domingo, 12 de outubro de 2008
MÃE
MÃE
Ouvi chamar-te pela primeira vez numa rua sem árvores
Mas onde eu sabia haver tílias florindo.
Com uma alma enorme
Como só têm o mar e os desertos, reconheci-te numa
espécie de paixão
e foi assim que pude partilhar-te com a razão e a luz.
Como é que se faz, pergunto-me, para transformar
todo o perfume de Junho num pequenino nome? Tão
pequena morada guarda as mais inesperadas coisas: um ramo
de neve, o sol espreitando de uma ferida, o pequeno dócil
animal
mais leve e mais limpo do que o ar.
Ouvi-te pela primeira vez era já uma criança. Ou devo
dizer ainda? Com as tílias, floriram também os minúsculos
sons
dessa quase palavra, talvez mais rumor ou murmúrio,
mais, quem sabe?,
água que chega das nascentes do olhar.
Existem nomes onde nada cabe, outros que guardam a
ternura do mundo.
No teu nome brilha ainda a minha vida, esta espécie de
resposta
à pergunta incessante que me faz cada um dos meus dias.
Eu sei
que sou em grande parte a minha memória,
a memória que a roseira tem da chuva
ou a respiração do ar
ou a cigarra do estio
e que tudo, tudo, pode ter a dimensão afinal
de coisa nenhuma, ou a dimensão que colocou Deus
no coração de uma semente e o teu nome nas montanhas
do universo.
Eu sei que sempre coube inteiro no ventre
de uma palavra; que não precisei nunca
nem dos lábios, nem da fala, nem do mais intranquilo
pensamento
para saber do azul fundo do teu nome. Mas lembro-me
que me ouvi chamar-te pela primeira vez numa rua sem
árvores
onde eu vi – só eu vi? – tílias florindo.
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6 comentários:
Emocionei-me com este texto. Eu que já não tenho a minha há muitos anos, ainda falo muito com ela.
Um abraço
Esperança
J.Fanha,
tão bonito!
fui lendo com um sorriso, daqueles em que os olhos brilham muito...
boa semana
um abraço e um sorriso para si :)
mariam
Há coisas assim! Mal tinha acabado de ler este belíssimo poema e alguma coisa me começou a roer atrás da orelha. Isto fazia-me pensar num outro poema que eu lera há muito tempo e que me tinha deixado a marca.
Nestas ocasiões, se não tiro a limpo o que me está a moer, nem consigo adormecer. Que fazer, então?
Vasculhar nos meus papeis, ir à procura, ver nos cadernos antigos, aqueles caderninhos que, na adolescência, servem para escrever os "pensamentos" e as coisas que nos marcam.
E, de repente, lá estava ele!
Era isso mesmo: Para sempre do Carlos Drummond de Andrade:
"Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."
Ainda bem que existe a língua portuguesa.
Um abraço da
Madalena
Há coisas assim! Mal tinha acabado de ler este belíssimo poema e alguma coisa me começou a roer atrás da orelha. Isto fazia-me pensar num outro poema que eu lera há muito tempo e que me tinha deixado a marca.
Nestas ocasiões, se não tiro a limpo o que me está a moer, nem consigo adormecer. Que fazer, então?
Vasculhar nos meus papeis, ir à procura, ver nos cadernos antigos, aqueles caderninhos que, na adolescência, servem para escrever os "pensamentos" e as coisas que nos marcam.
E, de repente, lá estava ele!
Era isso mesmo: Para sempre do Carlos Drummond de Andrade:
"Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."
Ainda bem que existe a língua portuguesa.
Um abraço da
Madalena
Um poema que apetece dizer, baixinho, devagarinho...
Delicioso.
Um beijo.
José Fanha,
Que poema lindo!
Repleto de emoções...
Abraço grande e muitos sorrisos :))
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