terça-feira, 20 de janeiro de 2009

OS CEGOS DE MADRID



(Júlio Pomar, "Cegos de Madrid", 1959)


OS CEGOS DE MADRID

Choro pelo destino
daqueles que nasceram
sem destino:
os cegos de Madrid.

Choro pelos que arrastam
uivos negros
entre as sombras do passado
de Madrid.
Pelos que dormem encostados
aos portais metálicos do ódio.
Pelos que vivem lambendo
a sinfónica memória da mutilação.

Choro pelos cegos de Madrid
com a cor exacta da cegueira
pendurada no pescoço por um fio.

Choro em Madrid
pela saga esquelética dos gritos
na húmida tortura
da grande escuridão.

Choro lágrimas escuras.
Catadupas de lágrimas
daquela castelhana escuridade
que pingava das lâmpadas
na noite dos comboios da meseta.

Era um tempo de horários peganhentos.
De bolor azedo.
Era o terrível tempo
das asas anavalhadas
nos ombros das crianças.
O trágico tempo
dos olhos arrancados
às óbitas das virgens.
O arrastado tempo
dos trajes bordados a lágrimas
a pus e sangue coalhado.
O miserável tempo
das vísceras boiando
em caixas de rímel e pó-de-arroz.

Era o tempo dos cegos.

O tempo das lágrimas dos cegos.

O tempo dos cegos de Madrid.

José Fanha (do livro inédito "Marinheiro de outras luas")

3 comentários:

Maria disse...

Um poema arrepiantemente belo!

Beijos

O Puma disse...

A força irredutível das palavras

belas

Mar Arável disse...

Que abram os olhos

os cegos de olhos abertos

Abraço