quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O ANO DO SARGENT PEPPERS



Por volta de 1983/84 eu era professor de História de Arte (e outras minudências, Geometrias Descritivas e coisas assim) na Escola Secundária de Loures, hoje Escola Secundária José Afonso.

Tive então a melhor turma, o melhor conjunto de alunos de toda a minha vida. E, por razões quase mágicas e difíceis de explicar, criou-se entre nós uma relação única de partilha de paixões, curiosidades e saberes. A História de Arte tinha extravasado e ouvíamos música, íamos ao teatro, dizíamos poesia.

Certo dia, o tema da aula era a Pop Art (Andy Wharol, Roy Lichenstein, etc). Preparei toda a aula a partir da concepção plástica e de algumas das letras das canções desse fabuloso album dos Beatles que é "Sargent Peppers Lonely Heart's Club Band".

Mas nesse dia, por mais paixão que eu pusesse no tema, o ambiente era conzento. Aquela turma excepcional parecia uma daquelas turmas meio adormecidas para quem as palavras do professor são um incómodo zumbido de fundo.

Eu sentia-me incomodado. Tentei puxar o brilho à prelecção. Sublinhei várias vezes a importância da passagem dos discos como recolhas de canções ao álbum concebido como uma peça inteira dividida em canções.

Falei das casacas dos Beatles, das fotografias de inúmeras personagens que aparecem na capa do "Sargent Peppers", Einstein, Cassius Clay, Edgar Alan Poe, Marylin e outros que perdem a espessura da sua história pessoal para se tornarem em meras personagens Pop. E mais etc, e o "Sargent peppers", e etc e o "Sargent Peppers".

O resultado foi nenhum. A turma continuava apática e eu cada vez mais inquieto e a pensar que nesse dia, por qualquer razão que não entendia a minha aula tinha sido um fracxasso e eu não tinha conseguido agarrar os alunos.

Quase à hora de tocar, um dos alunos, com um ar profundamente enfastiado, perguntou-me: "Ó stôr... O que é isso do "Sargent Peppers?"

Eu ia caindo da tripeça abaixo. Tudo o que eu dissera advinha e relacionava-se com aquele disco que eu pensava ser obviamente conhecido de todos. A verdade é que o "Sargent Peppers" era uma referência fundamental para mim. Mas não para eles que andavam por outras músicas uma vez que tinham nascido já depois do ano do "Sargent Peppers"!!!

E é destes pequenos tropeços que nascem as grandes incomunicabilidades...

2 comentários:

Rita Carrapato disse...

Incomunicabilidades que acontecem em vários contextos de vida.

Um abraço

Rita

Maria disse...

Tão assertiva a tua última frase...

Beijos