O QUE AQUELA NOITE ME QUIS DAR
Eu não estava em casa nessa noite, filho,
nem podia estar. Estava nas ruas com os
                                               [soldados
que rumavam às rádios e aos quartéis,
                                           [engalanados
de sombra e de júbilo, a ver o que aquela
                                                         [noite
ia dar, o que a nossa liberdade prometia
                                                         [ser.
E tu, filho, tinhas a idade rumorejante
desse Abril embalado por uma canção do
                                                        [Zeca.
Como posso eu explicar-te tudo aquilo
que tu nasceste para aprender, para viver?
Eu estava aquartelado no meu silêncio
de pétalas, sílabas e marés, no meu dédalo
de vozes embriagadas pelo vento,
na coragem errante das pelejas da infância
e pouco ou nada sabia do mistério desse
                                                         [mês
capaz de transformar em assombro as
                                          [nossas vidas.
Sim, sou eu neste retrato antigo,
a receber em festa os exilados, os que
                                               [chegavam
com grinaldas de cantigas e a flor de uma
                                                        [ilusão
bordada a sangue e espuma no capote das
                            [nocturnas caminhadas.
Sim, sou eu a escrever a primeira
                                             [reportagem
do primeiro de muitos dias em que o
                                                    [tempo
deixou de contar, em que os relógios
se tornaram corolas de paixão e riso
na lapela larga da alegria desta pátria.
Eu não estava em casa nessa noite, filho,
estava a afinar o coração pelo tom
das mais belas melodias que alguém pode
                                                  [aprender
para dar a quem ama a paz de um sono
sem tormento.
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