terça-feira, 14 de julho de 2009
MUTIMATI BARNABÉ JOÃO (Moçambique)
MUTIMATI BARNABÉ JOÃO
"Mutimati é a voz individual que corporiza a voz colectiva.”, assim se escreve no frontispício de “EU, O POVO”. Segundo Nelson Saúte, a lenda dizia ter sido o livro encontrado como testamento de um guerrilheiro caído na frente do combate revolucionário. De facto, sabe-se que o autor é António Quadros ou João Pedro Grabato Dias, pintor e autor de poemas para algumas das canções de Zeca Afonso. No frontispício original dizia-se ainda que aquele livro era agora pertença de Moçambique e que o Povo moçambicano era os eu verdadeiro autor. Estamos de acordo com Neson Saúte ao afirmar que, por vezes, com o tempo, a lenda torna-se verosímil. Deixemo-la então, generosamente, cobrir a autoria destes poemas.
(Pintura de António Quadros)
As linguagens
Na cabeça de um homem há muitas línguas a falar
Falam com bocados umas das outras e estão unidas sem saber
Quando um homem pensa sozinho consigo mesmo
e quer tirar da cabeça uma produção útil para todos.
Por exemplo: Penso Rio. É matsi, é water, é água,
É quilos de litros a andar depressa
É uma música da água, é um desenho da água na cabeça.
Posso falar Rio: posso medir Rio; posso desenhar Rio.
Posso tirar o Rio da cama e pôr o rio acordado num papel
Que é um retrato parecido deste Rio mesmo este.
Isto que faz na cabeça de um homem tirar retrato são línguas
O Rio, a Árvore, o Animal, a Rocha, a Terra, o Sol, o Vento,
São as caras da Natureza que as minhas línguas estudam.
A escola Primária Colonial está mal.
A língua das palavras não chega para tudo
É preciso aprender uma língua dos números
É preciso aprender a língua dos desenhos
As três línguas juntas é que são a língua verdadeira do Homem
E de pois o Homem já fala à Natureza bem
E pode aprender dela tudo o que há-de ensinar.
Sigo a pista do cabrito: pegadas e capim partido. É desenho isso.
O excremento está fresco no Sol. Passou pouco. É cálculo aritmético.
Está ali. Não é cabrito. É cabrita. Falei com palavras.
Conheço que não sei pensar nada só numa língua.
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