quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

OLHÓ CUTILEIRO!



(Júlio Pomar)

Andava eu na volta das livrarias e estava, a dado momento, a ver a montra da renovada Livraria Sá da Costa no Chiado em Lisboa, ao lado da pastelaria Bénard.

Sou normalmente um alvo fácil para os muitos pedintes, com diversas características e peculiaridades, que abundam por aquela zona e que, ao reconhecer-me da televisão ou doutro sítio qualquer, se agarram a mim como sanguessugas à cata da chorada moeda.

Estou habituado a este ataque como a uma fatalidade a que não consigo escapar. Não tenho princípios inabaláveis quanto á questão dos pedintes. Dou a moeda quando dou e não me sinto obrigado a explicar nem a mim próprio porque é que o faço ou não faço.

No Chiado os pedintes são muitos. E se me demoro por ali um par de horas já sei que os ataques se sucedem quase ininterruptamente.

As moedas não chegam para todos. Escolho sempre dois ou três, os que tenham alguma originalidade, alguma delicadeza, alguma efectiva mazela mais grave.

Desta vez, à porta da Sá da Costa fui atacado sorridentemente por um jovem que me dizia e repetia:

“Ah! Ganda Zé Fanha, dá aí uma moedinha, um euro, vá lá, Zé Fanha, ganda músico, uma moedinha, só um euro, Zé Fanha, só um euro!”

Já estou habituado a ser tomado por músico, cantor e muitas outras coisas mais. Não me ofendo. Mas era para aí o sétimo a pedir-me uma moedinha naquele dia. Já vinha no fim da fila. Levou um sorriso e um rotundo “Hoje não há mais moedas!”

Tentou mais uma ou duas vezes mas acabou por desistir. Largou-me e, logo de seguida, ouvi nas minhas costas:

“Ah! Ganda Cutileiro, dá aí uma moedinha, um euro, vá lá, Ó Cutileiro, ganda escultor, uma moedinha, só um euro, Cutileiro, só um euro!”

Sorri todo satisfeito. Ia dar um valente abraço ao meu amigo João Cutileiro. Voltei-me para trás e dei, não com o João Cutileiro, mas com o Júlio Pomar que acabava de se livrar do pedinte com um largo sorriso de bonomia.

Eu não conhecia pessoalmente o Júlio Pomar mas tenho uma imensa admiração por ele e pela sua obra. Começámos a conversar.

O Júlio Pomar acabou por me dizer: "Vamos mas é tomar um café e conversar um bocado!”

Descobrimos amigos comuns. Falámos de pintura, de poesia e da Escola de Belas Artes, ali a dois pés, onde ambos estudámos com alguns anitos de diferença. Foi dos melhores bocados de conversa que tive nos últimos tempos.

E tudo graças a um pedinte que precisa de actualizar as suas referências culturais…

5 comentários:

Teresa disse...

Não li em lado nenhum, mas a vida já mo ensinou: numa atmosfera negra as luzes que surgem são sempre abençoadas. A sua alma de Poeta sabe-o. E a dos pedintes também.

samuel disse...

História boa...

Justine disse...

Abençoado pedinte, que a ti te proporcionou uma bela tarde de convívio, e te levou a escrever esta esplêndida estória, que me regalou...

Caçadora de Emoções disse...

José Fanha,
Mais uma história que adorei! Gosto mesmo muito, muito destas suas histórias da vida real...
Continue a brindar-nos com elas.
Bom início de semana.

Beijo grande e um sorriso :)quente para combater o frio.

vovó disse...

depois de muitas visitas aqui a tua casa, finalmente tenho "luz verde", para te deixar o meu abraço :)!
um dia, explico... :)...
beijocassssss
vovó Maria