Uma escola muito especial, cheia de alegria, com uma biblioteca daquelas (e já são muitas pelo país fora) onde apetece estar e onde nos perdemos a conhecer as muitas actividades de grande qualidade que aí têm lugar.
Aqui fica a memória de passagens por mais algumas escolas e da forma calorosa como sempre tenho sido recebido. A todos, professores, alunos, empregados, muito obrigado. E um muito especial abraço de amizade áos que trabalham nas Bibliotecas Escolares porque estão a semear as mais belas sementes do futuro dos nossos meninos.
Às vezes tenho saudades da simplicidade que vai direita ao coração. Um poema, uma voz, uma viola. E uma grande vontade de olhar o mundo do lado do avesso.
(Vinícius e Maria Betânia)
A casa
Era uma casa Muito engraçada Não tinha teto Não tinha nada Ninguém podia Entrar nela não Porque na casa Não tinha chão Ninguém podia Dormir na rede Porque a casa Não tinha parede Ninguém podia Fazer pipi Porque penico Não tinha ali Mas era feita Com muito esmero Na Rua dos Bobos Número Zero.
PARECE-ME QUE A LETRA DESTA CANÇÃO TEM ALGUMA COISA A VER
COM O QUE MUITOS PROFESSORES SENTEM POR ESTES DIAS
"Look What They've Done To My Song, Ma"
MELANIE SAFKA
Look what they've done to my song, ma Look what they've done to my song Well it's the only thing that I could do half right And it's turning out all wrong, ma Look what they've done to my song.
Look what they've done to my brain, ma Look what they've done to my brain Well they picked it like a chicken bone And I think I'm half insane, ma Look what they've done to my song.
I wish I could find a good book to live in Wish I could find a good book Will if I cold find a real good book I'd never have to come out and look Look what they've done to my song.
It'll be all right ma, maybe it'll be okay Well if the people are buying tears I'll be rich someday, ma Look what they've done to my song.
Ils ont change ma chanson ma Ils ont change ma chanson C'est la seule chose que je peuz faire Et ce n'est pas bon ma Ils ont change ma chanson.
Look what they've done to my song, ma Look what they've done to my song Well they tied it up in a plastic bag and they turned it upside down Look what they've done to my song, ma.
Look what they've done to my song, ma Look what they've done to my song It's the only thing I could do all right and they turned it upside down Look what they've done to my song, ma.
A minha amiga Lícinia vai no seu segundo livro de poesia. E não só. Nos últimos anos fez da poesia uma forma de existir, de resistir, de viver solidariamente. Declama muito bem e faz declamar. Junta amigos em torno da poesia. Faz a sua pequena Sierra Maestra em torno das palavras. Tem um blog que vale a pena visitar muitas vezes, O SÍTIO DO POEMA e outro (inconfidência autorizada) que é um mimo de graça e irreverância: a DONA TELA.
A Licínia publicou mais um livro. Foi uma festa em Mafra.O auditório da Biblioteca Municipal estava a transbordar. Veio gente de vários sítios do país. Gente que tece fios de amizade através dos blogs, dos poemas, dos comentários.
A introdução ao livro é da, também mafrense e também minha amiga e companheira, Hélia Correia. E acaba assim:
"Se, como diz Amos Oz, só a imaginação pode salvar o mundo, um livro de poemas como este ajuda um pouco a essa salvação."
O livro não está à venda. Ou melhor. Só autora é que o vende. Mas vale a pena.
BEIRA-MAR
Os olhos das mulheres cavalgam as praias desertas e a acalmia das ondas
Ficam verdes os olhos das mulheres no seu afã de adivinhar os peixes
Águas-marinhas crescem-lhes nos dedos longos longos
Há estrelas-do-mar a rematar as tranças de meninas que chegaram do longe longe
Debruçam-se serenas sobre a caligrafia andarilha das gaivotas a ler histórias que os netos lhes contaram
Antes que a tarde as envelheça acendem nas areias fogos altos e pintam as cores do sol poente e cantam líquidas melopeias e cantam e cantam as mulheres da beira-mar
“Sabemos agora que não é necessário que os átomos tenham um objectivo.”
Umberto Eco, “A linha e o labirinto”
Vou fazer um labirinto no outro lado da lua.
Com palavras ou pedras ou nuvens ou fios de lã.
Tenho de fazer um labirinto para lá da esquina do vento.
Um labirinto entre o céu e a terra onde alguém tropece no cheiro quente das castanhas em Outubro.
É urgente construir um labirinto em Outubro ou em Fevereiro.
Um labirinto onde a lua em cada noite se tinja de um vermelho escandaloso.
Tenho de inventar a geometria sem fuga nem distância.
Tenho de fazer acontecer um labirinto.
E soltar o touro essencial.
E acender o olho do falcão.
E rasgar a carne até ouvir na cor do sangue a flauta de Mozart.
Tenho de inventar um labirinto, o lugar onde venha, porventura, a encontrar-me um dia com todos os que amo, filhos ou amigos, pássaros felizes sobre o mar.
José Fanha (do livro inédito "Marinheiro de outras luas")
Há muito quem pense que a letra da excelente canção "Xácara das bruxas dançando" dos Trovante é de João Gil ou de Luís Represas. Há pouco passei por um blog que atribuía a um dos dois a autoria do poema que foi escrito, de facto, pelo poeta e romancista Carlos de Oliveira. Assinale-se ainda que o poema é composto por 4 partes e a canção só usa a 3ª parte. Porque é um poema muito especial, de um grande autor, porque os Trovante foram um grupo notável que de alguma forma se prolonga nas obras excelentes dos que o constituíram e que, obviamente, não precisam de autorias indevidas, aqui fica devolvido o seu a seu dono
XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO
I
Era outrora um conde que fez um país, com sangue de moiro, com laranjas de oiro, como a sorte quis.
Há bruxas que dançam quando a noite dança, são unhas de nojo são bicos de tojo, no tambor da esperança.
Ventos sem destino que dizeis às ramas? Desgraça bramindo é a nós que chamas.
No país que outrora um conde teceu, as laranjas de oiro são bruxas de agoiro e fúrias do céu.
Anda o sol de costas e as bruxas dançando e os ventos do norte sobre nós espalhando as tranças de morte.
As estrelas mortas apagam-se aos molhos: vem, lume perdido, florir-nos nos olhos.
II
Ama, estás ouvindo a história que vou contando? Ó ama pátria dormindo desde quando?
Desde tempos e memórias, desde lágrimas e histórias, desde raivas e glórias, agora te estou chorando e tu dormindo até quando?
As bruxas andam lá fora e eu chorando versos do país de outrora.
Dançam bruxas a ganir de mãos dadas com o vento. Ama, acorda; sopra o lume; e não me deixes dormir na noite do pensamento.
III Ó castelos moiros, armas e tesoiros quem vos escondeu? Ó laranjas de oiro, que ventos de agoiro vos apodreceu?
Há choros, ganidos, à luz da caverna onde as bruxas moram, onde as bruxas dançam quando os mochos amam e as pedras choram
Caravelas, caravelas mortas sob as estrelas como candeias sem luz E os padres da inquisição fazendo dos vossos mastros os braços da nossa cruz
As bruxas dançam de roda entre o visco dos morcegos, dançam de roda raspando as unhas podres de tojo na noite morta do povo como num tambor de rojo.
IV
E o tempo murchando a luz de idos loiros. Ama, até quando estaremos chorando os castelos moiros?
Lá vão naus da Índia, lá se vão tesoiros. E as bruxas dançando e os ventos secando as laranjas de oiro.
Ama até quando?
Na noite das bruxas o lume no fim e o vento ganindo.
Amas estás ouvindo?
O lume no fim e os homens dispersos.
Ama, tens frio; cinge-te a mim e aquece-te ao lume queimando os meus versos.
Sou um homem de muito silêncios e raras obediências, inesperadas paixões programadas, alguns medos, optimismos inúteis e, principalmente, uma vasta e apaziguadora preguiça. O meu coração está preso desde uma terra distante a uma só mulher, excepto nos interlúdios. Escrevo cada vez mais desesperadamente. Às vezes tenho pensamentos incestuosos. Se não fossem as consequências, juro que cometeria um pequeno crime. A vida trespassa-me como uma faca, mas não consigo agarrá-la.
Nos idos de 69/70 eu ia de vez em quando a casa do meu amigo e colega de arqutitectura, Luís Mateus.
O pai, o engº Tomás Mateus do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, conhecido pelo Tomás das madeiras, era um especialista mundial em resitência de madeiras. Mas era também pintor. Chegava a casa e passava o fim da tarde a pintar. Nao podia fumar e a mulher sentava-se suavemente ao lado e fumava, dando-lhe de vez em quando uma passa.
Os filhos, o Zé, que se formou em arqueologia, o João e o Luís, ambos arquitectos, todos três tocavam música antiga e interessavam-se pelas coisas mais oblíquas e menos óbvias para jovens entre os 15 e os 20 anos. Literatura, música antiga, História de igrejas e conventos, geometria descritiva... Sei lá.
Só sei que ficava fascinado. Eles era para mim a imagem da paz familiar que eu nunca conhecera.
Moravam em Alvalade. Julgo que no mesmo prédio morava o Miguel Serras Pereira, o excecional tradutor (e poeta bissexto) que não revejo há anos e que me tem proporcionado muitas horas de leitura de alta qualidade.
Perto, morava o poeta José Gomes Ferreira que passava com a sua cabeleira branca aos 4 ventos e o olhar a navegar sabe-se lá por que distâncias.
Eu e o Luís Mateus temo-nos visto por aí, entre Lisboa e Braga. Telefonamo-nos, partilhando muitas memórias, paixões e cumplicidades.
O João já não o via há muitos muitos anos. Encontrei-o e fiquei fascinado. Arquitecto, continua a tocar música antiga, constrói instrumentos de madeira, desenha, pinta, sei lá que mais.
Pediu-me para ir visitá-lo ao seu site. Demorei uns quantos dias porque os dias andam complicadas e eu só queria lá ir com tempo para demorar.
Finalmente fui e fiquei espantado. Já não se faz gente assim. Ou faz?
Se calhar faz. Mas de cada vez que encontramos alguém que anda pelo mundo com esta vitalidade, esta variedade, esta força, ficamos acrescentados e com a certeza de que viver pode ser um moinho muito disponível para que o vento da vida não o deixe descansar.
O endereço do João onde estão os óleos, os desenhos, o pastel, a arquitectura, é este:
Ninguém sabe os contratempos que um Pai Natal sofre para levar a tempo e horas todas as prendas que as crianças irão receber, mal abrirem um olhito na manhã de cada dia 25 de Dezembro!
As vésperas de Natal são uma canseira, uma lufa-lufa, um desassossego.
Eu, que fui Pai Natal durante vários anos, posso garantir-vos que, quando chega Dezembro, todos os Pais Natais andam de um lado para o outro com o coração nas mãos.
É a rena Rudolfo que se constipa a sério e ficamos aflitos para arranjar outra que vá puxar o trenó! É o patim do trenó que começa a mancar e já não nos lembramos onde é que pusemos o outro patim sobressalente. São as prendas que não chegam a tempo e lá temos nós que inventar outros presentes à pressa, e é por isso mesmo que, às vezes, um menino pede uma bicicleta e recebe umas pantufas, pede uma roupa de astronauta e recebe uns patins para andar no gelo ou, pior ainda, pede um carro de bombeiros e recebe uma boneca espanhola!
Os percalços são imensos. Mas o encanto de ver os meninos aos saltos de alegria quando abrem as suas prendas ultrapassa tudo!
Se calhar querem saber como é que eu me tornei Pai Natal… Eu conto."
É assim que começa esta história acabadinha de sair e que é meio verdadeira e meio inventada, como quase todas as histórias. E ainda bem que é assim porque todas as histórias, mesmo as mais fantásticas e mirabolantes, servem-nos sempre para compreendermos melhor a vida que vivemos e para a v ivermos com mais paz e alegria.
Quem quiser saber como é que eu me tornei Pai Natal e acabei por ter um grande problema devido aos sapatos, terá de ler a história até ao fim com a ajuda dos divertidos desenhos da Sandra Serra que muito ajudam a visualisar as várias trapalhadas que vivi enquanto fui Pai Natal.
Wislawa Szymborska é uma poeta polaca, nascida em 1923 e Prémio Nobel em 1996.
Traduzir poesia é uma arte. Às vezes as traduções soam bem. Outras vezes nem por isso. A tradução, no sentido estrito da palavra, pode ser correcta em ambos os casos. Mas não basta ser correcta. É necessário encontrar na nova língua uma música que nos remeta para a música original e nos dê consolo e equilibrio na natureza da língua de chegada.
Descobrir poetas de línguas distantes é difícil e depende muito da qualidade das traduções.
A tradução deste livro de Elzibieta e Sérgio Neves parece-me magnífica. Já tinha lido outros poemas da autora em espanhol, francês e inglês. Este livro é precioso. Pela notáv el poesia e pela sua tradução.
Qualquer coisa lhes serve de argumento ou de comboio para partirem através de turbulências ou banquetes coloridos.
Qualquer coisa os amotina: um sussurro de água, uma lâmina de vento, um madeiro enegrecido que recorda o teatro de uma vida ardendo.
Qualquer coisa violeta ou ambarina os leva ao centro das cabeças descentradas.
Qualquer coisa cor de terra ou mel os faz descarrilar.
Qualquer promessa de lua os faz sair a voar ao fim da tarde: um rasto antigo de números de music-hall, um cão de olhos líquidos, uma folha de amoreira, uma música trepando pela arquitectura dos ossos à beira da eternidade.
Qualquer breve cornucópia lhes entorna um pássaro improvável na profundeza dos olhos e deixa um barquinho a navegar na perfeição dessas mãos da criança de asas verdes que os habita.
Este era o Rolando Sá Nogueira, o grande professor da minha vida.
“CHEGA-TE PARA LÁ, SEU PRETO!”
O Rolando é muito grande, ensina-me a fazer desenhos e conta-me montes de histórias com a sua voz redonda e forte. Um dia contou-me que ia num eléctrico cheio de gente e alguém lhe disse: “Chega-te para lá, seu preto!” Fiquei espantado. Olhei com muita atenção para ele. E era verdade. O Rolando era preto. Mas eu nunca tinha reparado nisso. Fui para casa, com a minha caixinha de pensar em coisas toda ocupada a pensar como é que era possível eu nunca ter visto uma coisa tão importante... Se calhar não era uma coisa assim tão importante, tão. Ou então o Rolando não era preto. Só ficou preto quando alguém lhe chamou preto. Só sei que, no dia seguinte, ele esqueceu-se daquela história, eu esqueci-me que ele era preto e voltámos aos nossos desenhos.
José Fanha
("Diário Inventado de um menino já crescido", ed. Leya-Gailivro)