domingo, 30 de novembro de 2008

ESE JOÃO DE DEUS



Jantar de fim do 1º ano do Mestrado sobre Promoção do Livro e da Leitura da Escola Superior de Educação João de Deus.

Um grupo de alunas notáveis e de professores magníficos que viveram um daqueles raros processos de ensino que vivem em estado de graça.



"Maldades" do António Torrado que assim me obliterou a cara da fotografia mantendo a alma presente na pessoa de um guardanapo vermelho.

sábado, 29 de novembro de 2008

EB1/JI DO ALTO DO MOINHO



Uma escola muito especial, cheia de alegria, com uma biblioteca daquelas (e já são muitas pelo país fora) onde apetece estar e onde nos perdemos a conhecer as muitas actividades de grande qualidade que aí têm lugar.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

EB1 Quinta do Conde de Portalegre

Aqui fica a memória de passagens por mais algumas escolas e da forma calorosa como sempre tenho sido recebido. A todos, professores, alunos, empregados, muito obrigado. E um muito especial abraço de amizade áos que trabalham nas Bibliotecas Escolares porque estão a semear as mais belas sementes do futuro dos nossos meninos.

domingo, 23 de novembro de 2008

A CASA

Às vezes tenho saudades da simplicidade que vai direita ao coração. Um poema, uma voz, uma viola. E uma grande vontade de olhar o mundo do lado do avesso.




(Vinícius e Maria Betânia)


A casa

Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque a casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"LOOK WHAT THEY'VE DONE TO MY SONG"

PARECE-ME QUE A LETRA DESTA CANÇÃO TEM ALGUMA COISA A VER

COM O QUE MUITOS PROFESSORES SENTEM POR ESTES DIAS




"Look What They've Done To My Song, Ma"

MELANIE SAFKA

Look what they've done to my song, ma
Look what they've done to my song
Well it's the only thing that I could do half right
And it's turning out all wrong, ma
Look what they've done to my song.

Look what they've done to my brain, ma
Look what they've done to my brain
Well they picked it like a chicken bone
And I think I'm half insane, ma
Look what they've done to my song.

I wish I could find a good book to live in
Wish I could find a good book
Will if I cold find a real good book
I'd never have to come out and look
Look what they've done to my song.

It'll be all right ma, maybe it'll be okay
Well if the people are buying tears I'll be rich someday, ma
Look what they've done to my song.

Ils ont change ma chanson ma
Ils ont change ma chanson
C'est la seule chose que je peuz faire
Et ce n'est pas bon ma
Ils ont change ma chanson.

Look what they've done to my song, ma
Look what they've done to my song
Well they tied it up in a plastic bag and they turned it upside down
Look what they've done to my song, ma.

Look what they've done to my song, ma
Look what they've done to my song
It's the only thing I could do all right and they turned it upside down
Look what they've done to my song, ma.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

DE PÉ SOBRE O SILÊNCIO




A minha amiga Lícinia vai no seu segundo livro de poesia. E não só. Nos últimos anos fez da poesia uma forma de existir, de resistir, de viver solidariamente. Declama muito bem e faz declamar. Junta amigos em torno da poesia. Faz a sua pequena Sierra Maestra em torno das palavras. Tem um blog que vale a pena visitar muitas vezes, O SÍTIO DO POEMA e outro (inconfidência autorizada) que é um mimo de graça e irreverância: a DONA TELA.

A Licínia publicou mais um livro. Foi uma festa em Mafra.O auditório da Biblioteca Municipal estava a transbordar. Veio gente de vários sítios do país. Gente que tece fios de amizade através dos blogs, dos poemas, dos comentários.

A introdução ao livro é da, também mafrense e também minha amiga e companheira, Hélia Correia. E acaba assim:

"Se, como diz Amos Oz, só a imaginação pode salvar o mundo, um livro de poemas como este ajuda um pouco a essa salvação."

O livro não está à venda. Ou melhor. Só autora é que o vende. Mas vale a pena.



BEIRA-MAR

Os olhos das mulheres
cavalgam as praias desertas
e a acalmia das ondas

Ficam verdes os olhos das mulheres
no seu afã de adivinhar os peixes

Águas-marinhas crescem-lhes nos dedos
longos longos

Há estrelas-do-mar a rematar
as tranças de meninas
que chegaram do longe longe

Debruçam-se serenas
sobre a caligrafia andarilha das gaivotas
a ler histórias que os netos lhes contaram

Antes que a tarde as envelheça
acendem nas areias fogos altos
e pintam as cores do sol poente
e cantam líquidas melopeias
e cantam e cantam
as mulheres da beira-mar

Licínia Quitério

domingo, 16 de novembro de 2008

"DEIXEM-NOS SER PROFESSORES"



(Foto de Robert Doisneau)

"NOS ÚLTIMOS MESES NÃO VI PROFESSORES FELIZES"

João Lobo Antunes, "O Público", 16 Nov 2008

"O RESPEITO PELOS PROFESSORES É FUNDAMENTAL POIS O FUTURO DO PAÍS DEPENDE DA EDUCAÇÃO DOS SEUS CIDADÃOS"

João Lobo Antunes, "O Público", 16 Nov 2008



"NÃO HÁ SINDICATO NENHUM, NEM APARELHO SINDCAL OU POLITICO QUE META NA RUA 120 MIL PROFESSORES"

Manuel Alegre, "Diário de Notícias", 16 Nov. 2008

"A ESCOLA PÚBLICA É NECESSÁRIA MAS TAMBÉM TEM DE TER CRITÉRIOS DE EXIGÊNCIA"

Manuel Alegre, "Diário de Notícias", 16 Nov. 2008



"DEIXEM-NOS SER PROFESSORES"

Autocolante da manifestação de professores de 8 Nov 2008

sábado, 15 de novembro de 2008

LABIRINTO



(Gravura de Bartlomeu Cid dos Santos)


LABIRINTO

(Sobre uma gravura de Bartolomeu Cid dos Santos)

“Sabemos agora que não é necessário que os átomos tenham um
objectivo.”

Umberto Eco, “A linha e o labirinto”


Vou fazer um labirinto
no outro lado da lua.

Com palavras ou pedras
ou nuvens ou fios de lã.

Tenho de fazer um labirinto
para lá da esquina do vento.

Um labirinto entre o céu e a terra
onde alguém tropece
no cheiro quente
das castanhas em Outubro.

É urgente construir um labirinto
em Outubro ou em Fevereiro.

Um labirinto onde a lua
em cada noite se tinja
de um vermelho escandaloso.

Tenho de inventar a geometria
sem fuga nem distância.

Tenho de fazer acontecer um labirinto.

E soltar o touro essencial.

E acender o olho do falcão.

E rasgar a carne até ouvir
na cor do sangue
a flauta de Mozart.

Tenho de inventar um labirinto,
o lugar onde venha, porventura,
a encontrar-me um dia com todos os que amo,
filhos ou amigos,
pássaros felizes sobre o mar.


José Fanha (do livro inédito "Marinheiro de outras luas")

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

"XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO" OU O SEU A SEU DONO



Há muito quem pense que a letra da excelente canção "Xácara das bruxas dançando" dos Trovante é de João Gil ou de Luís Represas. Há pouco passei por um blog que atribuía a um dos dois a autoria do poema que foi escrito, de facto, pelo poeta e romancista Carlos de Oliveira. Assinale-se ainda que o poema é composto por 4 partes e a canção só usa a 3ª parte. Porque é um poema muito especial, de um grande autor, porque os Trovante foram um grupo notável que de alguma forma se prolonga nas obras excelentes dos que o constituíram e que, obviamente, não precisam de autorias indevidas, aqui fica devolvido o seu a seu dono


XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO


I

Era outrora um conde
que fez um país,
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quis.

Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo
são bicos de tojo,
no tambor da esperança.

Ventos sem destino
que dizeis às ramas?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.

No país que outrora
um conde teceu,
as laranjas de oiro
são bruxas de agoiro
e fúrias do céu.

Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças de morte.

As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos nos olhos.


II

Ama, estás ouvindo
a história que vou contando?
Ó ama pátria dormindo
desde quando?

Desde tempos e memórias,
desde lágrimas e histórias,
desde raivas e glórias,
agora te estou chorando
e tu dormindo
até quando?

As bruxas andam lá fora
e eu chorando
versos do país de outrora.

Dançam bruxas a ganir
de mãos dadas com o vento.
Ama, acorda; sopra o lume;
e não me deixes dormir
na noite do pensamento.


III
Ó castelos moiros,
armas e tesoiros
quem vos escondeu?
Ó laranjas de oiro,
que ventos de agoiro
vos apodreceu?

Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quando os mochos amam
e as pedras choram

Caravelas, caravelas
mortas sob as estrelas
como candeias sem luz
E os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz

As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda raspando
as unhas podres de tojo
na noite morta do povo
como num tambor de rojo.

IV

E o tempo murchando
a luz de idos loiros.
Ama, até quando
estaremos chorando
os castelos moiros?

Lá vão naus da Índia,
lá se vão tesoiros.
E as bruxas dançando
e os ventos secando
as laranjas de oiro.

Ama até quando?

Na noite das bruxas
o lume no fim
e o vento ganindo.

Amas estás ouvindo?

O lume no fim
e os homens dispersos.

Ama, tens frio;
cinge-te a mim
e aquece-te ao lume
queimando os meus versos.

Carlos de Oliveira

(in “Turismo”, 1942)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

AUTO-RETRATO EM 3X4




AUTO-RETRATO EM 3X4


Sou um homem de muito silêncios e raras obediências,
inesperadas paixões programadas,
alguns medos, optimismos inúteis
e, principalmente, uma vasta e apaziguadora preguiça.
O meu coração está preso desde uma terra distante
a uma só mulher,
excepto nos interlúdios.
Escrevo cada vez mais desesperadamente.
Às vezes tenho pensamentos incestuosos.
Se não fossem as consequências,
juro que cometeria um pequeno crime.
A vida trespassa-me como uma faca,
mas não consigo agarrá-la.

João Melo

(poeta angolano)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

SERPENTE





SERPENTE


Se é secreto o desamor
transformado em meu segredo
tento domar a paixão.

Para sempre entrego e me rendo
ao bater do coração onde se aninha a serpente
o peito aberto ao arpão.

Quem não demove a palavra num persistir insolente
um poema em cada mão

Dá perdimento ao fulgor calando o fogo
da estima
sem demover o torpor onde a rima declina

E seja lá quem não for
resgata
guarda e domina

Mara Teresa Horta

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O MEU AMIGO JOÃO MATEUS




JOÃO MATEUS

Nos idos de 69/70 eu ia de vez em quando a casa do meu amigo e colega de arqutitectura, Luís Mateus.

O pai, o engº Tomás Mateus do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, conhecido pelo Tomás das madeiras, era um especialista mundial em resitência de madeiras. Mas era também pintor. Chegava a casa e passava o fim da tarde a pintar. Nao podia fumar e a mulher sentava-se suavemente ao lado e fumava, dando-lhe de vez em quando uma passa.

Os filhos, o Zé, que se formou em arqueologia, o João e o Luís, ambos arquitectos, todos três tocavam música antiga e interessavam-se pelas coisas mais oblíquas e menos óbvias para jovens entre os 15 e os 20 anos. Literatura, música antiga, História de igrejas e conventos, geometria descritiva... Sei lá.

Só sei que ficava fascinado. Eles era para mim a imagem da paz familiar que eu nunca conhecera.

Moravam em Alvalade. Julgo que no mesmo prédio morava o Miguel Serras Pereira, o excecional tradutor (e poeta bissexto) que não revejo há anos e que me tem proporcionado muitas horas de leitura de alta qualidade.

Perto, morava o poeta José Gomes Ferreira que passava com a sua cabeleira branca aos 4 ventos e o olhar a navegar sabe-se lá por que distâncias.

Eu e o Luís Mateus temo-nos visto por aí, entre Lisboa e Braga. Telefonamo-nos, partilhando muitas memórias, paixões e cumplicidades.

O João já não o via há muitos muitos anos. Encontrei-o e fiquei fascinado. Arquitecto, continua a tocar música antiga, constrói instrumentos de madeira, desenha, pinta, sei lá que mais.

Pediu-me para ir visitá-lo ao seu site. Demorei uns quantos dias porque os dias andam complicadas e eu só queria lá ir com tempo para demorar.

Finalmente fui e fiquei espantado. Já não se faz gente assim. Ou faz?

Se calhar faz. Mas de cada vez que encontramos alguém que anda pelo mundo com esta vitalidade, esta variedade, esta força, ficamos acrescentados e com a certeza de que viver pode ser um moinho muito disponível para que o vento da vida não o deixe descansar.

O endereço do João onde estão os óleos, os desenhos, o pastel, a arquitectura, é este:

http://joaorosariomateus.googlepages.com/joaomateus

Vale a pena visitar.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

OS SAPATOS DO PAI NATAL




"OS SAPATOS DO PAI NATAL"


Ninguém sabe os contratempos que um Pai Natal sofre para levar a tempo e horas todas as prendas que as crianças irão receber, mal abrirem um olhito na manhã de cada dia 25 de Dezembro!

As vésperas de Natal são uma canseira, uma lufa-lufa, um desassossego.

Eu, que fui Pai Natal durante vários anos, posso garantir-vos que, quando chega Dezembro, todos os Pais Natais andam de um lado para o outro com o coração nas mãos.

É a rena Rudolfo que se constipa a sério e ficamos aflitos para arranjar outra que vá puxar o trenó! É o patim do trenó que começa a mancar e já não nos lembramos onde é que pusemos o outro patim sobressalente. São as prendas que não chegam a tempo e lá temos nós que inventar outros presentes à pressa, e é por isso mesmo que, às vezes, um menino pede uma bicicleta e recebe umas pantufas, pede uma roupa de astronauta e recebe uns patins para andar no gelo ou, pior ainda, pede um carro de bombeiros e recebe uma boneca espanhola!

Os percalços são imensos. Mas o encanto de ver os meninos aos saltos de alegria quando abrem as suas prendas ultrapassa tudo!

Se calhar querem saber como é que eu me tornei Pai Natal… Eu conto."

É assim que começa esta história acabadinha de sair e que é meio verdadeira e meio inventada, como quase todas as histórias. E ainda bem que é assim porque todas as histórias, mesmo as mais fantásticas e mirabolantes, servem-nos sempre para compreendermos melhor a vida que vivemos e para a v ivermos com mais paz e alegria.

Quem quiser saber como é que eu me tornei Pai Natal e acabei por ter um grande problema devido aos sapatos, terá de ler a história até ao fim com a ajuda dos divertidos desenhos da Sandra Serra que muito ajudam a visualisar as várias trapalhadas que vivi enquanto fui Pai Natal.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

WISLAWA SZYMBORSKA



Wislawa Szymborska é uma poeta polaca, nascida em 1923 e Prémio Nobel em 1996.

Traduzir poesia é uma arte. Às vezes as traduções soam bem. Outras vezes nem por isso. A tradução, no sentido estrito da palavra, pode ser correcta em ambos os casos. Mas não basta ser correcta. É necessário encontrar na nova língua uma música que nos remeta para a música original e nos dê consolo e equilibrio na natureza da língua de chegada.

Descobrir poetas de línguas distantes é difícil e depende muito da qualidade das traduções.

A tradução deste livro de Elzibieta e Sérgio Neves parece-me magnífica. Já tinha lido outros poemas da autora em espanhol, francês e inglês. Este livro é precioso. Pela notáv el poesia e pela sua tradução.

FOTOGRAFIA DE 11 DE SETEMBRO

FOTOGRAFIA DE 11 DE SETEMBRO


Atiraram-se dos andares em chamas.
Um, dois, ainda alguns.
mais acima, mais abaixo.

A fotografia deteve-os na vida
e agora preserva-o
sobre a terra rumo à terra.

Cada um ainda na íntegra,
com rosto individual
e sangue bem guardado.

Ainda há tempo
para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.

Ainda estão ao alcance do ar,
no âmbito dos lugares
que acabaram de se abrir.

Só duas coisas posso por eles fazer:
descrever este voo
e não acrescentar a última frase.

Wislawa Szyborska

(“Instante”, ed. Relógio d’Água, tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio Neves)

domingo, 2 de novembro de 2008

QUALQUER COISA



Pintura de Rolando Sá Nogueira



QUALQUER COISA

(Sobre pinturas de Rolando Sá Noqueira)

Os pintores, caro amigo,
sabes como são?

Qualquer coisa lhes serve
de argumento ou de comboio
para partirem através de turbulências
ou banquetes coloridos.

Qualquer coisa os amotina:
um sussurro de água,
uma lâmina de vento,
um madeiro enegrecido que recorda
o teatro de uma vida ardendo.

Qualquer coisa violeta ou ambarina os leva
ao centro das cabeças descentradas.

Qualquer coisa cor de terra ou mel
os faz descarrilar.

Qualquer promessa de lua
os faz sair a voar ao fim da tarde:
um rasto antigo de números de music-hall,
um cão de olhos líquidos,
uma folha de amoreira,
uma música trepando
pela arquitectura dos ossos
à beira da eternidade.

Qualquer breve cornucópia lhes entorna
um pássaro improvável
na profundeza dos olhos
e deixa um barquinho a navegar
na perfeição dessas mãos
da criança de asas verdes
que os habita.

José Fanha

(do lirvo inédito "Marinheiro de outras luas)

sábado, 1 de novembro de 2008

“CHEGA-TE PARA LÁ, SEU PRETO!”



Este era o Rolando Sá Nogueira, o grande professor da minha vida.


“CHEGA-TE PARA LÁ, SEU PRETO!”

O Rolando é muito grande, ensina-me a fazer desenhos e conta-me montes de histórias com a sua voz redonda e forte.
Um dia contou-me que ia num eléctrico cheio de gente e alguém lhe disse: “Chega-te para lá, seu preto!”
Fiquei espantado. Olhei com muita atenção para ele. E era verdade. O Rolando era preto. Mas eu nunca tinha reparado nisso.
Fui para casa, com a minha caixinha de pensar em coisas toda ocupada a pensar como é que era possível eu nunca ter visto uma coisa tão importante...
Se calhar não era uma coisa assim tão importante, tão. Ou então o Rolando não era preto. Só ficou preto quando alguém lhe chamou preto.
Só sei que, no dia seguinte, ele esqueceu-se daquela história, eu esqueci-me que ele era preto e voltámos aos nossos desenhos.



José Fanha

("Diário Inventado de um menino já crescido", ed. Leya-Gailivro)