terça-feira, 14 de outubro de 2008
IRREVERÊNCIA
Há pessoas que atravessam a nossa vida de várias e inesperadas maneiras. foi o que me aconteceu com Luís de Sttau Monteiro, magnífico escritor e dramaturgo de obras como "Angústia para o jantar", "Felizmente há luar" ou "A guerra Santa".
O Sttau era um mito para mim, tanto por via do brilho da sua pena como das proibições com que a censura o brindava.
Tinha eu 18 anos (1969), não me recordo como foi, mas entrei como colaborador para "A Mosca", suplemento humorístico do "Diário de Lisboa", dirigido por José Cardoso Pires e onde conheci o Luís Sttau Mnteiro que aí publicava entre outras coisas as famosas redacções da Guidinha.´
É bom de ver que eu olhava para eles com muitíssimo respeito e a imensa felicidade de respirar o ar que eles respiravam, de os ouvir atentamente e procurar crescer com as suas palavras.
Voltei a cruzar-me com o Sttau no concurso "A Visita da Cornélia". Ele pertencia ao júri. Eu era concorrente. Convivemos durante 13 semanas intensas, com momentos emocionantes, nomeadamente as sessões do concurso no Porto onde ele, eu, o Pitum, o Assis Pacheco e outros, fomos ameaçados e até mais que ameaçados por uns patetas de uns rapazitos neo-nazis.
Durante este tempo, à admiração veio juntar-se a amizade.
Depois fomo-nos encontrando ao sabor das circunstâncias, unidos pelo amor à conversa, à escrita, à boa mesa e à irreverência que no caso dele atingia por vezes o delirio.
A última vez que o vi, pouco antes da sua morte, estava eu parado no vermelho dos semáforos a meio do Campo Grande. Ouvi atrás uma valente buzinadela. Pelo retrovrisor dei com o Sttau a sair do seu carro direito a mim.
Saí do meu carro para o inevitável abraço e ali ficámos à conversa, entusiasmada e vagabunda como sempre. E o sinal ficou verde. E os outros automobilistas começaram a protestar e a buzinar.
E foi aqui que saltou a irreverência do Sttau e a sua chispa de saudável loucura. Desatou a insultar os aumobilistas acusando-os de quererem impedir que dois amigos se cumprimentem e pudessem conversar a seu bel prazer.
A situação tornou-se tão absurda que os outros não tiveram outro remédio senão contornar-nos e seguir furiosos mas vencidos. E nós ali ficámos, em plena estrada, na boa cavaqueira.
Ficou-me na memória o seu sorriso sardónico, o gesto com que afastava o cabelo da testa, a grandeza daquela maneira aristocrata de estar na vida.
Ao ver a apagada tristeza que vai pelas nossas escolas, a revolta intensa mas inconsequente que grassa entre os melhores professores, pergunto-me que será feito da irreverência e da rebeldia com que se fazia um manguito aos mandantes tiranotes e aos condutores apressados. Em vez dsso, temos o lamento, a desistência ou a acomodação.
Que saudades do Sttau.
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6 comentários:
... ou gente meio adormecida, ou dormente...
que bem descreves o Sttau!
As redacções da Guidinha eram uma lufada de ar fresco no tempo da outra senhora....
Obrigada por o teres trazido aqui.
Beijo
Temos muita gente perfeitamente desmotivada e apenas preocupada em despejar/debitar matéria, frase por frase igual à dos Manuais. Temos Alunos que não reconhecem autoridade em Professores que não se sabem impôr. temos Pais ausentes porque trabalham muito e exigem que a Escola dê o que não existe em casa, educação, atenção, regras de conduta...
Há tanta coisa mal, tanta coisa que deveria ser mudada, mas infelizmente não há vontade de lutar por dias melhores...É pena!
Também me pergunto isso bastas vezes. Coisas absurdas que mereciam um simples não e a coragem das consequências só provocam falatório e mais nada. Perdemos o brilho, deixámo-nos enlevar sabe lá em que cantilenas.
Um abraço
Esperança
Falo de mim: estou-me burrifando para as "excelências" e para a avaliação e procuro não perder de vista os momentos mágicos em que vibro com os meus alunos, comunicando com a força das palavras, e que levo para casa, embrulhados em memórias vivas de sorrisos felizes e agradecidos. Nos últimos anos mais do que nunca, porque tenho na memória exemplos fantásticos, como os do prof. José Fanha. Entretanto, em certos momentos também me sinto cansada, cansada de ser desconsiderada por gente que desconhece por completo o que é ser professor e cansada do desrespeito a que o professor foi votado. Como o lamento não resolve e tenho problemas com excesso de papelada, com a consciência da minha pequenez, faço um pouco à semelhança do escritor que sempre admirei: Com licença, quero passar.
Falo de mim: estou-me burrifando para as "excelências" e para a avaliação e procuro não perder de vista os momentos mágicos em que vibro com os meus alunos, comunicando com a força das palavras, e que levo para casa, embrulhados em memórias vivas de sorrisos felizes e agradecidos. Nos últimos anos mais do que nunca, porque tenho na memória exemplos fantásticos, como os do prof. José Fanha. Entretanto, em certos momentos também me sinto cansada, cansada de ser desconsiderada por gente que desconhece por completo o que é ser professor e cansada do desrespeito a que o professor foi votado. Como o lamento não resolve e tenho problemas com excesso de papelada, com a consciência da minha pequenez, faço um pouco à semelhança do escritor que sempre admirei: Com licença, quero passar.
E, como me esqueci na missiva anterior, aqui vai um beijinho para o prof José Fanha
Margarida
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