quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

1983 RTP

1983, RTP, concurso "Vamos caçar mentiras" do Zé Fialho Gouveia e do Raúl Solnado. O tema era a História de Portugal. Fizemos uma equipa muito especial: o Luís Gamito e o Júlio Gonçalves, médicos psiquiatras, e este que se assina, poeta e tudo o mais.

Divertimo-nos em grande. Discutimos à bruta. Gozámos que nem uns cabindas (não sei de onde vem esta frase mas se corresponde à verdade tenho muita inveja dos cabindas).

Fomos à final do concurso e ficámos em segundo lugar. Ganhámos um UMM que, antes de se tornar muito difícil de dividir em três, deu-nos para fazer uma viagem tresvariada e altamente festiva a Madrid.

O Júlio já cá não anda e faz-nos muita falta. Para pôr a máquina dos sonhos impossíveis a funcionar que era o que ele melhor sabia fazer.

VAMOS CAÇAR MENTIRAS


Luís Gamito, José Fanha, Júlio Gonçalves

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

ROMANCE INGÉNUO DE DUAS LINHAS PARALELAS

Duas linhas paralelas
muito paralelamente
iam passando entre estrelas
fazendo o que estava escrito:
caminhando eternamente
de infinito a infinito.

Seguiam-se passo a passo
exactas e sempre a par
pois só num ponto do espaço
que ninguém sabe onde é
se podiam encontrar
falar e tomar café.

Mas farta de andar sozinha
uma delas certo dia
voltou-se para a outra lina
sorriu-lhe e disse-lhe assim:
“Deixa lá a geometria
e anda aqui para o pé de mim...”

Diz-lhe a outra: “Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
Se quisermos lá chegar
temos de ir devagarinho
andando sempre a direito
cada qual no seu caminho!”

Não se dando por achada
fica na sua a primeira
e sorrindo amalandrada
pela calada, sem um grito
deita a mãozinha matreira
puxa para si o infinito.

E com ele ali à frente
as duas a murmurar
olharam-se docemente
e sem fazerem perguntas
puseram-se a namorar
seguiram as duas juntas.

Assim nestas poucas linhas
fica uma história banal
com linhas e entrelinhas
e uma moral convergente:
o infinito afinal
fica aqui ao pé da gente!


José Fanha

domingo, 20 de janeiro de 2008

"ZÊ ZANGADO"

Há pessoas que passam o tempo todo zangadas. Zê. Zangadas. Como fosse um burro. Zê. A zurrar.
Há pessoas assim. Ficam zangadas porque está calor ou porque faz frio, por causa do barulho ou por causa do silêncio. Zangadas até só por estarem zangadas.
O meu amigo Joaquim sabe zangar-se muito bem. Quando se zanga, toda a gente fica com medo. E ele, passados uns instantes, logo se esquece da zanga e se põe a assobiar.
Mas eu... Eu não tenho jeito nenhum para me zangar. Às vezes quero zangar-me com alguém. Às vezes nem sei com quem. Mas a zanga não me sai. Fica ali a ferver toda entaladinha cá dentro, não sei onde.
Não tenho mesmo jeito nenhum para me zangar. Só sei zangar-me para dentro e por isso fico sempre muito triste.

in "DIÁRIO INVENTADO DE UM MENINO JÁ CRESCIDO"

AS COISAS DE QUE EU ME LEMBRO

Às vezes vou visitar as coisas de que me lembro. Ainda não sou muito grande mas já sou capaz de me lembrar de muitas coisas. Umas coisas que aconteceram e outras que nunca aconteceram.
Lembro-me, por exemplo, de me pôr a engolir ar, engolir ar e, depois, começar a sentir-me leve e leve até levantar os pés do chão e ficar a flutuar pela sala da minha casa.
Lembro-me muito bem de andar assim suspenso junto ao tecto. Parecia um heli-pássaro. Uma mistura de passarinho e helicóptero. Ficava quase sem peso e andava a flutuar, a ver as coisas de cima, a ouvir as coisas lá em baixo.
Tudo parecia tranquilo e calmo. As pessoas entravam e saíam da sala e falavam com suavidade sem sequer repararem que eu andava por ali quase a bater no tecto.
A minha mãe era leve. Trazia os talheres, os guardanapos, os copos. O meu pai chegava. Sorria. Os dois sabiam ainda sorrir um ao outro e eu seguia daqui para ali como se uma brisa me empurrasse e de repente quase que dava uma cabeçada no candeeiro.
Lá em baixo havia uma grande arrumação e limpeza. A madeira dos móveis brilhava. A mesa estava posta para jantar e a luz da tarde adormecia por fora da janela e tudo ia ficando envolto numa penumbra morna e doce.
Lembro-me tão bem de como era bom andar a flutuar pela casa fora quando tudo em casa era uma grande paz... Que pena nunca ter acontecido...

in "DIÁRIO INVENTADO DE UM MENINO JÁ CRESCIDO"

DIÁRIO INVENTADO DE UM MENINO JÁ CRESCIDO


Tenho pena de só ter começado a escrever o meu diário dos 9 anos aos 45 ... Mas já vai crescendo o 2º volume. Qualquer dia dá à estampa.

sábado, 19 de janeiro de 2008

COMUNIDADES DE LEITORES

As Comunidades de Leitores são locais de partilha da leitura, de construção de sentido por leitores concretos e, por isso mesmo tornam-se num espaço de expressão da liberdade e possível heterodoxia, na medida em que não têm de se ater necessariamente a interpretações do texto sejam elas escolares, académicas ou outras.

ASPASIA

Descrita como uma das mais belas e cultas mulheres na Atenas Clássica, séc. V A.C., ASPÁCIA foi companheira de Péricles. O facto de nunca se terem casado e ainda o de ASPASIA exigir ser tratada como igual, causaram grande escândalo na época.

ASPASIA terá sido porventura a primeira organizadora de grupos de partilha de leitura entre mulheres.

S. JERÓNIMO


Patrono dos bibliotecários e dos tradutores, S. JERÓNIMO, séc. IV, tradutor da Bíblia do grego para latim e organizador de grupos de leitura e exegese dos textos segrados.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

O CULPADO (PABLO NERUDA)

O CULPADO

Declaro-me culpado de não ter
feito, com estas mãos que me deram,
uma vassoura.

Porque é que não fiz uma vassoura?

Porque é que me deram mãos?

Para que é que me serviram
se só vi o rumor do cereal,
se só tive ouvidos para o vento
e não apanhei a cerda
da vassoura
ainda verde na terra
e não pus a secar os talos tenros
e não os pude unir
num rosto dourado
e não juntei um cabo de madeira
à saia amarela
até dar uma vassoura aos caminhos?

Assim foi:
não sei como
a vida foi-se
sem que eu aprendesse, sem ver,
sem recolher e unir
os elementos.

Não nego nesta hora
que tive tempo,
tempo,
mas não tive mãos,
e assim, como podia
aspirar com razão à grandeza
se não fui capaz
de fazer
uma vassoura,
uma só,
uma?


PABLO NERUDA

(De, "LAS MANOS DEL DÍA", 1968, tradução José Fanha)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

OFICINA DE POESIA EL CORTE INGLÊS

Foto final da OFICINA DE POESIA promovida por EL CORTE INGLÊS de Lisboa, espaço caloroso de gente que se encontrou semanalmente ao fim da tarde ao longo de 3 meses para conviver em torno das portas que a poesia permite abrir.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

MARIA DO CÉU BRITO

Habituei-me há muitos anos a um comércio de poesia com gente dos Açores.

Começou pelo fascínio pelo verso e pela palavra de Vitorino Nemésio. Cheguei a ir às escondidas assistir a aulas dele no tempo em que frequentava a Escola Superior de Belas Artes para estudar e a Faculdade de Letras de Lisboa para namorar.

Passou pelo convívio com Natália Correia e a sua palavra cheia de pompa e ressonância.

Atravessou e atravessa muitos anos de amizade e companheirismo com o Carlos Alberto Moniz.

Pousa de tempo a tempo no convívio sempre intenso com o poeta e grande declamador Vasco Pereira da Costa.

Tropeçou nas noites de desconversa com o grande Emanuel Félix.

Aportou aos cruzamentos e descruzamentos com esse homem de coração tão grande como a incrível voz a que dá corpo que é o Zeca Medeiros.

Toca e foge nos encontros de corrida com a amizade do Gonçalo Oliveira e a forma muito própria e peculiar como diz poesia.

Chega finalmente à Maria do Céu Brito, poeta, actriz, professora de Filosofia e, agora vereadora da Cultura da Câmara Municipal do Faial. Amiga querida com quem vou trocando amiúde poesia e projectos do Faial para Lisboa e de Lisboa para o Faial.

Chegou-me há pouco este novo livro dela e do fotógrafo António Silveira que, cada à sua maneira, navegam à volta do Vulcão dos Capelinhos. É muito bonito.

Queridas bibliotecas: é uma boa compra.

CAPELINHOS


Fotografia de António Silveira publicada no livro "Vulcão Aberto"

"VULCÃO ABERTO"

À minha volta só existe o
tempo; uma constelação
de pedras vivas; a
pulsação da terra,
anterior a tudo,
para além
de tudo. O eco
antigo de
um espaço
habitado:
as casas
soterradas,
os muros
de pedra
ocultos, as
vozes humanas
a resvalar nos
rochedos, no chão
íngreme do Portodo
Comprido.

Maria do Céu Brito,

do livro "Vulcão Aberto" com fotografias de António Silveira

CAPELINHOS


Fotografia de António Silveira publicada no livro "Vulcão aberto"

domingo, 13 de janeiro de 2008

"O RESTO É SILÊNCIO" de Augusto Monterroso

“Como quase todas as coisas, a inteligência democratizou-se de tal forma que deixou de ser privilégio das classes pobres”

“As ideias que Cristo nos legou são tão boas que houve necessidade de criar toda a organização da Igreja para combatê-las.”

“Os anões têm uma espécie der sexto sentido que lhes permite reconhecerem-se á primeira vista.”

Aforismos e citações de Eduardo Torres, personagem um tanto delirante de

“O resto é silêncio”, de Augusto Monterroso, colecção Ovelha Negra, ed.Oficina do Livro

sábado, 12 de janeiro de 2008

VAGABUNDO DA LEITURA

Fazer balanços anuais de livros cheira sempre a serviço subalterno.

Mesmo sabendo isto, gostava de destacar os títulos dos livros que, vagabundo da leitura, mais me tocaram em 2007.

Não tem que ver com nenhuma forma de crítica opinista. Vade retro! Nem me interessa muito se são ou não livros publicados em 2007.

Foi neste ano que os li.

E aqui fica apenas o registo de momentos de emoção que gostava de partilhar.

LIVROS ADORADOS LIVROS

FICÇÃO

“A Prisão”, Jesús Zárate, ed. Oficina do Livro

“A neta do sr. Linh”, Phillippe Claudel, ed. ASA

“Contos de S. Petersburg”,Nikolai Gógol (Tradução magnífica de Nina Guerra e Filipe Guerra), Biblioteca Editores Independentes

“Almas Mortas”, Nikolai Gógol (Tradução magnífica de Nina Guerra e Filipe Guerra), ed. Assírio e Alvim

“O espelho que foge”, Giovani Papinni, Colecção Biblioteca de Babel, ed. Presença

“Hora Azul”, Alonso Cuedo, ed. Mercado das Letras

“Os fantasmas de Goya” de Jean Claude Carriére e Milos Forman

ENSAIO

“E como eram as ligas de Madame Bovary?”, Francisco Umbral, ed. Campo das Letras

“O silêncio dos livros” Georges Steiner, ed. Gradiva

POESIA

“Quando não souberes copia” Fernando Tordo, ed. Campo das Letras

“”Cidades idades divindades”, Mia Couto, ed. Caminho

“Dois corpos tombando na água!, Alice Vieira, ed. Caminho

“Auto-retrato”, João Melo, ed. Caminho

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

EÇA AGORA


Fotografgia de Luiz Carvalho e publiccada na revista Única do Expresso de 24.11.07

EÇA AGORA

Uma hérnia e um colar cervical ao pescoço deram-me uma passagem de 2007 para 2008 pouco recomendável. Fiquei com vontade de rever os companheiros com quem me aventurei a 3 livros, romances talvez, paródias por certo.

Divertimo-nos muito. Talvez esse espírito passe para quem os leia.

Escrever também pode ser uma aventura a várias mãos. Quando as mãos sabem bem entrelaçar os seus ofícios,

A última destas três aventuras foi o "Eça Agora". Uma visita aos descendentes dos Maias no Portugal que hoje continua a não ser tão diferente quanto gostaríamos dos tempos do Eça.

O jornal Expresso teve a gentileza de nos juntar e conversar connosco sobre esta aventura (Com a ausência da Rosa Lobato Faria que estava de perna partida). O registar o momento aqui relembro as fotografias do magnífico fotógrafo que é o Luiz de Carvalho, meu amigo e companheiro do curso de Arquitectura e de muito mais.

EÇA AGORA


Fotografia de Luiz Carvalho publicada ra revista Única do Expresso de 24.11.07

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

OS MAIS FRACOS

"... de todas as leis da natureza, a mais maravilhosa é talvez a da sobrevivência dos mais fracos."



Vladimir Nabokov (escritor e ensaísta) , no Prefácio a "Contos de Tchéhkov Volume I"

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

CARTAS AO MEU FILHO (3)

Meu querido filho,


Escrevo-te hoje para falar de uma coisa que estás farto de conhecer: a solidariedade. Mas nunca é demais falar sobre este tema e a verdade é que em escrever os recados que te quero dar também eu arrumo e questiono as minhas ideias.

Cresci num tempo em que os “Beatles” cantavam “All together now” e o Zeca dizia “Traz outro amigo também”. Estar juntos, fazer a festa juntos, contestar juntos, eram os valores do meu tempo de adolescência. Verificou-se depois que para muita gente essas palavras eram apenas palavras e a realidade, quando chegava, mostrava-se muito menos entusiasmante. Mas nem por isso deixaram de ser palavras bonitas e ideias generosas.

Pela força destas ideias e talvez também pela minha maneira de ser, nunca me preocupei em ter notas melhores que o parceiro do lado. Sempre quis saber mais. Apenas mais. Tornar-me melhor. E ajudar os parceiros do lado a serem também melhores.

Curiosamente, este “All together now” ou o “Traz outro amigo também”, privilegiando o colectivo, acabavam por potenciar o individual. Da mesma maneira que o individualismo exacerbado, quanto a mim, acaba por banalizar e massificar os comportamentos de todos e de cada um.

Sempre tive a vaidade e o orgulho de não ser copiável. Sempre agi acreditando que ninguém podia ocupar o meu lugar. E, por isso, nada fazia mais sentido do que ajudar os outros a encontrarem o seu próprio lugar.

Ao longo dos anos viste-me ou soubeste-me na solidariedade com várias lutas: contra as ditaduras da América Latina, pela Amnistia dos Presos Políticos, pela liberdade para o povo de Timor, contra o apartheid, o racismo e a xenofobia, pela conquista de condições de tratamento e dignidade para os doentes da SIDA ou os Deficientes Neuro-musculares, e outras lutas de que agora já nem me lembro.

Talvez em nenhum desses casos eu tivesse a pretensão de resolver alguma coisa numa só manifestação, num comício, num espectáculo, numa angariação de fundos. Mas acreditava que se trouxéssemos outro amigo também e se estivéssemos all together now, talvez se pudesse criar uma onda, uma voz colectiva, uma força de paz e tolerância absolutamente incontornável.

Não te venho dizer nada que seja novo para ti. Tenho a felicidade e o orgulho de saber que tu e muitos amigos teus comungam de ideias semelhantes, mesmo que os tempos e as modas não estejam para solidariedades.

Tu sabes que hoje a luta não é só pela solidariedade individual. É também pela criação de uma sociedade em cuja prática diária esteja inscrita a solidariedade como forma de ser e de respirar.

Mas atenção! Estamos tão longe disso... Toma cuidado. Vão tentar diminuir-te e chamar-te sonhador. Vão dizer que a solidariedade é uma coisa do passado. Que já não é necessária. Que se quiseres tratar da tua vidinha tens de te deixar de utopias. Que tens de ser ferozmente competitivo se queres atingir esse Eldorado moderno que é a palavra “sucesso”.

Gostava de te saber forte, de te ver a desconfiar da efemeridade das modas e a ter uma funda segurança na justeza das ideias e uma grande paixão pelas coisas da vida.

Só os mais fortes, os mais inteligentes, os que têm maior coração são capazes de dar a mão aos outros homens, de repartir com eles o pão e o vinho, e de criar as condições para que este nosso pobre mundo se salve das barbaridades que lhe têm feito. E salvar o mundo até talvez seja fácil. Talvez baste trazer outro amigo também e conseguir que estejamos all together now... and forever.