sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O MEU AMIGO PINTO

O meu amigo Pinto abriu em 1972 o seu estabelecimento de cabeleireiro de homens em Lisboa na cave do então chamado drugstore Apolo 70 e ainda lá está. Ganhou vários prémios nacionais e internacionais. E pode contar por amigos com a maior parte dos seus clientes.

E os seu clientes, alto lá com ele!, vão desde vários Presidentes da Répública, a muitos políticos de todas as cores, escritores, músicos, actores, gente da televisão, do cinema, médicos, professores universitários, eu sei lá que mais. O Pinto é uma figura fundamental da nossa Lisboa.

Eu cá já lá corto o cabelo desde finais dos anos 70. É verdade que, com esta mania do cabelo comprido, não lhe dou muito dinheiro a ganhar.

Mas é sempre um prazer sentar-me na sua cadeira de barbeiro e deixar correr a conversa, até porque bom barbeiro tem de ser bom conversador e o o meu amigo Pinto é mestre na arte da tesoura e na da palavra.



Um dia, o Pinto falou-me de um conhecido comum. Diabético como eu, mas com muito poucos cuidados com a doença. Estava em casa. Muito triste. Tinham-lhe cortado uma perna. O Pinto tinha lá ido cortar-lhe o cabelo. "É que eu, quando os clientes ficam doentes, faço questão de ir lá a casa tratar deles. E não levo dinheiro. Na minha casa levo. Mas na casa dos clientes, nem pensar!"

Ah! Grande Pinto, pensei eu! Mantém uma ética do ofício que hoje já está tão desaparecida.

Os ofícios praticamente também já desapareceram. E é pena. Cresci em Alcântara. Conheci vários artistas. Quer dizer, mestres de ofício. Gente que trabalhava com mestria a madeira, o ferro, a lata, a fresa, a tesoura, a plaina... Com a mão. E a mão trazia consigo a ética, os valores morais e os sociais. Lisboa foi até aos anos 60/70 uma cidade de ofícios.

Meses depois voltei à cadeira do Pinto e, relembrando a história comovente da forma como ele tinha ido tratar do cabelo ao meu amigo diabético, fiz-lhe um elogio cá dos meus porque merecia isso e muito mais.

Com o seu sorriso caloroso e humilde, o Pinto acrescentou que também, quando um cliente falecia, fazia questão de ser ele a ir fazer-lhe a última barba.

O que é que eu posso dizer mais? Ainda há gente como o PInto. E eu tenho muito orgulho de ser amigo dele.

4 comentários:

Licínia Quitério disse...

É refrescante ouvir histórias de gente como essa, neste tempo seco e duro.

Um beijo, Fanha.

zmsantos disse...

É tempo de poucos Pintos, mas de muitos "pintas"

Abraço.

Tiago Carvalho disse...

Que bom.

Teresa disse...

Depois de ler o seu belíssimo post,fiquei com pena que o salão do sr. Pinto não seja unisexo...

Beijinhos.