terça-feira, 26 de abril de 2016

ABRIL NOS POETAS DE ABRIL: JOSÉ JORGE LETRIA

Comoveme-me muito este poema do meu muito querido amigo José Jorge Letria. É muito importante guardar a memórica fantástica dersses dias e contar vezes sem conta como foi viver ao vivo esses dias no centro do mais furacão da nossa vida.


O QUE AQUELA NOITE ME QUIS DAR


Eu não estava em casa nessa noite, filho,
nem podia estar. Estava nas ruas com os
[soldados
que rumavam às rádios e aos quartéis,
[engalanados
de sombra e de júbilo, a ver o que aquela
[noite
ia dar, o que a nossa liberdade prometia
[ser.
E tu, filho, tinhas a idade rumorejante
desse Abril embalado por uma canção do
[Zeca.
Como posso eu explicar-te tudo aquilo
que tu nasceste para aprender, para viver?
Eu estava aquartelado no meu silêncio
de pétalas, sílabas e marés, no meu dédalo
de vozes embriagadas pelo vento,
na coragem errante das pelejas da infância
e pouco ou nada sabia do mistério desse
[mês
capaz de transformar em assombro as
[nossas vidas.
Sim, sou eu neste retrato antigo,
a receber em festa os exilados, os que
[chegavam
com grinaldas de cantigas e a flor de uma
[ilusão
bordada a sangue e espuma no capote das
[nocturnas caminhadas.
Sim, sou eu a escrever a primeira
[reportagem
do primeiro de muitos dias em que o
[tempo
deixou de contar, em que os relógios
se tornaram corolas de paixão e riso
na lapela larga da alegria desta pátria.

Eu não estava em casa nessa noite, filho,
estava a afinar o coração pelo tom
das mais belas melodias que alguém pode
[aprender
para dar a quem ama a paz de um sono
sem tormento.

1 comentário:

Licínia Quitério disse...

É mesmo muito comovente.