quinta-feira, 30 de julho de 2009

ONDA



(Edição: Gatafunho - Ana paula Oliveira editora -, 2009)

A autora é a americana Suzy Lee. O livro recebeu o prémio do New York Times para o Melhor Livro Ilustrado para Crianças e a Medalha de Ouro dos ilustradores americanos.

Os desenhos são deliciosamente simples e de uma qualidade rara. Mostram-nos uma menina atrevida na praia a brincar com as ondas do mar. A história cabe-nos a nós inventá-la. e de cada vez podemos inventar uma história diferente. (Não é isto mesmo o encanto da leitura, a possibilidade de cada ler uma história diferente da de todos os outros leitores?)

Esta é uma magnífica proposta para a hora de deitar de meninos criativos, filhos de pais que os ajudam a voar.

E, já agora, atenção a esta editora e aos seus raros critérios de qualidade em tudo o que edita.

terça-feira, 28 de julho de 2009

VASSOURINHA



(Edição: Campo das Letras, 2001)

Nesta viagem pela literatura para crianças começo por um livro muito especial que fala sobre o 25 de Abril, ou melhor, sobre o autoritarismo de uma velha Senora que mandava numa pobre vassoura que um dia se libertou do seu jugo vil e arrogante.

Uma vassoura vassoura
no espaço por vassourar
enquanto a Dona Senhora:
- Não quero vê-la parar.

O autor é o meu muito querido amigo António Torrado. Um grande senhor da literatura para crianças. Os versos,numa toada de romance popular. As ilustrações são simplesmente do melhor que se tem feito em livros para crianças e o autor é o João Abel Manta, um grande pintor que tem vivido muito metido na sua concha e que pouco tem sido lembrado. Uma injustiça. E este livro prova a variedade e brilhantismo dos seus recursos plásticos.

Uma vassora vassoura
de palha triste cansada
enquanto a Dona Senhora:
- E seja mais despachada!

A "Vassourinha" esteve no top-ten das leituras à hora de dormir cá de casa. Para que idade? Às vezes é difícil dizê-lo. Os grandes livros não têm idade. Este pequeno grande livro a mim encanta-me. Acho que ainda estou em idade de o ler. Seguramente, os que têm entre 4 e 10 anos também adoram. E acaba assim:

Ficou a Dona Senhora
com o seu perfil insolente
sem a vassoura servil,
ficou a Dona Senhora,
de repente,num tormento,
muito inflamada, irritada
do pó que rodopiava
soprado por estranho vento.

E o que ela espirrava
e o que ela gritava:
- Fechem as janelas por dentro.

Mas já foi fora de tempo.

Que a vassourinha na rua
dançava nas mãos do vento
e num tal contentamento
que já ninguém a parava.

Perdera o medo para sempre.

domingo, 26 de julho de 2009

LITERATURA INFANTIL



(Ilustração de Gustave Doré)

Nos últimos anos tem começado a dar-se importância decisiva à literatura para crianças ou literatura infantil.

A leitura começou a ser uma preocupação prioritária de pais, professores, editores, autores, ilustradores e até de jornais e revistas onde vão aparecendo secções que abordam as novidades literárias neste campo.

O alargamento da Rede Pública de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares, o Plano Nacional de Leitura com todas as suas virtudes e defeitos, os encontros de contadores de histórias, são o meio onde o livro infantil encontra um chão seguro para chegar aos jovens leitores.

Têm saído a público livros de grande qualidade literária e plástica. Surgiram em Portugal alguns ilustradores de enorme qualidade e os escritores multiplicam-se.




(Ilustração de André Letria)


Não é fácil escolher entre a quantidade de ofertas das livrarias onde se mistura o melhor e o pior. E é bom que se diga que ao lado de obras notáveis encontramos livros deploráveis,ilustrações de péssimo gosto, traduções assustadoras, textos feitos em cima do joelho, obras pedagogicamente desadequadas.

Quando chega a hora de oferecer um livro a um menino, quem não está ligado a este mundo da leitura tem porventura muitas dificuldades na escolha.

Vou trazer para estas queridas bibliotecas alguns livros que encantam o menino que sou.

Não pretendo fazer crítica. Apenas chamar a atenção para livros de que gosto especialmente, que uso quando vou a escolas ou a bibliotecas e que sei que cumprem bem a sua função de abrir caminhos à leitura, ao maravilhoso, à poesia, ao crescimento saudável dos nossos meninos.



(Ilustração de Teresa Lima)

sexta-feira, 24 de julho de 2009

LA POESIA ES UN ARMA CARGADA DE FUTURO



Diz-se que voltamos sempre ao primeiro amor. Não sei. Crei que alguns voltam, outros não.

Mas, no que diz respeito às paixões culturais, musicais poéticas eu regresso com muita frequência àquelas que foram as que me transportaram para uma dimensão de rebedia e solidariedade que tem sempre marcado a minha vida.

Paco Ibañez. Ouço-o com a mesma emoção hoje com que o ouvia há 40 anos.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

ALDA ESPÍRITO SANTO (S. Tomé)


ALDA ESPÍRITO SANTO (1926)

PARA A TANIA


Nesta noite morna de luar africano
Salpicando de sombras as estradas
Eu estendo os meus braços sedentos
Para a nossa mãe África, gigante
E ergo para ti meu canto sem palavras
Suplicando bênção da terra
Para as vias dos teus caminhos
Para a rota do destino imenso
Traçado na inteireza de todo o teu ser
Para ti, a projecção das nossas estradas
Varridas da impureza dos dejectos inúteis
Para ti, o canto de glória da nossa
Mãe África dignificada.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

GERALDO BESSA VÍCTOR (Angola)


GERALDO BESSA VÍCTOR (1917-1990)

Ode à avó Capinha


Minha avó Capinha, minha avó Capinha,
hoje que morreste (que tristeza a minha!),
relembro as histórias que tu me contavas
em manhãs de chuva, nas noites de lua...
(E meu ser, magoado, perde-se, flutua
como o sonho errante das almas escravas).

Minha avó Capinha, sou eu que te peço,
conta-me o romance, conta-me o sucesso
dos teus dezoito anos (ai, onde eu estou!),
quando tu dançavas belas batucadas,
pelas noites quentes de febris queimadas,
na velha sanzala que se incendiou...

Minha avó Capinha, minha avó Capinha,
conta-me essa lenda daquela mocinha
negra, tão formosa, que numa manhã
engoliu um bago de feijão macunde
e ficou (que mágoa no meu ser se funde!)
para todo o sempre pequenina, anã.

Minha avó Capinha, hoje que morreste,
manda-me notícias da mansão celeste:
se também há ódios ou há só amor
(a descrença enorme do teu pobre neto!),
se há um Deus que é branco e outro Deus que é preto,
ou um Deus existe sem raça nem cor.

sábado, 18 de julho de 2009

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (Brasil)


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902-1987)


Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

ARMÉNIO VIEIRA (Cabo Verde)



ARMÉNIO VIEIRA (1941)

Quiproquó



Há uma torneira sempre a dar horas
há um relógio a pingar no lavabos
há um candelabro que morde na isca
há um descalabro de peixe no tecto

Há um boticário pronto para a guerra
há um soldado vendendo remédios
há um veneno (tão mau) que não mata
há um antídoto para o suicído de um poeta

Senhor, Senhor, que digo eu (?)
que ando vestido pelo avesso
e furto chapéu e roubo sapatos
e sigo descalço e vou descoberto.

O poeta recebeu o Prémio Camões 2009.

terça-feira, 14 de julho de 2009

MUTIMATI BARNABÉ JOÃO (Moçambique)




MUTIMATI BARNABÉ JOÃO

"Mutimati é a voz individual que corporiza a voz colectiva.”, assim se escreve no frontispício de “EU, O POVO”. Segundo Nelson Saúte, a lenda dizia ter sido o livro encontrado como testamento de um guerrilheiro caído na frente do combate revolucionário. De facto, sabe-se que o autor é António Quadros ou João Pedro Grabato Dias, pintor e autor de poemas para algumas das canções de Zeca Afonso. No frontispício original dizia-se ainda que aquele livro era agora pertença de Moçambique e que o Povo moçambicano era os eu verdadeiro autor. Estamos de acordo com Neson Saúte ao afirmar que, por vezes, com o tempo, a lenda torna-se verosímil. Deixemo-la então, generosamente, cobrir a autoria destes poemas.




(Pintura de António Quadros)


As linguagens

Na cabeça de um homem há muitas línguas a falar
Falam com bocados umas das outras e estão unidas sem saber
Quando um homem pensa sozinho consigo mesmo
e quer tirar da cabeça uma produção útil para todos.

Por exemplo: Penso Rio. É matsi, é water, é água,
É quilos de litros a andar depressa
É uma música da água, é um desenho da água na cabeça.
Posso falar Rio: posso medir Rio; posso desenhar Rio.
Posso tirar o Rio da cama e pôr o rio acordado num papel
Que é um retrato parecido deste Rio mesmo este.

Isto que faz na cabeça de um homem tirar retrato são línguas
O Rio, a Árvore, o Animal, a Rocha, a Terra, o Sol, o Vento,
São as caras da Natureza que as minhas línguas estudam.

A escola Primária Colonial está mal.
A língua das palavras não chega para tudo
É preciso aprender uma língua dos números
É preciso aprender a língua dos desenhos
As três línguas juntas é que são a língua verdadeira do Homem

E de pois o Homem já fala à Natureza bem
E pode aprender dela tudo o que há-de ensinar.

Sigo a pista do cabrito: pegadas e capim partido. É desenho isso.
O excremento está fresco no Sol. Passou pouco. É cálculo aritmético.

Está ali. Não é cabrito. É cabrita. Falei com palavras.
Conheço que não sei pensar nada só numa língua.

domingo, 12 de julho de 2009

JOSÉ CRAVEIRINHA (Moçambique)




JOSÉ CRAVEIRINHA (1922-2003)

Quero Ser Tambor


Tambor está velho de gritar
ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.


E nem flor nascida no mato do desespero.
Nem rio correndo para o mar do desespero.
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra.
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da .minha terra.

Eu!

Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala.
Só tambor velho de sangrar no batuque da minha terra.
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens
eu quero ser tambor.
E nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!

Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!


A poesia de JOSÉ CRAVEIRINHA é uma antiga e fortíssima paixão minha. Julgo que fui a primeira pessoa a dizer poesia sua na RTP, em 77, numa acidentada sessão de "A Visita da Cornélia" no Porto.

A sua poesia é particularmente comovente pela denúncia do racismo que, não oficializado, era oficiosamente praticado em Moçambique nos anos 50 e 60, com características em tudo semelhantes ao Apartheid daÀfrica do Sul.

Ao ler apontamentos da sua biografia dou com um velho artigo de jornal em que ele elogia "o rasgo de puro e desassombrado desportivismo» que representara, na época de 51/52, o «caso absolutamente ímpar» da «apresentação nas pistas de atletismo de alguns atletas negros puros envergando a tão susceptível, até aí, camisola do Sporting local" e lamenta a "infeliz lei que suprimiu dos campos de futebol a presença do negro quando não apresente o respectivo atestado de assimilação". Anos 50. É bom guardar memória.

Craveirinha recebeu o Prémio Camões 1991 que o consagrou como grande poeta da língua portuguesa, grande poeta da negritude e grande poeta do mundo,

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A MINISTRA




O meu amigo Miguel Real, magnífico escritor, acaba de publicar a novela "A Ministra". Ainda não li. Vou ler, gostosamente, por certo. Mas mesmo antes de o ler achei urgente dar notícia da sua publicação. E já agora, acrescentando a nota que o autor colocou no início do livro. Uma nota que ajuda a desfazer equívocos ou a confirmá-los, conforme o ponto de vista de cada leitor...

quarta-feira, 8 de julho de 2009

ALDA LARA (Angola)


ALDA LARA (1930-1962)

TESTAMENTO

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...

E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhamdo algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...

Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...

Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...


ALDA LARA vei muito nova veio para Lisboa onde concluiu o 7º ano do Liceu. Freqüentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, licenciando-se por esta última. Em Lisboa esteve ligada a algumas das atividades da Casa dos Estudantes do Império

Declamadora,chamou a atenção para os poetas africanos.

O poema publicado acima ouvi-o pela primeira vez na voz do meu querido amigo, jornalista, comentador de econimia e amante de poesia Nicolau Santos.

Gosto muito de dizer que se um homem das bandas da economia gosta de dizer poesia, talvez este mundo tenha uma pequena esperança de salvação...

segunda-feira, 6 de julho de 2009

MANOEL de BARROS (Brasil)



MANOEL DE BARROS (1916)


BORBOLETAS

Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens
e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta –
Seria, com certeza, um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras
do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças
do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do
que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que
os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do
ponto de vista de uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.


MANOEL DE BARROS é bacharel em direito viveu em Nova York e é actualmente criador de gado na zona do pantanal onde vive.

Poeta pouco conhecido até tarde, a sua obra "estoirou" a partir dos anos 80 e é hoje reconhecido como uma voz única e fundamental na poesia brasileira.

A sua poesia é doce, quase infantil e aparentemente ingénua, embora se pressinta nas suas descontruções de forma e sentido uma erudição funda mas cristalina e aberta ao diálogo com o leitor.

Foi para mim uma das mais belas descobertas poéticas dos últimos anos.

A publicação da sua obra em Portugal deve-se às Quasi edições.

POESIA EM PORTUGUÊS

A poesia em português não se esgota na poesia portuguesa. Cabo Verde, Angola, Moçambique, Brasil, toda a lusofonia respira também na maravilhosa voz dos poetas.

Vou trazer para aqui alguns poemas destas raízes transcontinentais que me têm acompanhado ao longo dos anos e outros com que só me cruzei mais recentemente.

São apenas pequenas portas abertas para que cada um entre por elas e descubra o ouro da grande poesia em língua portuguesa.

sábado, 4 de julho de 2009

ASSIM DEVIA SER O MUNDO



(pintura de Fernando Lanhas)


ASSIM DEVIA SER O MUNDO

(Sobre um desenho de Fernando Lanhas)


Assim devia ser o mundo:
claro e transparente
desenhado a régua e esquadro
em cores indiscutíveis
com a rectilínea precisão
do traçado
de um jardim francês.

Assim devia ser o homem:
claro e transparente
irmão do seu irmão
trabalhando a pedra da alegria
amassando noite fora o pão
ou roubando à terra a turfa do poema.

Assim devia ser o tempo:
claro e transparente.
uma tangente azul
à negritude
um edifício perfeito
construído apenas de água comovida
ou de cristal.

José Fanha (inédito do livro a publicar "Marinheiro de outras luas")

quinta-feira, 2 de julho de 2009

MULHER CÃO



(Pintura de Paula Rego da série "Mulher-cão")


MULHER CÃO

(Sobre uma pintura de Paula Rego)

Ela acendeu a brasa do fogão
anos e anos a fio.

Esfregou o soalho
lavou a roupa e os vidros da janela
costurou bainhas descosidas
e levou toalhas a cheirar a rosmaninho
à senhora do andar
de cima.

Vai ao quintal buscar hortelã para a canja
e adormece ao som das gargalhadas dos meninos
hoje já todos engenheiros
com a Graça do Senhor.

Agora está atada ao côncavo da terra
por atilhos grossos.

Ladra á lua
e tudo nela
é carne e sangue.

Morde a mão
e dança a valsa
sobre o chão confuso
de algum sonho diluído lá no longe
dos botões dourados
do maestro de um coreto
nos domingos e feriados.

Ela é grossa
e ladra á lua.
Sente o corpo a crepitar
e rasga o coração.

Entre sangues fala línguas
que nunca ninguém lhe ensinou.

Está atada
à sangrenta forja
das gramáticas lunares
e procura uma palavra
um nome mesmo que obscuro e
difícil de entender.

É uma mulher grossa
e no côncavo do corpo
fala línguas sem sentido.

Deixou secar os coentros
a salsa
e a hortelã.

Chama-se cão
e ladra à lua.

Vive atada
às chamas que a consomem.

José Fanha (inédito do livro a publicar "marinheiro de outras luas")