terça-feira, 30 de junho de 2009

LÍNGUA



(pintura de João Vieira)


LÍNGUA

(Sobre uma pintura de João Vieira)

Em que língua de barro falarei às uvas
e às calandras
nas manhãs de Primavera?

Em que língua de líquen falarei à pedra?

Em que música
que cor
que pigmento
darei nome ao coração sempre à beira
de tocar uma outra transparência?

Em que luz
que lua
que evidência
falarei dos recônditos mistérios
que nos chegam
cavalgando brumas seculares?

Em que silêncio de neve
ou discurso de giesta
falarei do meu amor
quando o seu sorriso adormecer
e todas as palavras se tornarem
em pegadas apagadas pelo vento?

José Fanha (inédito do livro a publicar: "Marinheiro de outras luas")

terça-feira, 23 de junho de 2009

A FORÇA DAS CANÇÕES




Andei à procura de uma foto dele. Uma mão amiga fez-ma chegar. Era o António Macedo. Quem se lembra? Fomos companheiros de sonhos e palcos, de noites e protestos, do gosto pela poesia e pela canção. Já se foi há uns tempos. Cantava ele e nós com ele:

"Canta canta amigo canta
vem cantar a nossa canção
tu sozinhos não és nada
juntos temos o mundo na mão"

E nós acreditávamos mesmo que cantando tínhamos o mundo na mão. Quem é que ainda acredita?

Eu cá, de vez em quando acredito. Mesmo que nada pareça confirmar essa certeza, acredito. Nos braços da canção, todos juntos... Ou mesmo que não estejam todos... Acredito. E repito:

"Canta canta amigo canta..."

domingo, 21 de junho de 2009

ESCOLA SECUNDÁRIA DE TONDELA



Visita à Biblioteca escolar da Escola Secundária de Tondela. Mis uma vez encontro o empenho notável de quem trabalha nas Bibliotecas Escolares. O país vai mudando por dentro e em silêncio. A leitura é, sem dúvida, um motor notável de transformação.

A propósito, vale a pena visitar o notável blog da Biblioteca que eu julgo que é obra do trabalho tranquilo e apaixonado do professor David Duarte.

http://www.a-vida-secreta-das-palavras.blogspot.com/.

sábado, 20 de junho de 2009

OQUESTRADA



Vi-os tocar há uns 3 ou 4 anos na LERDEVAGAR no Bairro Alto. E fiquei encantado.

O disco é bastante iconoclasta, muito divertido, muito enérgico e representa um caminho muito próprio dentro da música portuguesa.

Tocam a 200 à hora. Divertem-se e divertem-nos. Misturam tudo, estilos, géneros, línguas... Bebem no fado, na música caboverdeana, onde calha. Sente-se neles óbvia influência da música dos filmes de Kusturica.

Na sua atitude sentem-se pontos comuns com Manu Chao, sobretudo no desejo de fazer a ponte entre o local e o mundo e de assumir a mistura como atitude estética que, aliás, está presente, neste momento, em muitas das manifestações culturais de vanguarda e que consiste na exploração de uma linguagem resultante da mais abrangente vivência da alteridade.

E dá para dançar, ainda por cima!


sexta-feira, 19 de junho de 2009

TORTOSENDO



Outra escola magnífica onde a professora Edite Leitão (entre outros professores) desenvolve um trabalho notável na promoção da leitura e do livro.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

S. PEDRO DO SUL



Numa noite muito especial na "ILHA DAS LETRAS" de S. Pedro do Sul, uma invenção muito feliz do Rogério Duarte onde se realizam conversas e desconversas e se soltam poemas ao ar no meio de dois rios entre os pavilhões da feira do Livro.

As fotografias são simplesmente do António Homem Cardoso. Um mestre da fotografia. Um imenso amigo que é natural de S. Pedro don Sul e que mora ali a dois passos numa casa belíssimamente recuperada mesmo à beira rio.


segunda-feira, 15 de junho de 2009

MÁRIO VIEGAS



Fomos amigos e companheiros em palcos bem como em lutas políticas e culturais. Trabalhámos juntos no "Baal" de Brecht e noutras peças de teatro.

Divertia-me muito com alguma da sua iconoclastia. Aprendi muito a ouvi-lo dizer poesia e honro-me de me crer devedor de uma linha de dezedores de poesia que vem de João Vilaret e passa pelo Zé Carlos Ary dos Santos, pela Céu Guerra e pelo Mário, entre vários outros.

Que saudade e que falta que o Mário faz para pôr um bocadinho a nu este país tão abandalhadito...

Aqui, a dizer dois textos de Mário Henrique Leiria ("Contos do Gin Tónico")

domingo, 14 de junho de 2009

LOURIÇAL



Na EB1 do Louriçal, em Pombal, fui recebido de forma muito invulgar. O jardim da frente da escola estava transformado na recriação de uma das minhas histórias ("O dia em que a mata ardeu"). Foi simplesmente comovente. Mas o mais importante é encontrar pelo país fora um número muito significativo de escolas em que, apesar dos muitos entraves que lhes são criados e da burocracia absurda em que vivem atafulhados, os professores conseguem fazer um trabalho de muita dedicação e empenho no que toca à promoção do livro e da leitura.

Tenho orgulho em ser companheiro nesta guerra boa que se trava em silêncio e cujos resultados mais seguros havemos de ver dentro de alguns anos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

domingo, 7 de junho de 2009

LER OU ANALISAR: EIS A QUESTÃO

Ler é um grande mergulho no mar sem fundo do pensamento, dos afectos, das emoções.

Ler leva-nos para além das circunstâncias. Na leitura nós encontramo-nos connosco próprios. Experimentamo-nos. Questionamo-nos. E conhecemos o outro. Os outros. E experimentamos o espaço e o tempo da diferença. E crescemos nesse fantástico universo das palavras.

Ler é uma aventura que está muito para além do espartilhamento em que os textos são submetidos em nome da necessidade de cumprir os programas por quem não sabe cumprir senão a casca do programa e fica muito aquém do fundamental.

A propósito, algumas palavras do professor e psicanalista Pierre Bayard que tem uma extensa bibliografia sobre a leitura e é, nomeadamente, autor do ensaio notável "Como falar dos livros que não lemos?"



“Existe um exercício catastrófico que consiste em resumir o livro de maneira muito precisa e responder de forma também muito precisa a questões como: qual é o nome e o apelido de todos os personagens, qual é a cidade onde vive o herói, etc. Para muitos este procedimento pode poarecer como uma espécie de registo científico, mas o verdadeiro leitor não funciona desta maneira.”

Pierre Bayard. Magazine Littéraire, Junho 2009

Esta citação faz parte de uma extraordinária conversa tida em público por Pierre Bayard e Umberto Eco em Nova York. A conversa integral pode ser vista em:

http://fora.tv/2007/11/17/Bayard_and_Eco_How_to_Talk_About_Books_You_Havent_Read

sábado, 6 de junho de 2009

PRÉFACE

Porque não será fácil entender todo o texto, dada a intensidade com que Ferré o atira, aqui vai por escrito para poder ser lido calmamente.

Há muitos anos que este Préface é para mim uma referência fundamental.

A poesia encerrada nas instituições oficiais e nas outras menos oficiais estiola e perde a alma.



PRÉFACE


La poésie contemporaine ne chante plus… Elle rampe
Elle a cependant le privilège de la distinction… elle ne fréquente pas les mots mal fameés… elle les ignore
On ne prend les mots qu'avec des gants: à "menstruel" on préfère "périodique", et l'on va répétant qu'il est des termes médicaux qui ne doivent pas sortir des laboratoires ou du Codex.
Le snobisme scolaire qui consiste, en poésie, à n'employer que certains mots déterminés, à la priver de certains autres, qu'ils soient techniques, médicaux, populaires ou argotiques, me fait penser au prestige du rince-doigts et du baisemain
Ce n'est pas le rince-doigts qui fait les mains propres ni le baisemain qui fait la tendresse
Ce n'est pas le mot qui fait la poésie, c'est la poésie qui illustre le mot.
Les écrivains qui ont recours à leurs doigts pour savoir s'ils ont leur compte de pieds, ne sont pas des poètes, ce sont des dactylographes
Le poète d'aujourd'hui doit appartenir à une caste
à un parti
ou au Tout-Paris
Le poète qui ne se soumet pas est un homme mutilé
La poésie est une clameur. Elle doit être entendue comme la musique. Toute poésie destinée à n'être que lue et enfermée dans sa typographie n'est pas finie. Elle ne prend son sexe qu'avec la corde vocale tout comme le violon prend le sien avec l'archet qui le touche
L'embrigadement est un signe des temps. De notre temps
Les hommes qui pensent en rond ont les idées courbes
Les sociétés littéraires sont encore la Société
La pensée mise en commun est une pensée commune
Mozart est mort seul, accompagné à la fosse commune par un chien et des fantômes
Renoir avait les doigts crochus de rhumatismes
Ravel avait une tumeur qui lui suça d'un coup toute sa musique
Beethoven était sourd
Il fallut quêter pour enterrer Bela Bartok
Rutebeuf avait faim
Villon volait pour manger
Tout le monde s'en fout
L'Art n'est pas un bureau d'anthropométrie
La Lumière ne se fait que sur les tombes
Nous vivons une époque épique et nous n'avons plus rien d'épique
La musique se vend comme le savon à barbe
Pour que le désespoir même se vende il ne reste qu'à en trouver la formule.
Tout est prêt: les capitaux
La publicité
La clientèle.
Qui donc inventera le désespoir?
Avec nos avions qui dament le pion au soleil. Avec nos magnétophones qui se souviennent de " ces voix qui se sont tues ", avec nos âmes en rade au milieu des rues, nous sommes au bord du vide, ficelés dans nos paquets de viande, à regarder passer les révolutions
N'oubliez jamais que ce qu'il y a d'encombrant dans la Morale, c'est que c'est toujours la Morale des autres.
Les plus beaux chants sont les chants de revendications
Le vers doit faire l'amour dans la tête des populations

A L'ECOLE DE LA POESIE ET DE LA MUSIQUE ON N'APPREND PAS

ON SE BAT!


Léo Ferré

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O SEXO DA POESIA


“Toda a poesia que apenas se destina a ser lida e fechada nos seus caracteres é uma poesia incompleta. Só as cordas vocais lhe dão o sexo, como o arco do violino, tocando-lhe.”

“Prefácio”, Léo Ferré

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A AMABILIDADE


“Nunca compreendi a luta senão como um meio de acabar com ela. Nunca aceitei o rigor senão como um meio para deixar de existir o rigor. Tomei um caminho porque creio que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. Luto pela bondade ubíqua, extensa, inexaurível.”

“Confesso que vivi”, Pablo Neruda