terça-feira, 17 de abril de 2012

BALADA DOS AFLITOS - MANUEL ALEGRE


Os teóricos adíliodependentes e defensores da literatura oblíqua e liofilizada ficam muito irritados, nervosos, cheios de urticária, quando vêem a poesia a descer à rua ou à "Praça da canção".

Muitos dos mais significativos poetas do séc. XX levaram a sua voz inssurrecta para a poesia. Porque a poesia fez parte da sua vida e o seu coração bate em consonância com o dos que não tem outra voz para falar. E essa será porventura a mais nobre função da literatura e da poesia.

Lembro, entre muitos outros, Jorge de Sena, José Gomes Ferreira, Sophia, Eugénio de Andrade, Manuel da Fonseca, Egito Gonçalves, Natália, Daniel Filipe, Fernando Assis Pacheco, David Mourão-Ferreira,Ary dos Santos, e os meus companheiros Joaquim Pessoa, José Jorge Letria.

Acaba de sair o livro de Manuel Alegre "NADA ESTÁ ESCRITO". Daí este poema que nos recorda a urgência da poesia no diálogo, neste caso, com a voz ou com a falta de voz dos aflitos que são hoje muitos dos portugueses.

BALADA DOS AFLITOS

Irmãos humanos tão desamparados
a luz que nos guiava já não guia
somos pessoas - dizeis - e não mercados
este por certo não é tempo de poesia
gostaria de vos dar outros recados
com pão e vinho e menos mais valia.

Irmãos meus que passais um mau bocado
e não tendes sequer a fantasia
de sonhar outro tempo e outro lado
como António digo adeus a Alexandria
desconcerto do mundo tão mudado
tão diferente daquilo que se queria.

Talvez Deus esteja a ser crucificado
neste reino onde tudo se avalia
irmãos meus sem valor acrescentado
rogai por nós Senhora da Agonia
irmãos meus a quem tudo é recusado
talvez o poema traga um novo dia.

Rogai por nós Senhora dos Aflitos
em cada dia em terra naufragados
mão invisível nos tem aqui proscritos
em nós mesmos perdidos e cercados
venham por nós os versos nunca escritos
irmãos humanos que não sois mercados.

2 comentários:

Maria disse...

A Poesia faz-me falta todos os dias!!!

Beijo.

xn disse...

Um poema é sempre "um novo dia"!
Bem haja!