domingo, 6 de maio de 2012


Ontem encontrei o meu amigo Mia Couto. Tinha acabado de comprar o seu último romance. Aproveitei para o inevitável abraço.

Já comecei a ler e, como sempre, a escrita do Mia envolve-me, diverte-me, emociona-me, acrescenta-me humanidade.

Mesmo quando fala de uma realidade terrível, quase insuportável, tudo o que ele escreve transpira um profundo respeito pelas pequenas coisinhas do mundo e da vida, um olhar doce e bondoso, um perfume de poesia.

Gosto desta escrita. Muito. Porque com ironia e bondade também se faz grande literatura.

E certa cantada literatura que navega na secura da razão, na negritude da alma humana, no beco sem saída da desumanidade, pode ser que seja grande mas não nos acrescenta nem nos acompanha nos passos complicados da vida.

Um dia eu e o Mia estávamos num almoço de várias pessoas. E surgiu a pergunta: "Se fôssemos animal que animal gostaríamos de ser?" Eu e ele fomos os únicos na larga mesa que queríamos ser elefantes. Talvez pela memória, talvez pela pacatez do animal.

Daí surgiu um poema que ás vezes, nas escolas, os meninos gostam de dizer. Coisa de brincar com palavras. Ou de deixar um abraço ao lado mais claro da vida.


Elefantemos portanto.

Deixemos esta precária pele
aprender outros saberes.

Deixemos
portantomente
o olhar do paquiderme
ensinar ao passarinho
as paisagens do deslumbre
das escritas mais antigas.

Permitamos que o vento sopre.
E que a pedra exista.
E que o sol dispare a sua fúria
Em todas as direcções.
E que a lua se entretenha
no seu jogo de brilhar.

Elefantemos portanto.

Ou,
melhor dizendo,
permitamos que um silêncio muito antigo
venha
carregado de silvos e sussurros
venha
conduzir-nos a palavra
pelas veredas impalpáveis
do mistério.




7 comentários:

Sílvia Mota Lopes disse...

Eu identifico-me mais com um Touro e uma leoa:)
Cumprimentos de Braga

Licínia Quitério disse...

A pele curtida pela vida e o olhar terno a ensinar o passarinho. Assim sois vós, Fanha e Mia.

JPN disse...

Gosto muito dos seus poemas. Desde um que me ficou na memória de paquiderme, " O Amor | O Desamor", que gosto muito dos seus textos. E tenho uma dúvida - tal como as parcerias que nos andam a tramar - público-privada a que nunca soube responder: Porque é que os verdadeiros poetas, mesmo quando sozinhos, tomam sempre café aos pares? abraço :)

Filoxera disse...

Também adoro a escrita do Mia Couto.
E tenho paixão por elefantes :-)
Um xi, amigo.

Lídia Borges disse...

Gosto muito da escrita de Mia Couto, da poesia e da prosa que sempre me deslumbra, como se cada palavra estivesse grávida de mil outras palavras.

A minha admiração aos dois queridos "elefantes".

L.B.

RC disse...

A minha próxima leitura nas férias.

Margarida Tomaz disse...

Tem graça! Sempre escolhi o elefante e a girafa como animais preferidos. São opostos em altura, mas ambos com aquele ar tão manso e educado! Não lhes façam mal e eles são a bondade personificada. Foi assim que sempre os vi.