ANTÓNIO JACINTO (1924-1990)
Carta dum contratado
Eu queria escrever-te uma carta 
Amor, 
Uma carta que dissesse 
Deste anseio 
De te ver 
Deste receio 
De te perder 
Deste mais que bem querer que sinto 
Deste mal indefinido que me persegue 
Desta saudade a que vivo todo entregue... 
Eu queria escrever-te uma carta 
Amor, 
Uma carta de confidências íntimas, 
Uma carta de lembranças de ti, 
De ti 
Dos teus lábios vermelhos como tacula 
Dos teus cabelos negros como diloa 
Dos teus olhos doces como macongue 
Dos teus seios duros como maboque 
Do teu andar de onça 
E dos teus carinhos 
Que maiores não encontrei por ai... 
Eu queria escrever-te uma carta 
Amor, 
Que recordasse nossos dias na capopa 
Nossas noites perdidas no capim 
Que recordasse a sombra que nos caia dos jambos 
O luar que se coava das palmeiras sem fim 
Que recordasse a loucura 
Da nossa paixão 
E a amargura da nossa separação... 
Eu queria escrever-te uma carta 
Amor, 
Que a não lesses sem suspirar 
Que a escondesses de papai Bombo 
Que a sonegasses a mamãe Kiesa 
Que a relesses sem a frieza 
Do esquecimento 
Uma carta que em todo o Kilombo 
Outra a ela não tivesse merecimento... 
Eu queria escrever-te uma carta 
Amor, 
Uma carta que ta levasse o vento que passa 
Uma carta que os cajus e cafeeiros 
Que as hienas e palancas que os jacarés e bagres 
Pudessem entender 
Para que se o vento a perdesse no caminho 
Os bichos e plantas 
Compadecidos de nosso pungente sofrer 
De canto em canto 
De lamento em lamento 
De farfalhar em farfalhar 
Te levassem puras e quentes 
As palavras ardentes 
As palavras magoadas da minha carta 
Que eu queria escrever-te amor 
Eu queria escrever-te uma carta... 
Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender 
Por que é, por que é, por que é, meu bem 
Que tu não sabes ler 
E eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também!
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4 comentários:
tão bonito!
lembrei-me criança e de estórias contadas por meu avô e meu pai, de colegas da "tropa", que deixavam seus "amores" lá na terra e saudosos, lhes pediam que lhes escrevessem uma letras...à pergunta "que queres que escreva?" respondiam ..."o que bocemecê quiser, sei que escreve tão lindo, e, se calhar meu amor também não vai saber ler...ou ter alguém a quem dar a ler..."
desculpe o alongamento... mas apeteceu-me!
(PS.de meu avô a meu pai distavam cerca de 25 anos... mas o grau de aliteracia/analfabetismo era quase o mesmo,
hoje, todos saberão ler e escrever ... mas como estamos de literacia?!... )
bom feriado
e um sorriso :)
...e isto era mesmo em Portugal continental...
:)
as cartas de amor que a minha escrevia
as cartas das amigas e vizinhas
"faz-me tanta aflição filha: elas vão falando como se eu fosse mesmo uma caneta debruçada na folha da carta..."
minha mãe
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