quinta-feira, 15 de maio de 2014

SERRA DA LUA


SERRA DA LUA


Sou exactamente como o vento
um homem que nascesse
do húmus do poema
ou de um ninho de pedras
e subisse até ao alto
sobre um chão de sombras e sussurros.

Sou um homem
que pára passo a passo em cada verde irmão
e toca o tronco de ciprestes e abetos
castanheiros
para ouvir nas suas verdes veias
o som da sílaba que voa
na breve respiração do mundo.

Serei um dia como eles
vegetal ou mineral
mas hoje sou um homem que caminha
com braços de vento
um homem a subir a Serra
com um saco onde recolhe silêncios e cristais
e o bater de asas das mais pequenas aves
e as gotas inquietas de uma luz envergonhada.

Sou um homem
que juntando tudo e nada
no ofício do olhar
vai traçando uma palavra e outra e outra
uma música redonda e circular
um delírio de águas
a descer para cima até ao alto
muito para lá das brumas
que vêm engolir telhados e janelas
e apagar castelos
palácios
e vaidades.´

Sou um homem
que depois de todo o chão
ainda sobe
através do ar puro e prateado.
Um homem
ou um vento feito de sonhos
de ossos
nervos
e de incertos passos.

Um homem
que vai para lá da Serra
e sobe até tocar
a lua branca
a grande mãe
a forja de todos os mistérios
que habitam o nosso sangue.

José Fanha

4 comentários:

Licínia Quitério disse...

Lindíssimo, Fanha. Um beijo.

Florinda C. Pacheco disse...

GOSTO!!! E, neste momento, muito especialmente do "juntando tudo e nada/no ofício do olhar/vai traçando uma palavra e outra e outra
uma música redonda e circular".

Um bjinho

Florinda C. Pacheco disse...

Não foi a Joaquina... foi a atual Diretora do Centro...

Mar Arável disse...

Um poeta de corpo inteiro