domingo, 25 de maio de 2014

AZUL

AZUL


(Sobre uma pintura de Pedro Chorão)


Falei, falo, falarei
de um tempo azul, um tempo transparente,
um tempo de traineiras cheias de alegria e prata.

Falei, falo, falarei
de um tempo de telhados preguiçosos,
um tempo obsessivamente azul
com a Primavera a pousar
no tímido suspiro das rosas
pela manhã.

Aprendo uma e outra vez
como é diferente o tempo azul em cada idade,
em cada inquietação,
em cada tempo.

Relembro
o carrossel de todos os azuis,
nos rasgões da herança sonâmbula
que os deuses deixam
a quem queira desvendar os caminhos obscuros
desta vida.

Relembro o primeiro azul na cicatriz polar,
o índigo com seu corpo de caju e peixe seco,
o azul dos meus 6 anos na ilha de todos os piratas,
o azul Neruda, Ilha Negra, Patagónia,
o altivo e frio azul
no rosto de porcelana
das dinastias chinesas.
E o triste, o negro azul
das plantações de algodão.
E o mentiroso azul argentino,
escondendo em si o tango que é vermelho,
feito de veludo ou vinho
ou sangue coalhado.

Cada azul acorda vestido de outras sedas.
Cada azul carrega seu navio, seu mar, seu sonho,
seu cardume de espigas e searas,
sua pequena azeitona no bolso do coração.

De todos os azuis que visitei
guardo no mais doce da lembrança
o azul dos rodapés das casas alentejanas,
o azul da digna respiração das casas alentejanas,
o azul com que as casas alentejanas
oferecem, em cada sombra, um mar inventado
à dolorosa secura do chão.


José Fanha

(DE "Marinheiro de outras luas", a publicar)


(Pintura de Pedro Chorão)

2 comentários:

Lídia Borges disse...


Azul, que é tão nosso!

Só ele poderia pintar, com esta luminosidade, um poema.

Lídia

Mar Arável disse...

Para lá dos azuis

Abraço