Foi na "Visita da Cornélia", Agosto de 77, que declamei pela primeira este poema que tem sido uma ponte calorosa com tanta, tanta gente.
EU SOU PORTUGUÊS AQUI
Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.
Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.
Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.
Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar de um marinheiro.
Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso
trago as mãos sujas do sangue
que empapa a terra que piso.
Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
no gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.
Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.
Nasci
aqui
ao pé do mar
de uma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.
Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.
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3 comentários:
Lembro-me bem. Andávamos então ocupados a construir futuros. Alguns teimosos ainda persistem em fazê-lo. De outro jeito e, por vezes, sem jeito nenhum.
Gostei de ver-te por aqui.
Foi um prazer encontrá-lo aqui! Um dia recebi-o na minha sala de aula em Queluz de Baixo...e valeu a pena!!!
Tudo é feito de mudanças e já não posso voltar a recebê-lo por lá...mas gostaria de o ver passar neste cantinho http://www.letrasehistorias.blogspot.com/...ou quem sabe por terras de Aveiro!
Um abraço
Manuela Figueiredo
Pois, mas por vezes torna-se difícil acreditar neste país. Mantém a chama, homem.
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