso, onde a felicidade é obrigatória, a mmória é apagada e a imperfeição é eliminada.

Trata-se do primeiro de uma série de sete livros que constituirão em conjunto uma grande viagem iniciática destes quatro jovens que vão crescer confrontando-se com as grandes questões do Homem.




E o nosso romance começa assim:

- Uma árvore que fala? Que fala???? - O João Maria, a Emília e a Patanisca desataram a rir, cada um à sua maneira. Eram tão diferentes que até no riso tinham estilos próprios.
Furioso, o Vasco puxou o cabelo preto, muito liso e brilhante:
- Juro! É verdade! Aquela árvore falou comigo! – A voz tremia-lhe num soluço contido. Ele sabia que um homem não chora, mas ele não era um homem, apenas um rapazinho de doze anos a quem os amigos espetavam farpas em vez de ajudarem.
“O que é que eu faço agora?”

terça-feira, 30 de setembro de 2008

OS LIVROS



A avó

Tinha ao colo o gato velho
cansadamente passando
a sua branca mão pelo
pêlo dele preto e brando

Sentada ao pé da janela
olhando a rua ou sonhando-a
todo o passado passando
a passos lentos por ela

Dormiam ambos enquanto
a tarde se ia acabando
o gato dormindo por fora
a avó dormindo por dentro



Manuel António Pina

domingo, 28 de setembro de 2008

RILKEANA




Eines ist, die geliebte zu singen


Como cantar o amado?

Quem ama
fica cheio de não-saber
não pára de procurar

Entrevendo o fulgor do êxtase
percorre o rio de sangue
conhece os horrores da guerra íntima
toda vermelha e crua
fértil em rupturas
incessante nos ataques

Não
nenhum rosto materno sobre o nosso debruçado
nos consolaria
se houvesse esse rosto
essa ternura impossível de entender

Nada nos pode consolar
do excessivo peso do amor
que oprime como a noite
cheia de não-saber
como tudo o que é divino
e inventado

De facto
não amamos como as flores
totalmente simples na sua entrega
Quando amamos
deixamos de ser o que somos
transfigurados pelo desejo
que mata
destrói
violenta tudo

E perscrutando a noite
que a si própria se escava e aplaina
amando
fitamos a intermitência das estrelas
deslumbrados por um brilho extinto
que fere com lentidão sideral
o ermo íntimo do nosso coração

Inatingível sempre
e como tal desejado
o verdadeiro amado


Ana Hatherly

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

IMAGIAS





POEMA QUE SE DEVIA

Este poema devia ser para ti, devia
falar de carrosséis ou sinos (as palavras
que aqui me conduziram e me obrigaram
à angústia).
O ponto mais pretérito da angústia
devia estar neste poema, que seria
para ti.

Nele, eu embrulharia muitas coisas:
calendários indóceis, facturas por pagar,
livros deixados por ler à mesa da cabeceira,
anúncios recortados de nuvens
ou jornais.

Acrescentando também os carrosséis, os tais
de que falava acima, e os sinos
que todavia teimam em tocar a horas renitentes.
Tudo isto eu deveria dizer
Neste poema: ternuras por pensar e muitas dívidas
impensáveis e doces.

Usaria então breve vocabulário sempre igual,
as mesmas palavras que há anos têm sido
as minhas metáforas idênticas
em ponto mais pretérito de angústia.

Seria então um poema que se devia
a toda a gente, especialmente a ti,
um pequeno berlinde que eu nunca soube jogar,
porque, no tempo em que vivi, o que se usava
era canções de roda e bonecas
de tranças a fingir.

Escrito no ponto mais pretérito
da angústia,
aspiraria à linguagem mais simples
das coisas menos simples,
como facturas de vida,
contas de hospital – ou ainda um abat-.jour
de impossível partilha.

Pensando bem, com um perfil assim, este poema
nem devia ser um poema, mas um grito,
ou uma voz em branco,
escrito no pretérito mais que perfeito
de tudo, a sua angústia a concordar com tempo
e modo. E os sinos reticentes
em música de fundo.


Ana Luísa Amaral

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

NA ESTRANHA CASA DE UM OUTRO



POEMAS DO ELÉCTRICO
´
PARAGEM II

A cidade é imóvel e o eléctrico
avança alheio
pela preguiça amarela que o sustenta

Mas se chove,
cola-se-lhe o peso da cidade ao corpo
partilha velada de um movimento baço.

Idênticos a cidade e o eléctrico
no mesmo lento vagar molhado:

a água arrasta a calçada pelo carril
folhas e pombos pingam dos fios
e há sempre uma estátua ou outra
a escorrer no vidro


Rita Taborda Duarte