sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

QUERIDAS LEITURAS

Leio tanto quanto posso.Faço da leitura uma relação imprescindível com o mundo, com os outros, comigo próprio.

Não tenho nenhum programa de leitura. Sou um nómada dos livros. Vou ao sabor de opiniões ou desopiniões de amigos, da corrida aos autores que me acostumei a amar, ou a outros pelos quais me nasceu alguma forma de curiosidade. Às vezes sigo pelo wncanto das capas, pelo resumo da badana, sei lá que mais.

As minhas leituras não são exemplo para nada nem para ninguém. Mas gosto de partilhar paixões e, entre essas, as que nasceram por alguns dos livros que li.

Fim do ano é altura de balanços. Porque não fazer o meu balanço de leituras?

Li o que li. Gostei do que gostei. Para que conste fica aqui. Mas que ninguém pense que pretendo fazer desse balanço qualquer exercício de autoridade policial.



“FIRMIN”, SAM SAVAGE

Logo no início do ano li uma referência na "Babélia" do "El País" que me deixou de água na boca. Fui ler em espanhol (ainda não existe edição portuguesa. É o primeiro romance do autor, professor de filosofia numa universidade americana. Uma delícia rara. A história de Firmin, um rato que nasce no sótão de um alfarrabista. É o 13º filho de uma ratazana alcoólica que só tem 12 tetas. Firmin fica sempre de fora do materno leite e resolve a fome comendo livros. Daí, ficar um rato culto. E isto é só princípio. O romance é uma divertida e amarga reflexão sobre a nossa condição e a nossa identidade através deste rato maravilhoso.



“O DIABO E OUTROS CONTOS”, LEV TOLSTOI

Este ano passou muito para mim sob o signo de Tolstoi. Ando fascinado com a sua arte notável e a forma como expõe o mais secreto da natureza humana. São excelentes as traduções que o casal Nina e Filipe Guerra têm feito para português.

Tremi com "A morte de Ivan Ilitch" e "A valsa de Kreutz". As personagens de Tolstoi somos nós, cada um de nós, no mais fundo e scondido dos nossos corações.

Os contos de "O Diabo" são de várias épocas da sua vida. Têm diferentes respirações mas são todos eles, pequenas obras primas que nos levam a pensar que a arte da escrita é provavelmente a suprema entre todas as artes.



“O ÚLTIMO LEITOR”, DAVID TOSCANA

É espantosa a quantidade de belíssimos escritores latino-americanos que surgem a cada dia que passa.

este conta-nos a história de um homem que aceita ser bibliotecário numa aldeia do deserto e que censura os livros que acha mal escritos. E é também a história de um crime e de como o bibliotecário o tenta descobrir e encobrir a partir dos romances que leu.

É finalmente a história de um amor improvável e impossível em torno do amor aos livros e às histórias que eles contam. O amor por uma mulher a quem mataram a filha e a quem o bibliotecário vai dando pistas verdadeiras e falsas a partir da paixão comum pela leitura e pelos livros.

"O último Leitor" é um pouco nós que, através das leituras, andamos à procura de um fio para nos entendermos connosco próprios e com o mundo.



“UM BOM HOMEM É DIFÍCIL DE ENCONTRAR”, FLANNERY O’CONNOR

Andei com o livro debaixo de olho muitos meses. Finalmente peguei nele e foi como se um terramoto me tivesse apanhado.

A autora fala-nos de uma América rural, sulista, racista, mesquinha, obscura. E em cima desse cenário faz-nos mergulhar na cabeça de pessoas obsessivas, desconfiadas, medrosas, limitadas. Gente terrível, gente carregada daquilo de que se faz a humanidade em todas as suas vertentes. Gente sem horizontes. Encerrada numa imensa paisagem, num imenso país que parece uma grande colmeia com muitos pequenos favos completamente isolados entre si.

A narração faz-nos mergulhar num estado de espanto, por vezes com alguma ternura, muita melancolia, e momentos de pura surpresa e pavor.

5 comentários:

o escriba disse...

José Fanha

Votos de Bom ano 2009, com saúde, boas leituras e mais escritas.

Um abraço
Esperança

Rita Carrapato disse...

Boa ideia Fanha, porque ao ler aqui, em jeito de balanço os livros que leu, fiz também uma viagem por aquilo que li. Algumas das leituras que fiz, vim buscá-las aqui a este canto e aos 7 leitores. Vou aos poucos e poucos comprando alguns livros que lá foram deixando. É o caso, entre outros, de O Diabo e outros contos, O Ensaio sobre o ciúme, com tradução de Isabel Risques (que julgo corresponder A Sonata de Kreutzer), A Neblina do Passado (que superou o meu apreço por Ágatha Christie)…
Deixo outras leituras que, de alguma maneira me seduziram, porque nelas me revi, ou porque revi nelas fragmentos do que à nossa volta acontece, ou simplesmente porque me deram grande prazer enquanto as lia. Deixo assim:
Steven sob as palmeiras de Alberto Manguel
O caminho da Serpente de Torgny Lindgren
O Fio da navalha de Somerset Maugham
A perola e o Bairro da Lata de John Steinbeck
A casa do Sal e O Afinador de Pianos de Cristna Norton
O sonho dum Homem Ridículo de Fiódor Dostoiévski
Hitória de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar de Luis Sepúlveda
Contos de São Petersburgo de Nikolai Gógol
Vários de Gabriel G. Márquez e vários de Mia Couto
Certamente ganharíamos muito se cada um de nós aqui quisesse deixar os títulos de alguns dos livros lidos.

Um beijinho e bom ano de relação com os livros

Rita Carrapato

Rita Carrapato disse...

Fanha,

Esqueci-me de dizer que me cresceu água na boca com a apreciação que fez de “UM BOM HOMEM É DIFÍCIL DE ENCONTRAR”. Mais um que tenho de comprar.

Obrigada por tamanha partilha com os leitores do seu blogue.

Rita

Margarida Tomaz disse...

Olá! Se já me sentia seduzida pelo O Último Leitor, agora ainda mais. Nestas férias li os contos de Lev Tolstoi e, na realidade, cheguei ao fim sem fôlego. Fiquei com o bichinho a pedir mais Tolstoi que há "n" anos enfeita as prateleiras na sala dos meus pais. Um senão: tenho de começas a dar prioridade à tese, sob o perigo de ficar em águas de bacalhau. Mas as tentações de leitura são muitas e também estou a acabar de ler a divertida Viagem do Elefante de Saramago, uma sátira das viagens humanas, bem à maneira do nosso nobel e, porque gostei do texto da contracapa, já tenho em fila de espera, tendo passado à frente dos outros todos, entorpecidos da delonga, O Deus das Moscas. É mais forte do que eu. A tese, aguarda, enfadonhamente, fazendo birras comigo, como um bébé...

Um abraço
Margarida G.

Júlio Pêgo disse...

Interessante as "queridas leituras", uma reflexão sobre o que lemos ou o que estamos a ler.Por coincidência, reli este verão o conto do Tolstoi, a morte de Ivan Ilitch :o tema é tão poderoso e sempre actual que é abordado, na minha actividade de psicoterapêuta.Curiosamente o D.N. ofereceu o livro, com a compra um exemplar do jornal. Meritório. Na mesma senda, reli o "Alienista" do Machado de Assis. O último livro que acabei de ler foi "De olhos fixos no Sol" de Irvim Yalom- Aborda o tema da Morte como motor e contraponto da nossa existência, numa perspectiva epicurista e nitchniana. Concorde-se ou não, o autor, que também é psiquiatra, dá-nos excelentes relatos clínicos, de como encarar a morte. O conceito de "ripling", do rasto que deixamos, na tentativa da imortalidade, é notável.