Dos 10 aos 17 anos cresci no Colégio Militar com algumas desvantagens e muitas vantagens.
Uma das desvantagens foi o cabelo sempre cortadinho rente. A farda era até um orgulho. Mas o cabelo... Uns milímetros apenas. Coisa que a partir dos 12/13 anos começou a incomodar-me a mim e a muitos dos meus companheiros.
É que lá fora começava a moda dos cabelos compridos. Beatles, Stones, Dylan, os hippies, os estudantes do Maio de Paris...
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(O poeta beat americano Allen Guinsberg)
Nós carequinhas e, nos outros países (França, Inglaterra, Irália, Alemanha, States), o pessoal todo feliz com o cabelo pelos ombros e flores no cabelo, e make love not war e... Tudo aquilo era uma grande festa do amor, da liberdade de irreverência, de revolta, de poesia, de pura e fantástica juventude.
Mal saí do Colégio e entrei para as Belas Artes para estudar arquitectura, o cabelo começou a despedir-se da tesoura do barbeiro e pocurei seguir o exemplo de vários dos cantores pop e rock da época.
O exemplo mais forte foi o de Léo Ferré, magnífico poeta, músico e cabeludo de grande gabarito. Vi-o no Coliseu em Lisboa mais tarde num espectáculo absolutamente excepcional nos anos 80 (84 talvez) e continua hoje a ser hoje para mim uma fonte de inspiração em város aspectos... E no cabelo.
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(O poeta, músico e cantor francês Léo Ferré)
Cabelo comprido sempre me pareceu que era uma expressão de fuga às convenções, de poesia, de rebeldia. Não esqueço nunca aquela fotografia do Che, ícon incontornável, a que ao olhar que atravessa o mundo carregado de melancolia se junta o cabelo solto a esvoaçar ao vento.
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Por isso, devo dizer que nunca gostei de ver gente de cabeça rapada (só abro a excepção para a lindíssima cabeça luzidia como uma bola de bilhar do meu amigo Luís Pedro Fonseca, que é no fundo um cabeludo ao contrário). De resto, a cabeça rapada ou com o cabelo muito curto, é-me desagradável, intimada-me de alguma forma, provoca-me desconfiança e afastamento.
Há poucos anos atrás, aqui em Portugal, a moda do cabelo muito rente generalizou-se numa geração que terá agora os seus trinta e tal anos. Um horror. Digo eu.
A minha amiga Bárbara, alemã e tradutora de muita literatura lusófona, numa visita a Liboa perguntou-me no seu português cantante: "José, porque é que os portugueses gostam tanto de parecer nazis?"
É claro que lhe expliquei que não era nada disso. Não tinha nada a ver com nazis nem com skin-heads. Era uma moda que, como quase todas as modas, fez tábua rasa de simbologias do passado e só pretendia dar expressão a um estilo bom para anunciar after-shaves e coisas assim por fora da alma.
Sei que a alma não vive no cabelo. Conheço gente linda de cabelo curto e verdadeiros estudores de cabelo comprido. Além disso já estou a ficar careca. O cabelo comprido não vai ficar assim para sempre. Mas a alma, essa, desconfio que não tem cura...