sexta-feira, 31 de agosto de 2012

SEM ALTERNATIVA AO MERCADO?


Nunca li Jonathan Coe mas tenho o seu último romance, "A vida privada de maxwell Sim", na pilha cada vez maior das urgências.

A leitura de um livro faz-se por vezes de muitas coisas, opiniões ouvidas, críticas de jornal, entrevistas do autor... Tudo isso junto nos encaminha para o livro e nos ilumina e completa a leitura.

No dia 25 passado, a "Actual" do Expresso trazia uma muito interessante entrevista com Jonathan Coe.

Falava-se da tradição do humor na literatura inglesa, da situação no mundo e na Europa, da vida que cerca e que faz com que um escritor seja aquilo que é e escreva aquilo que escreve.

Respigo uma resposta do autor britânico:

"Parte do problema da Inglaterra é que a margem de diferença entre os partidos é muito pequena. E, em termos económicos, são todos de direita, nenhum deles defende uma alternativa ao mercado."


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

CHEIRO A SOL



E mais um poema de Manoel de Barros. Ando com ele nos bolsos da memória. Há dias assim, em que a poesia não sai do ninho.




Retrato do artista quando coisa: borboletas
Já trocam as árvores por mim.
Insectos me desempenham.
Já posso amar as moscas como a mim mesmo.
Os silêncios me praticam.
De tarde um som de latas velhas se atraca
em meu olho.
Mas eu tenho predomínio por lírios.
Plantas desejam minha boca para crescer
por de cima.
Sou livre para o disfrute das aves.
Dou meiguice aos urubus.
Sapos desejam ser-me.
Quero cristianizar as águas.
Já enxergo o cheiro do sol.

Manoel de Barros


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O VERBO TEM QUE PEGAR DELÍRIO



MANOEL DE BARROS vai a caminho dos 96 anos. Grande é o poeta! E vivo! E continua a poetar altamente, creio eu.

Salvé Manoel! Viva a poesia!



No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer
nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio.

Manoel Lopes


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

AMOR SÓ AMOR


De vez em quando desço - ou subo - aos jornais. Tenho evitado frequentar a informação ou aquilo a que se chama informação em Portugal.

Tenho mais que fazer.

Há coisas muito mais importantes a tratar do que ficar a saber os dislates de quem manda no país, os cursos que não tiraram, as asneiras que dizem nos discursos, as aldrabices descaradas, os roubos, os dinheiros escondidos na Suiça ou noutros sítios com menos vacas, as conversas dos comentadores patarecos que falam em economês, o fim dos casamentos dos jogadores de futebol, as operações plásticas das vedetas de ocasião e mais e mais e mais.

Mas no meio dos jornais, lá nos cantinhos mais esconsos, vou encontrando gente que pensa, que também fala da vida real, de coisas importantes e não das outras tontices de comer e deitar fora.

Falo do António Guerreiro, da Alexandra Lucas Coelho, de Frei Bento Domingues, do Professor Daniel Sampaio, de Ana Cristina Leonardo e mais alguns.

Respigo do artigo de domingo 19/08/12 de Alexandra Lucas Coelho no suplemento do Público a história do cantor brasileiro Jards Macalé que, durante a próxima Copa do Mundo no Brasil, tem o plano de desdobrar uma bandeira gigante do Brasil em que em vez de "Ordem e Progresso" esteja escrito "Amor, Ordem e Progresso".

Aliás, macalé já encaminhou para o governo um pedido de alteração da bandeira.

"O primeiro passo será esse.", diz ele. "Depois de desaparecer a Ordem e o Progresso fica o Amor."

Há gente assim pelo mundo fora. Gente que faz das palavras coisa séria. Da arte um caminho. Do amor uma utopia possível.

domingo, 19 de agosto de 2012

A FÚRIA DA AVALIAÇÃO, OU, QUEM NOS AJUDA A PENSAR


Gosto muito de quem me ajuda a pensar. E não foram raras as vezes que António Guerreiro, com a sua coluna AOPÉDALETRA no jonal Expresso, me tem ajudado a pensar sobre diversos assuntos da minha vida ou da vida de todos nós.

Por isso estou-lhe muito grato.

Na semana passada o tema era a avaliação, tema que me provoca e sempre provocou imensa brotoeja.

Sempre achei, enquanto professor, que nada do que fazia podia caber em nenhuma grelha de avaliação. Sempre achei que quem vale a pena, seja professor ou outra coisa qualquer, é quem vive aquém, além de todas as grelhas, quem se porta mal e não se verga perante o sistema, quem se borrifa para os relatórios e ama, ama, ama aquilo que ensina e faz de todo esse amor uma imensa dádiva ao mundo.

E encontrei por aí este cartoon que retrata muito bem todo o processo da avaliação que o António Guerreiro tão bem aborda neste texto seu que reproduzo.


"Para os epistemólogos, a avaliação é um gesto metodológico sofisticado, que releva de uma ciência. Mas a avaliação como prática do aparelho — como aquela a que todos os trabalhadores e instituições estão hoje submetidos — é outra coisa: uma ideologia poderosa e um mecanismo puramente gestionário. Sirva de exemplo a avaliação que o Governo mandou fazer às Fundações, cuja supervisão todos reconhecem como necessária, para que não se tronem instituições especializadas em extorquir dinheiro. A Fundação da Universidade de Lisboa foi avaliada com 7,8 pontos (numa escala de 0 a 100), e até a Gulbenkian ficou a meio da escala. Os resultados — qualquer pessoa de bom senso estará de acordo — estão errados, porque errados estão certamente alguns critérios. Mas o erro maior está no cerne da ideologia da avaliação, que tudo reduz ao mensurável. Medindo, calculando, numerando e comparando, os avaliadores imaginam-se a fazer um trabalho científico. Tão científico que nenhuma décima escapa à medição apuradíssima.

Os avaliadores são uma seita e a sua mística é a ordem quantitativa pela qual tudo acede a um estado estatístico e entra num ranking. Mas como sabem que o seu trabalho não é interno a um saber, eles precisam que os avaliados (que, por sua vez, são os avaliadores dos outros) lhes outorguem legitimidade, que a creditação seja ao mesmo tempo coerciva e consentida. Esse consentimento tácito é obtido através da autoavaliação que os avaliados são convidados a fazer e que lembre o ritual da autocrítica que era imposto nos regimes comunistas. Pela autoavaliação, o sujeito avaliado confessa os seus pecados, incrimina-se a si próprio, denuncia as suas inclinações menos produtivas. Tudo isso para responder às eternas injunções da burocracia e também para assumir uma cumplicidade estratégica com os avaliadores em posição de mestres."

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 11.8.2012.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

BIBLIOTECA DE S. LÁZARO EM LISBOA



Há pequenos recantos mágicos em Lisboa. este é um deles. A sala de literatura para a infância na Biblioteca de S. Lázaro em Lisboa, perto do Hospital de S. José.


Aqui estão as publicações infanto-juvenis desde 1900 . Ou melhor, aqui está guardada uma parte da infância de cada um de nós, Biblioteca das Raparigas, Condor ilustrado, Mandrakes, adaptações dos clássicos portugueses por Adolfo Simões Muller, a colecção Marabu e muito , muito mais.

É um espaço de paz e maravilha e posso mostrá-lo aqui a quem não o conhece através dos fotos do meu amigo Carlos Reis. bem haja.


E esta escada traz-me logo à boca aquele poema do David Mourão-Ferreira, "É uma escada em caracol..." que o Camané canta tão bem.

sábado, 11 de agosto de 2012

GANHEI UM POETA


Nunca ganhei a lotaria, o euromilhões, o totobola, nem sequer uma simples rifa de verbena. Mas poetas, já ganhei bastantes.

Desta vez foi o prémio Nobel Tomas Transtromer que me chegou graças ao excelente e continuado trabalho da editora Relógio d'Água e à tradução que me soa muito bem de Alexandre Pastor.

É uma alegria muito grande quando descubro a obra de um poeta que não conhecia e que me leva a novos patamares da relação com a palavra e as suas fantásticas viagens.

As línguas, a falta de imprensa, a insistência na divulgação do Mac Donald cultural, deixam-nos sozinhos da grande poesia, da grande música do mundo, de muito do melhor que alguns irmãos nossos fazem lá nesses seus cantinhos tão fora das grandes auto-estradas culturais

As línguas serão sempre uma ponte e uma barreira. Leio bem em francês e em espanhol. Dá para navegar no italiano. Entendo-me com o inglês corrente mas muito mal com o inglês literário. Gosto das edições bilingues para ler com um olho em cada língua.

Um dia vou aprender inglês a sério para ler no original Shakespeare, Walt Whitman, Ted Hghes, Walace Stevens, Alen Guinsberg, etc, etc.

Também gostava de aprender alemão. E russo, vá lá... Mas há tanto poeta que adoro nas traduções e que escrevem em línguas que nunca aprenderei.

O grego Yanis Ritsos, o russo Tarkoski, pai do realizador de cinema, o checo Vladimir Holan , o indiano Rabindranaz Tagore, o Tonino Guerra que escrevia em romagnolo...

Mas às vezes ganhamos um poeta graças ao Nobel ou a outra circunstância qualquer, como já me tinha acontecido em relação à extraordinária poeta polaca Szymborska.

Devo aos editores estas pequenas vitória e muito, como já disse, à relógio d'Água que é um oásis em Portugal.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O FUTURO QUE HOUVE E O QUE DEIXOU DE EXISTIR


Cresci a acreditar que era preciso andar para a frente. Amanhã ia ser sempre melhor. Trazíamos utopias no bolso. Ideias que falavam de mudança, de amor, de fraternidade, de solidariedade.

Chorei na passagem de ano de 67 para 68 a ouvir os Beatles a cantarem em directo na RTP (a partir da BBC) "All you need is love".

O amor valia muito nesse tempo. O amor que fazia com que cada pequeno gesto ganhasse força e sentido e caminhasse em direcção à maravilha.

O mercado, a bolsa de valores, o crédito bancário eram coisas velhas, sem alegria por dentro, fora de tudo o que fosse humanidade, amizade, futuro.

E nós estávamos carregados de futuro.

Eu cá talvez ainda esteja. Com esta idade não creio que tenha cura.

Mas assisti ao assassinato de vários sonhos. O da democracia chilena estrangulada pelos homens de Pinochet foi dos mais trágicos.

Luís Sepúlveda fala-nos desse crime. O futuro estrangulado de forma brutal.

Mas há muitas for mas de estrangular o futuro. Estamos a viver há alguns anos uma forma "suave" de matar os sonhos de futuro. As estratégias serão diferentes. Mas os mandantes são sempre os mesmos.

É por isso que os poetas, absolutamente zangados mas irresponsavelmente utópicos, só podem escrever que amanhã tem de ser melhor.



"E TUDO O QUE ESTAVA GRÁVIDO DE FUTURO FICOU, DE REPENTE, ENVENENADO DE PASSADO"

Luís Sepúlveda, “A sombra do que fomos”



segunda-feira, 6 de agosto de 2012

NUNO TEOTÓNIO PEREIRA


Tem 90 anos. Está cego. Estava cego de uma das vistas. Acordou há dias e percebeu que a outra vista apresentava sinais perturbadores. Tomou os transportes públicos para ir ao atelier conforme fazia todos os dias. Foi despedir-se de Lisboa. Ao jantar tinha cegado da segunda vista.

Esta história é contada pelo Público na edição de domingo 29.07.12, junto com uma biografia e uma entrevista. Todas de leitura obrigatória.

Nuno Teotónio Pereira é um dos arquitectos míticos para a minha geração, junto com Nuno Portas, Manuel Tainha e outros que não se preocupavam em fazer bolos de noiva pós-modernos para "enfeitar" a cidade e os bolsos dos empreendedores sem respeito pelos espaços colectivos.

Traduziu para português a "Carta de Atenas", bíblia dos arquitectos que procuravam nos anos 50 e 60 responder às necessidades sociais da cidade e da sua arquitectura.

Propunha uma arquitectura que permitisse uma vivência limpa, decente e comunitária.

Foi fundador do MRAR, Movimento para a renovação da arte religiosa. Nesse caminho é emblemática a igreja da Rua Camilo Castelo Branco em Lisboa (projecto conjunto com Nuno Portas, Vasco Lobo, Vitor Figueiredo, P.Vieira de Almeida).

O edifício que projectou para a R. Brancaamp, em Lisboa, conhecido pelo "Franjinhas", provocou uma tremenda discussão pública. mas isso era num tempo em que os animais falavam e apesar da censura e de tudo o mais, a coisa pública, a polis, era discutida na praça pública.

Nuno Teotónio Pereira foi um dos mais destacados membros dos "católicos progressistas", grupo que se levantou contra o Estado Novo, denunciando os crimes da Guerra Colonial, as condições dos presos políticos, os abusos da polícia política.

Integrando a vigília da Capela do Rato na passagem do ano de 72 para 73, contra a guerra e o regime vigente, foi preso e só libertado a 26 de Abril de 74.

Do Nuno Teotónio Pereira, amigo muito querido de quem fui companheiro em várias lutas posso dizer, não receando cair no lugar comum, que tendo perdido a vista continua aos 90 anos a ver muito mais do que muito boa gente este país.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

SIMPLIFICAR OU NÃO SIMPLIFICAR, EIS A QUESTÃO

Repete-se há muito uma discussão em torno da literatura para a infância e juventude sobre o que se deve dar a ler.

Os dois grandes polos da discussão são os que defendem que:

- é necessário simplificar o vocabulário dos livros para jovens já que, lendo coisas simples, se habituam a gostar de ler e poderão depois passar a ler coisas mais elaboradas;

- a simplificação é filha do facilitismo e da estrita intenção comercial já que, quem se habitua a gostar da simplificação dificilmente entenderá aquilo que a leitura lhe pode dar de grande riqueza no olhar para dentro de si e dos outros.

E temos aqui uma achega do meu querido amigo Mário de Carvalho que é das pessoas que melhor escreve em Portugal, das que melhor usa esse instrumento fantástico que é a língua portuguesa.



"SE UM ESCRITOR SE LIMITASSE AO VOCABULÁRIO BÁSICO SERIA COMO UM MÚSICO QUE SÓ USASSE AS SETE NOTAS OU UM PINTOR QUE SÓ RECORRESSE ÁS CORES PRIMÁRIAS."


Mário de Carvalho, “JL”, 21.04.2010