sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

UBU



Tenho muita saudade desta peça, o primeiro texto original que resultou da colaboração com o João Lourenço e a Vera San Payo Lemos e que pegava na famosa figura do Rei Ubu de Alfred Jarry para o trazer para uma charge no Portugal de então.

Divertimo-nos muito durante o trabalho de escrita. No entanto, nesse ano de 84 a crise era muito dura e os teatros estavam vazios. Muitos dias havia menos espectadores na plateia do Teatro Aberto do que actores no palco.

Algumas críticas nos jornais, que sempre senti demasiado injustas, desancaram o espectáculo e especialmente os autores. Alguns anos mais tarde o "UBU" teria sido um êxito retumbante. Há textos assim. Surgem fora de tempo.

Nunca me esquecerei dos momentos em que Ubu (Mário Viegas) chamava o Capitão (Miguel Guilherme) e lhe dava uma dentada no nariz que era feito de cone de bolacha.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A BOA PESSOA DE SETZUAN



E mais outra peça do Brecht. Foi a primeira vez que tive de adaptar as letras das canções respeitando a estrutura musical e a métrica prévias, neste caso das canções originais de Paul Dassau.

Três deuses descem à Terra que consideram estar completamente corrompida. Tão corrompida que mais vale ser destruída. No entanto, os deuses estão dispostos a não a destruir se conseguirem encontrar uma pessoa boa. Basta uma. E a única boa pessoa que encontram é uma miserável prostituta.

Este é um texto que sempre apreciei especialmente e que fala da dificuldade de se ser bom numa sociedade podre e viciada.

Até aqui, nada de especial. A siociedade trata-nos mal, explora-nos, violenta-nos.
Que espaço nos resta para a bondade ou a amabilidadce?

Brecht é no entanto mais complexo do que às vezes o querem fazer crer e, também, um pouco mais romântico do que o que parece porque, simultaneamente, nos mostra a impossibilidade que as boas pessoas boas e amáveis têm de deixar de o ser.

Um belo texto para tempos de crise e podridão...

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

OIÇAM COMO EU RESPIRO



Outra peça em que trabalhei com o João Lourenço e a Vera San Payo Lemos e logo a seguir ao "BAAL" . Um texto forte, um espectáculo forte, um dos grandes trabalhos da Irene Cruz

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

BAAL



Esta era a capa do programa do "BAAL" de Bertolt Brecht levado à cena no Teatro da Trindade em 1980.

Tradução: Vera San Payo Lemos

Versão: José Fanha e João Lourenço

Cenários e figurinos: João Vieira

Música: Pedro Osório

Execução musical ao vivo: Carlos Bica, Manuel Fatela, Manuel Martins, Mário Laginha e Tomás Pimentel

Encenação de João Lourenço.

Actores (etre muitos outros: Mário Viegas, João Perry, Irene Cruz

sábado, 24 de janeiro de 2009

QUANDO O TELEFONE TOCOU



(Foto 1998)


A minha participação no concurso da RTP "A VISITA DA CORNÉLIA" em 1977 e o sucesso desmedido que o concurso conheceu tiveram as mais inesperadas consequências na minha vida daí para a frente e até hoje, já lá vão quase 32 anos.

Uma dessas consequências, e certamente uma das mais importantes, foi a da colaboração com o João Lourenço e a Vera San Payo Lemos em cerca de sete peças de teatro, 1 ópera e dois musicais.

Tudo começou quando nos inícios de 1979 o telefone tocou. Era o joão Lourenço. Não o conhecia pessoalmente mas já o tinha visto vérias vezes como actor e tinha assistido a encenações suas.

O João disse-me de forma rápida e sem rodeios que me tinha visto na "Cornélia", que tinha gostado muito do que eu lá fizera e que tinha ficado com receio que a fama me tornasse numa personagem de revista cor-de-rosa e me levasse a fazer disparates e parvoíces. Entretanto passara-se um ano e não me tinha visto fazer disparates nem parvoíces e, por isso, gostava que eu trabalhasse com ele.

A nossa primeira colaboração foi na peça de Bertolt Brecht "BAAL". trata-se de um texto espantoso que levou quase 1 ano a retrabalhar para português. Para mim, foi uma escola fantástica no que diz respeito á carpintaria do texto teatral.

Foi, acima de tudo, o início de uma longa história de colaboração, de cumplicidade e, acima de tudo, de imensa amizade que me une fortemente a estes dois queridíssimos e talentosíssimos amigos que merecem ser lembrados e relembrados pelo extraordinário trabalho que têm feito no Teatro Aberto desde 1982.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

TU E EU




Voltando ao TU E EU aqui fica a capa do programa na encenação de 1985 levada à cena no velho Teatro Aberto, do outro lado da Praça de Espanha deixando um espaço agora transformado em parque de estacionamento.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O ANO DO SARGENT PEPPERS



Por volta de 1983/84 eu era professor de História de Arte (e outras minudências, Geometrias Descritivas e coisas assim) na Escola Secundária de Loures, hoje Escola Secundária José Afonso.

Tive então a melhor turma, o melhor conjunto de alunos de toda a minha vida. E, por razões quase mágicas e difíceis de explicar, criou-se entre nós uma relação única de partilha de paixões, curiosidades e saberes. A História de Arte tinha extravasado e ouvíamos música, íamos ao teatro, dizíamos poesia.

Certo dia, o tema da aula era a Pop Art (Andy Wharol, Roy Lichenstein, etc). Preparei toda a aula a partir da concepção plástica e de algumas das letras das canções desse fabuloso album dos Beatles que é "Sargent Peppers Lonely Heart's Club Band".

Mas nesse dia, por mais paixão que eu pusesse no tema, o ambiente era conzento. Aquela turma excepcional parecia uma daquelas turmas meio adormecidas para quem as palavras do professor são um incómodo zumbido de fundo.

Eu sentia-me incomodado. Tentei puxar o brilho à prelecção. Sublinhei várias vezes a importância da passagem dos discos como recolhas de canções ao álbum concebido como uma peça inteira dividida em canções.

Falei das casacas dos Beatles, das fotografias de inúmeras personagens que aparecem na capa do "Sargent Peppers", Einstein, Cassius Clay, Edgar Alan Poe, Marylin e outros que perdem a espessura da sua história pessoal para se tornarem em meras personagens Pop. E mais etc, e o "Sargent peppers", e etc e o "Sargent Peppers".

O resultado foi nenhum. A turma continuava apática e eu cada vez mais inquieto e a pensar que nesse dia, por qualquer razão que não entendia a minha aula tinha sido um fracxasso e eu não tinha conseguido agarrar os alunos.

Quase à hora de tocar, um dos alunos, com um ar profundamente enfastiado, perguntou-me: "Ó stôr... O que é isso do "Sargent Peppers?"

Eu ia caindo da tripeça abaixo. Tudo o que eu dissera advinha e relacionava-se com aquele disco que eu pensava ser obviamente conhecido de todos. A verdade é que o "Sargent Peppers" era uma referência fundamental para mim. Mas não para eles que andavam por outras músicas uma vez que tinham nascido já depois do ano do "Sargent Peppers"!!!

E é destes pequenos tropeços que nascem as grandes incomunicabilidades...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

TU E EU



Acaba de subir à cena no Teatro Aberto à Praça de Espanha este texto delicioso de Friedrich Karl Waechter, encenado pela minha querida amiga Sofia Portugal.

O texto foi traduzido pela Vera San Payo Lemos e adaptado por ela, pelo João Lourenço e por mim já lá vão 24 anos.

Nessa altura a encenação era do João Lourenço e os actores eram o João Perry e o Miguel Guilherme.

Nesta quarta-feira não cheguei a tempo de ver a estreia. Mas no final os aplausos eram unânimes.

O texto é, repito, uma delícia. Um texto que mergulha nos medos e angústias da infância para nos trazer à luz do sol e nos fazer acreditar que a vida, apesar de tudo, é uma coisa boa de viver.

Vale muito a pena ir ver. E é daqueles espectáculos para todas as idades, dos 10 aos 100 anos.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

OS CEGOS DE MADRID



(Júlio Pomar, "Cegos de Madrid", 1959)


OS CEGOS DE MADRID

Choro pelo destino
daqueles que nasceram
sem destino:
os cegos de Madrid.

Choro pelos que arrastam
uivos negros
entre as sombras do passado
de Madrid.
Pelos que dormem encostados
aos portais metálicos do ódio.
Pelos que vivem lambendo
a sinfónica memória da mutilação.

Choro pelos cegos de Madrid
com a cor exacta da cegueira
pendurada no pescoço por um fio.

Choro em Madrid
pela saga esquelética dos gritos
na húmida tortura
da grande escuridão.

Choro lágrimas escuras.
Catadupas de lágrimas
daquela castelhana escuridade
que pingava das lâmpadas
na noite dos comboios da meseta.

Era um tempo de horários peganhentos.
De bolor azedo.
Era o terrível tempo
das asas anavalhadas
nos ombros das crianças.
O trágico tempo
dos olhos arrancados
às óbitas das virgens.
O arrastado tempo
dos trajes bordados a lágrimas
a pus e sangue coalhado.
O miserável tempo
das vísceras boiando
em caixas de rímel e pó-de-arroz.

Era o tempo dos cegos.

O tempo das lágrimas dos cegos.

O tempo dos cegos de Madrid.

José Fanha (do livro inédito "Marinheiro de outras luas")

domingo, 18 de janeiro de 2009

ARY DOS SANTOS - FAZ HOJE 25 ANOS



Faz hoje 25 ano que o Zé Carlos nos deixou. Ele era assim:


JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS (1937 - 1984)




SONETO PRESENTE

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.

sábado, 17 de janeiro de 2009

ARY 25 ANOS



O Ary da ternura.


JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS (1937 - 1984)




AUTO-RETRATO

Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ARY 25 ANOS




Faz no domingo 25 anos que ele se deixou adormecer. As suas palavras perduram. Sobretudo as das canções e as de combate.

É preciso recordar também as outras facetas do Ary. Aqui, o provocador.


JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS (1937-1984)



PAVANA PARA UMA BURGUESIA DEFUNTA


A cabeça de vaca de minha tia mais velha
repousa em guerra lenta no cemitério maior.
Rói-lhe o bicho das contas a fímbria da orelha.
Rói-lhe o rato da raiva as narinas sem cor.

Repousa em paz Raposa que na toca
fareja a galinhola e o fricassé.
Já não mija mas cheira
já não vive mas ousa
ser a santa que foi ser o estrume que é.

A cabeça de vaca de minha tia refoga
nas lágrimas burguesas da família enlatada
cozinha-lhe a memória um viúvo de toga
descasca-lhe a cebola uma filha frustada.

A cabeça de vaca de minha tia meneia
o sim-sim o não-não dos outros semivivos
na família a razão de se morrer a meias
é a exaltação dos suspiros cativos.

Se não fosse o desgosto se não fosse a gordura
o retrato na sala o buraco no ventre
se não fosse de força tinha feito a escritura
nem sequer houve tempo para o oiro dos dentes.

Minha tia mastiga minha tia castiga
na saleta do inferno as almas dos criados:
- não me limpaste o pó a campa tem urtigas
atrasaste o jantar dos condenados.

A cabeça de vaca de minha tia sem nome
coze no fogo brando do que é passar à história.
Dissolve-se na boca resolve-se na fome
do senhor que a devora em sua santa glória.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

PROMESSAS




Depois dos livros que li, os que quero ler, as promessas urgentes de leitura que já estão na pilha mais urgente das urgências.



Em lígua portuesa:

"O RETÁBULO DE GENEBRA", SÉRGIO LUÍS DE CARVALHO

"MYRA", MARIA VELHO DA COSTA

"O SAL DA TERRA", MIGUEL REAL

"CONTOS", HÉLIA CORREIA

"JERUSALÉM", GONÇALO M. TAVARES

"O CEMITÉRIO DE PIANOS", JOSÉ LUÍS PEIXOTO

"DOM CASMURRO" E "MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS", MACHADO DE ASSIS

Revisitar o RAUL BRANDÃO e o CARLOS DE OLIVEIRA



Estrangeiros:

"O SONHO REALIZADO", JUAN CARLOS ONETTI

"A PASSO DE CARANGUEJO", GUNTER GRASS

"LE CAFÉ DE LA JEUNESSE PERDUE", PATRICK MODIANO

"O HOMEM SEM QUALIDADES", ROBERT MUSIL

"AS VOZES DO PÁRAMO", JAUME CABRÉ

"O ASSASSINO SEM ROSTO" HENNING MANKELL

Contos:

ALICE MUNRO, KATHERINE MANSFIELD, DAPHNE DU MAURIER, VLADIMIR NABOKOV

Poesia:

"O POUCO É PARA ONTEM", JOAQUIM PESSOA

"A LUZ DA MADRUGADA", FERNANDO PINTO DO AMARAL

"O LIVRO DOS SALMOS", MÁRIO CASTRIM

"VISTA CANSADA", LUÍS GARCÍA MONTERO (Espanha)

"Picar" alguns poetas como Mário Benedetti (Uruguai), Olivério Girondo (Argentina), Piedad Bonett (Colombia.

Pocurar mais traduções em línguas acessíveis da polaca Szymborska

E etc, incluindo várias das sugestões de leitura que a Rita Carrapato aqui deixou há dias e que me fizeram ficar muito guloso.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

MAIS POESIA



"O AMANTE JAPONÊS", ARMANDO SILVA CARVALHO

Poeta excepcional com uma poesia forte, por vezes rude mas complexa.

Há pouco menos de anos que tenho como imprescíndivel.




"O PROBLEMA DE SER NORTE", FILIPA LEAL

Uma das vozes jovens da poesia portuguesa que me fez parar e pensar: aqui há gente!

Muito bom o sentido de humor e a bela construção do verso a revelar uma cuidada oficina da escrita que está ausente em muita da poesia jovem.

Tenho curiosidade em ler mais. Porque isto das artes é como correr a maratona. É preciso ver quem é que chega ao fium dos 42 kilómetros. Assim a Filipa Leal continue.



"QUARTETO PARA AS PRÓXIMAS CHUVAS", JOÃO RUI DE SOUSA

Grande senhor da nossa poesia. Vem da resistência. Nunca se pôs em bicos de pés e é um grande oficial da arte da escrita. Um prazer lê-lo e relê-lo porque é daqueles casos em que a musicalidade do verso não resulta de facilidades. Uma prova de que é possível a rima a par com a complexidade.



"O ESPÍRITO DO LUGAR", ORFEU B.

Cientista e professor universitário no IST de Lisboa.

Livro muito intenso, inspirador, invulgar na sua concepção onde se misturam poesia e prosa para circular em torno da análise do horror e da barbárie que se concretizaram no holocausto.

Merece ser lido em voz alta como se de uma partitura musical se tratasse. Um caminho invulgar e de grande qualidade entre a poesia que se publica em língua portuguesa.

sábado, 10 de janeiro de 2009

QUERIDAS LEITURAS 3

Mais algumas leituras de 2008. Agora a poesia.

A poesia portuguesa não anda de vento em poupa. São muito poucos os novos poetas com alguma qualidade.

Se é impressionante o número de grandes poetas e grandes obras na poesia portuguesa de poetas nascidos entre a mnetade do do séc. XIX e os anos 60 do séc. XX.

Com raras excepções, na poesia dos poetas mais jovens que começam a publicar a partir do final dos anos 80, início dos 90 (do séc. XX) parece instalar-se uma crise de espessura poética e da própria qualidade da escrita em simultâneo com a ausência de projectos de ruptura estética ou geracional.





"A FACA NÃO CORTA O FOGO", HERBERTO HELDER

Cada novo poema de Herberto é uma revelação, um choque, um mergulho, uma aventura única no universo da grande poesia, essa "liberdade livre" de que falava António Ramos Rosa. 70 novos poemas de Herberto são um luxo que dá para ficar no nosso peito durante muito tempo.


“NÃO HÁ POETAS FELIZES”, JOSÉ JORGE LETRIA

A poesia do meu amigo Zé Jorge tem sido irregular e, por vezes, prejudicada pela sua imensa facilidade de escrita.

No entanto, a partir de “O livro branco da Melancolia”, a espessura emocional e poética mostra-nos que ele começou a construir uma obra dentro da obra. Uma obra de sofrimento, de balanço melancólico das memórias de infância, dos percursos de vida, do amor ou da sua ausência, da relação obsessiva com os filhos, por um lado, e por outro com a figura do pai há muito desaparecido.

Os últimos livros do Zé Jorge Letria estão seguramente entre a melhor poesia deste início de século.



"A MATÉRIA DO POEMA“, NUNO JÚDICE

O lirismo discreto e elegante do Nuno Júdice tem acompanhado a minha vida. O Nuno faz parte dos poetas de que não prescindo.

Este é talvez o livro dele que mais me entusiasmou. Talvez pelo alargar da matéria do poema á respiração do mundo. É possível que o andar ao lado de Manuel Alegre o tenha predisposto a aproximar-se mais das praças da canção.e ainda bem que assim é.




"SONETOS ERÓTICOS & IRÓNICOS & SARCÁSTICOS & SATÍRICOS
& DE AMOR & DESAMOR & DE BEM & DE MAL DIZER DO POETA JOAQUIM PESSOA"

O Joaquim é dos artífices mais eficazes da poesia portuguesa. A música vem-lhe no verso como uma segunda respiração.

Estes sonetos são muito divertidos e uma prova da sua qualidade e artesania.

Há muito tempo por certo que não se publicava um livro de poesia erótica. Vale a pena lê-los para nós. lê-los aos amigos e, sobretudo, às amigas, ou vice-versa, porque o livro não desmerece nem nos versos nem nas ilustrações.

Grande malha, Quim!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

OLHÓ CUTILEIRO!



(Júlio Pomar)

Andava eu na volta das livrarias e estava, a dado momento, a ver a montra da renovada Livraria Sá da Costa no Chiado em Lisboa, ao lado da pastelaria Bénard.

Sou normalmente um alvo fácil para os muitos pedintes, com diversas características e peculiaridades, que abundam por aquela zona e que, ao reconhecer-me da televisão ou doutro sítio qualquer, se agarram a mim como sanguessugas à cata da chorada moeda.

Estou habituado a este ataque como a uma fatalidade a que não consigo escapar. Não tenho princípios inabaláveis quanto á questão dos pedintes. Dou a moeda quando dou e não me sinto obrigado a explicar nem a mim próprio porque é que o faço ou não faço.

No Chiado os pedintes são muitos. E se me demoro por ali um par de horas já sei que os ataques se sucedem quase ininterruptamente.

As moedas não chegam para todos. Escolho sempre dois ou três, os que tenham alguma originalidade, alguma delicadeza, alguma efectiva mazela mais grave.

Desta vez, à porta da Sá da Costa fui atacado sorridentemente por um jovem que me dizia e repetia:

“Ah! Ganda Zé Fanha, dá aí uma moedinha, um euro, vá lá, Zé Fanha, ganda músico, uma moedinha, só um euro, Zé Fanha, só um euro!”

Já estou habituado a ser tomado por músico, cantor e muitas outras coisas mais. Não me ofendo. Mas era para aí o sétimo a pedir-me uma moedinha naquele dia. Já vinha no fim da fila. Levou um sorriso e um rotundo “Hoje não há mais moedas!”

Tentou mais uma ou duas vezes mas acabou por desistir. Largou-me e, logo de seguida, ouvi nas minhas costas:

“Ah! Ganda Cutileiro, dá aí uma moedinha, um euro, vá lá, Ó Cutileiro, ganda escultor, uma moedinha, só um euro, Cutileiro, só um euro!”

Sorri todo satisfeito. Ia dar um valente abraço ao meu amigo João Cutileiro. Voltei-me para trás e dei, não com o João Cutileiro, mas com o Júlio Pomar que acabava de se livrar do pedinte com um largo sorriso de bonomia.

Eu não conhecia pessoalmente o Júlio Pomar mas tenho uma imensa admiração por ele e pela sua obra. Começámos a conversar.

O Júlio Pomar acabou por me dizer: "Vamos mas é tomar um café e conversar um bocado!”

Descobrimos amigos comuns. Falámos de pintura, de poesia e da Escola de Belas Artes, ali a dois pés, onde ambos estudámos com alguns anitos de diferença. Foi dos melhores bocados de conversa que tive nos últimos tempos.

E tudo graças a um pedinte que precisa de actualizar as suas referências culturais…

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

LEITURA COM TODOS



Ler implica um conjunto de rituais, de objectos auxiliares e de escolha de espaços.

Há quem leia na cama, na cozinha, na sala, no chão, no velho cadeirão já feito ao corpo, na paragem do autocarro, no banco do Metro, no jardim, na sala de espera do dentista, na fila para o balcão dos CTT...

O corpo também lê. Ou melhor, o corpo também se predispõe ao acto de degustar a leitura, embora haja quem leia de qualquer maneira e em qualquer altura porque a urgência é muita.

Tudo depende também do autor, do assunto, da forma como se "mastiga" cada texto.

Não se lê da mesma maneira um livro de poesia, um romance policial, um ensaio ou um grande romance. A nossa atitude, a nossa relação com o livro, a forma como namoramos o livro é diferente.



Seja como for, ler é sempre um acto mágico que nos abre portas para nós próprios e para o mundo.

Eu sou quem sou com tudo o que li, o que escrevi, o que pensei. E com os amores em que ardi e os filhos que amo. Com os livros que desejei, sonhei ler, os que abandonei a meio, os que reli uma e outra e outra vez.

Vai ficar mais pequenino, com certeza, quem não for capaz de se abandonar á leitura de um romance de Simenon, de García Marquez, Steinbeck, Dickens, aos contos de Giovanni Papini ou de Flannery O'Connors, á prosa única de Eça ou de Cardoso Pires, aos poemas de Rilke, Pessoa, O'Neill, Ruy Belo, Prévert, Walt Whitman ou Lorca (e tantos, tantos mais).

Quem não se perder nestes encantos vai morrer sem percorrer alguns dos mais fantásticos caminhos do Homem.

sábado, 3 de janeiro de 2009

LIVRARIA LELLO



Há toda uma série de objectos, espaços, hábitos, que caracterizam uma relação específica com o acto de ler de uma pessoa ou de uma época.

Há espaços que ficarão para sempre ligados no imaginário de muitos leitores ao supremo luxo da leitura.



Aqui ficam algumas fotografias da maravilhosa Livraria Lello do Porto. Passar lá uma tarde devia ser remédio receitado por qualquer terapeuta para a obtenção de tranquildade e capacidade de voar.



Há espaços destes por cujo futuro tememos. Todos conhecemos os efeitos da vandalização pós-saloia e neo-liberal. Esperemos que eles andem distraídos a afundar bancos e a dar cabo da nossa vida mas, pelo menos, poupem espaços mágicos como este.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

QUERIDAS LEITURAS

Leio tanto quanto posso.Faço da leitura uma relação imprescindível com o mundo, com os outros, comigo próprio.

Não tenho nenhum programa de leitura. Sou um nómada dos livros. Vou ao sabor de opiniões ou desopiniões de amigos, da corrida aos autores que me acostumei a amar, ou a outros pelos quais me nasceu alguma forma de curiosidade. Às vezes sigo pelo wncanto das capas, pelo resumo da badana, sei lá que mais.

As minhas leituras não são exemplo para nada nem para ninguém. Mas gosto de partilhar paixões e, entre essas, as que nasceram por alguns dos livros que li.

Fim do ano é altura de balanços. Porque não fazer o meu balanço de leituras?

Li o que li. Gostei do que gostei. Para que conste fica aqui. Mas que ninguém pense que pretendo fazer desse balanço qualquer exercício de autoridade policial.



“FIRMIN”, SAM SAVAGE

Logo no início do ano li uma referência na "Babélia" do "El País" que me deixou de água na boca. Fui ler em espanhol (ainda não existe edição portuguesa. É o primeiro romance do autor, professor de filosofia numa universidade americana. Uma delícia rara. A história de Firmin, um rato que nasce no sótão de um alfarrabista. É o 13º filho de uma ratazana alcoólica que só tem 12 tetas. Firmin fica sempre de fora do materno leite e resolve a fome comendo livros. Daí, ficar um rato culto. E isto é só princípio. O romance é uma divertida e amarga reflexão sobre a nossa condição e a nossa identidade através deste rato maravilhoso.



“O DIABO E OUTROS CONTOS”, LEV TOLSTOI

Este ano passou muito para mim sob o signo de Tolstoi. Ando fascinado com a sua arte notável e a forma como expõe o mais secreto da natureza humana. São excelentes as traduções que o casal Nina e Filipe Guerra têm feito para português.

Tremi com "A morte de Ivan Ilitch" e "A valsa de Kreutz". As personagens de Tolstoi somos nós, cada um de nós, no mais fundo e scondido dos nossos corações.

Os contos de "O Diabo" são de várias épocas da sua vida. Têm diferentes respirações mas são todos eles, pequenas obras primas que nos levam a pensar que a arte da escrita é provavelmente a suprema entre todas as artes.



“O ÚLTIMO LEITOR”, DAVID TOSCANA

É espantosa a quantidade de belíssimos escritores latino-americanos que surgem a cada dia que passa.

este conta-nos a história de um homem que aceita ser bibliotecário numa aldeia do deserto e que censura os livros que acha mal escritos. E é também a história de um crime e de como o bibliotecário o tenta descobrir e encobrir a partir dos romances que leu.

É finalmente a história de um amor improvável e impossível em torno do amor aos livros e às histórias que eles contam. O amor por uma mulher a quem mataram a filha e a quem o bibliotecário vai dando pistas verdadeiras e falsas a partir da paixão comum pela leitura e pelos livros.

"O último Leitor" é um pouco nós que, através das leituras, andamos à procura de um fio para nos entendermos connosco próprios e com o mundo.



“UM BOM HOMEM É DIFÍCIL DE ENCONTRAR”, FLANNERY O’CONNOR

Andei com o livro debaixo de olho muitos meses. Finalmente peguei nele e foi como se um terramoto me tivesse apanhado.

A autora fala-nos de uma América rural, sulista, racista, mesquinha, obscura. E em cima desse cenário faz-nos mergulhar na cabeça de pessoas obsessivas, desconfiadas, medrosas, limitadas. Gente terrível, gente carregada daquilo de que se faz a humanidade em todas as suas vertentes. Gente sem horizontes. Encerrada numa imensa paisagem, num imenso país que parece uma grande colmeia com muitos pequenos favos completamente isolados entre si.

A narração faz-nos mergulhar num estado de espanto, por vezes com alguma ternura, muita melancolia, e momentos de pura surpresa e pavor.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

40 ANOS

Não gosto de comemorações oficiais. Nem de medalhas. Nem de efemérides. Todos os dias da minha vida pensei que amanhã é que ia ser o melhor dia de todos. E continuo a pensar o mesmo. Amanhã é que vai ser!

No entanto... Os anos passam. E as memórias são aquilo que o mar da vida nos deixa aos pés e nos dá consistência aos dias que estão para vir.

Há 40 anos, 1969, eu e o José Jorge Letria tínhamos acabado de nos conhecer. 18 anos. A mesma idade e apenas 3 meses de diferença. Eu andava em Belas Artes e ele em Letras, creio eu.

Não gostávamos do país onde vivíamos. Ou melhor... Não gostávamos de quem mandava neste país policiado e que nos obrigava a uma guerra injusta e sem solução. Por isso, andávamos numa roda viva. Ele com as canções. Eu com a poesia e a declamação. Cruzávamo-nos com frequência nos convívios das Faculdades de Lisboa. Medicina, Técnico, Ciências, Económicas.

1969 foi o ano em que começámos o nosso percurso de escritores e artistas. faz agora 40 anos de vida, de palco, de livros, de filhos, de paixões, de poesia.

Cruzámo-nos muitas vezes. Pisámos os mesmos palcos. de poesia às costas atravessámos o país de Norte a Sul. Andámos pelo estrangeiro. Vimos crescer e ensombrecer muitas esperanças.

Para além de tudo o mais, temos em comum grandes amigos, companheiros de sonhos e utopias que estarão sempre onde nós estivermos. Os que estão, embora não estejam, como o Zeca Afonso. Os que estão e continuam inquietos como nós, o Manuel Freire, o Xico Fanhais, o Samuel, a Hélia Correia, o Joaquim Pessoa... E mais e mais... E nem dez blogs iriam chegar para os recordar a todos.

40 anos de voltas e viravoltas.

Um abraço para o Zé Jorge. Um abraço para todos, todos, todos aqueles com que nos cruzámos e que fizeram com que estes 40 anos fossem tão importamntes para nós.



A capa de um disco do Zé Jorge de 1972.



Eu próprio numa pose muito neo-dadáista- Beaux Arts-etc-e-tal-e-coisa por volta do mesmo ano.