Como eu amei as raparigas lá de casa
Discretas fabricantes da penumbra
Guardavam o meu sono como se guardassem
O meu sonho
Repetiam comigo as primeiras palavras
Como se repetissem os meus versos
Povoavam o silêncio da casa
Anulando o chão os pés as portas por onde
Saíam
Deixando sempre um rastro de hortelã
Traziam a manhã
Cada manhã
O cheiro do pão fresco da humidade da terra
Do leite acabado de ordenhar
(se voltassem a passar todas juntas agora
veríeis como ficava no ar o odor doce e
materno
das manadas quando passam)
aproximavam-se as raparigas lá de casa
e eu escutava a inquieta maresia
dos seus corpos
umas vezes duros e frios como seixos
outras vezes tépidos como o interior dos frutos
no outono
penteavam-me
e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas
na primavera
não me lembro da cor dos olhos quando olhava
os olhos das raparigas lá de casa
mas sei que era neles que se acendia
o sol
ou se agitava a superfície dos lagos
do jardim com lagos a que me levavam de mãos
dadas
as raparigas lá de casa
que tinham namorados e com eles
traíam
a nossa indefinível cumplicidade
eu perdoava sempre e ainda agora perdoo
às raparigas lá de casa
porque sabia e sei que apenas o faziam
por ser esse o seu lado mau de sua inexplicável
bondade
o vício da virtude da sua imensa ternura
da ternura inefável do meu primeiro amor
do meu amor pelas raparigas lá de casa
Emanuel Félix
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2 comentários:
Não sabia que já tinha partido. Este poema foi contigo que aprendi. Gosto também muito do "Five o'clock Tear".
Um beijo.
Como gosto de ouvir este poema na voz do nosso querido amigo Gonçalo Oliveira...
Obrigada
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