domingo, 3 de abril de 2011

ÂNGELO DE SOUSA



Foi um dos mais destacados artistas plásticos dos anos 60 e 70 e 80. Caminhou pelas experiências de vanguarda, pelo abstraccionismo, pela mais radical contemporaneidade.

Pertenceu ao famoso grupo dos "4 VINTES", com o Zé Rodrigues, o Jorge Pinheiro e o Armando Alves. Rasgaram convenções. Construíram a modernidade num país cinzento.

Cruzei-me com ele no Teatro Aberto na peça "TU E EU". Ele fez os cenários, eu a adaptação, a encenação era do João Lourenço e os actores o João Perry e o Miguel Guilherme. Guardo do Ângelo de Sousa o sentido de humor sempre pronto a disparar, a permanente inquietação e o talento invulgar.

Vai sair daqui a dias um livro meu que se chama "MARINHEIRO DE OUTRAS LUAS". Poemas paralelos à obra de muitos dos pintores da lusa modernidade. Entre eles, este, sobre uma tela, ou a partir de uma tela do Ângelo de Sousa.





TOTALMENTE COR-DE-LARANJA

(Sobre uma pintura de Ângelo Sousa)

Acordei cor-de-laranja
numa manhã de Dezembro.
Nem uma pequena estrela prateada
brilhava no meu peito.

Acordei totalmente cor-de-laranja
com a alma cúbica por dentro.

Sem sombras inquietas
nem fantasmas,
sem apetites lilases
nem disfunções a exigir
tratamento especial.

Acordei cor-de-laranja
num dia de sol frio
no início de Dezembro
pela manhã.

Não sei como explicar de outra maneira.

Era um dia igual aos outros.
No entanto
foi precisamente nesse dia
que me aconteceu
acordar cor-de-laranja.

Não cor-de-rosa ou malva
ou chartreuse
grasgroen
turkisblau
ocre foncée.

Não qualquer uma dessas cores
de que se veste o tédio
a angústia
a melancolia
a solidão.

Não.

Posso dizer
com toda a precisão
cirúrgica que
num dia do início de Dezembro
pela manhã
acordei cor-de-laranja.

Obviamente cor-de-laranja.

Rigorosamente cor-de-laranja.

Assumidamente cor-de-laranja.

E nada mais posso acrescentar
acerca desse pequeno
mas tão decisivo
acontecimento da minha vida.

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