Seu pai terá sido maçon e deu inclusivamente terrenos seus para a construção do Lar dos Inválidos do Comércio.
José Gomes Ferreira, nascido em 1900, poeta grande, terá seguido o pai como maçon nos tempos da República. ´
Na sua poesia, a militância alia-se a um gosto poético com raízes de mistério, tingido por influências do surrealismo.
JOSÉ GOMES FERREIRA (1900-1985)
PANFLETO CONTRA A PAISAGEM
(Futuro: este poema foi cortado pela Censura na revista «Vértice» de Coimbra. Acontecia isto no tempo do tiranete Salazar.)
Apaga-te, lua!
- lâmpada dos lírios e dos cães.
Não finjas de alma
esta realidade violenta
que me dói até às raízes.
Não pintes de mistério
estas bocas de fome
onde só há metafísicas de pão negro.
Não abras asas
na planície das pedras
de fogo apodrecido.
Apaga-te lua!
Peço-te que te apagues!
Para os tímidos poderem amar-se à vontade na sombra sem olhos,
para os humilhados de botas rotas cantarem serenatas às castelãs de carne invisível,
para as feias se entregarem nuas e abertas ao sexo da noite,
para os trémulos morrerem heróicos em barricadas de imaginação,
para os famintos devorarem com volúpia de vergonha o pão verde dos caixotes,
para os cegos dizerem: «Não vemos porque não há luar!»,
para os mendigos sonharem em voz alta que são reis a arrastar mantos negros,
para os escorraçados saírem dos canos lôbregos
e forrarem o mundo de luz própria como as estrelas,
para os ladrões velhinhos arrombarem as caixas das esmolas
onde só os pobres deitaram moedas falsas,
para os visionários mergulharem as mãos na noite
em busca de outra lua sem vincos de caveira,
para as mães das caves convencerem os filhos: «Moramos num palácio às escuras»...
Ouviste, lua?
Apaga-te!
- lâmpada dos cães e dos poetas magros.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
POETAS & MAÇONS - FERNANDO PESSOA
Fernando Pessoa, o poeta maçon que ao que se sabe nunca foi iniciado nos mistérios da maçanoria e, no entanto, conhecia-os a fundo
Famosa é a sua carta a Salazar quando o ditador proibiu as organizações secretas e, nomeadamente, a Maçonaria.
Vários são os poemas em que Pessoa navega nas subtilezas esotóricas dos conhecimentos maónicos como no caso deste que transcrevo.
FERNANDO PESSOA (1888 – 1935)
EROS E PSIQUE
... E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.
Do Ritual do Grau de Mestre do Átrio
na Ordem Templária de Portugal
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
Famosa é a sua carta a Salazar quando o ditador proibiu as organizações secretas e, nomeadamente, a Maçonaria.
Vários são os poemas em que Pessoa navega nas subtilezas esotóricas dos conhecimentos maónicos como no caso deste que transcrevo.
FERNANDO PESSOA (1888 – 1935)
EROS E PSIQUE
... E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.
Do Ritual do Grau de Mestre do Átrio
na Ordem Templária de Portugal
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
sábado, 25 de janeiro de 2014
POETAS & MAÇONS - VITORINO NEMÉSIO
VITORINO NEMÉSIO (1901-1978)
VERBO E EQUÍVOCO
Chamo verbo ao equívoco falado
Que em tábuas decorei de tempo e modo,
Mas o Verbo é unívoco e sagrado,
Junto a Deus, mesmo Deus, único e todo.
Lá do sempre arrancando e nunca nado,
O eterno abarca o mundo e a vida a rodo:
É no que foi e no devir, tornado
Por amor novo Adão, limpo de todo.
Desse Verbo de que falo, mal declino
O caso do meu nome, nele divino;
Anónimo, sem ele, vagueio mudo:
Mas, chamem-no os vestígios da parábola,
E brilho como a pérola da fábula,
Homem, menos que nada e mais que tudo.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
POETAS & MAÇONS - CAMILO PESSANHA
Outro Poeta que também foi maçon e, ao que sei integrou a Loja Luís de Camões em Macau
CAMILO PESSANHA (1867-1926)
CAMINHO II
Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a viagem é maior indo sozinho.
É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a descansar, eu descansei...
Na venda onde poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.
É no monte escabroso, solitário,
Corta os pés como a rocha de um calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto
Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.
CAMILO PESSANHA (1867-1926)
CAMINHO II
Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a viagem é maior indo sozinho.
É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a descansar, eu descansei...
Na venda onde poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.
É no monte escabroso, solitário,
Corta os pés como a rocha de um calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto
Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.
domingo, 19 de janeiro de 2014
POETAS & MAÇONS - BOCAGE
Maçon num tempo em que a maçonaria ganhava grande popularidade entre as elites portuguesas, Bocage anunciou com o seu coração de poeta os primeiros alvores do romantismo, propagando os ideais fde liberdade, igualdade e fraternidade, saídos da Revolução Francesa, e que tão caros foram aos maçons de todo o mundo.
MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE (1765 – 1805)
ASPIRAÇÕES DO LIBERALISMO, EXCITADAS PELA REVOLUÇÃO FRANCESA, E CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA EM 1797
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim)! porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?
De santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia:
Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal, que frio e mudo
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo:
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso numen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, oh Liberdade!
MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE (1765 – 1805)
ASPIRAÇÕES DO LIBERALISMO, EXCITADAS PELA REVOLUÇÃO FRANCESA, E CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA EM 1797
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim)! porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?
De santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia:
Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal, que frio e mudo
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo:
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso numen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, oh Liberdade!
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
POETAS & MAÇONS - TEIXEIRA DE PASCOAES
Continuando a visita por poetas que eram simultaneamente maçons, teixeira de pascoaes com o seu lirismo cheio de uma espiritualidade telúrica.
TEIXEIRA DE PASCOAES (1877-1952)
OS MEUS OLHOS E UMA PEDRA
Porque é que vós, meus olhos, de repente,
Comovidos, ficais, a contemplar
Uma pedra qualquer, se toda a gente
Era incapaz de nela reparar?
Uma pedra gelada, inconsciente,
Que nada vê; mas vosso claro olhar
Cobre-a de tal ternura, que ela sente
Como um calor de vida a despontar...
E uma oculta visão misteriosa
Transparece na pedra, que, medrosa,
Avista um indeciso nevoeiro...
Ah, foi decerto assim que a luz dos céus,
A luz que vem do Sol e vem de Deus,
Ergueu da terra, um dia, o ser primeiro!
TEIXEIRA DE PASCOAES (1877-1952)
OS MEUS OLHOS E UMA PEDRA
Porque é que vós, meus olhos, de repente,
Comovidos, ficais, a contemplar
Uma pedra qualquer, se toda a gente
Era incapaz de nela reparar?
Uma pedra gelada, inconsciente,
Que nada vê; mas vosso claro olhar
Cobre-a de tal ternura, que ela sente
Como um calor de vida a despontar...
E uma oculta visão misteriosa
Transparece na pedra, que, medrosa,
Avista um indeciso nevoeiro...
Ah, foi decerto assim que a luz dos céus,
A luz que vem do Sol e vem de Deus,
Ergueu da terra, um dia, o ser primeiro!
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
POETAS & MAÇONS - ANTERO DE QUENTAL
Foram muitos os poetas maçons ou os maçons poetas. Cito alguns:
Marquesa de Alorna
Bocage
Filinto Elísio
Almeida Garrett
Camilo Castelo Branco
Feliciano de Castilho
Antero de Quental
Jaime Cortesão
Teixeira de Pascoais
Camilo Pessanha
Vitorino Nemésio
José Gomes Ferreira
Para muitos será surpreendente esta lista a que há que acrescentar Fernando Pessoa que não deixando qualquer evidência sobre a sua eventual iniciação e participação nalguma Loja Maçónica concreta, era um maçon de convicção e vasta cultura maçónica como o atestam os muitos textos e poemas onde essa cultura circula, nomeadamente a famosa carta a Salazar em que fortemente contesta a proibição da Ordem Maçónica.
Sabemos que é muito diverso o grau de empenhamento no trabalho maçónico destes poetas. Alguns dedicaram-lhe de alma e coração parte importante das suas vidas. Outros não terão passado da Iniciação ou pouco mais.
Vou trazer para aqui alguns poemas, tentando entender o que é que pode haver de comum entre a condição do poeta e a do maçon.
ANTERO DE QUENTAL (1842 – 1891)
MAIS LUZ !
Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossíveis,
E os que se inclinam, mudos e impassíveis,
À borda dos abismos silenciosos...
Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,
Tanto aos vícios cruéis e inextinguíveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!
Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.
Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heróis!
Marquesa de Alorna
Bocage
Filinto Elísio
Almeida Garrett
Camilo Castelo Branco
Feliciano de Castilho
Antero de Quental
Jaime Cortesão
Teixeira de Pascoais
Camilo Pessanha
Vitorino Nemésio
José Gomes Ferreira
Para muitos será surpreendente esta lista a que há que acrescentar Fernando Pessoa que não deixando qualquer evidência sobre a sua eventual iniciação e participação nalguma Loja Maçónica concreta, era um maçon de convicção e vasta cultura maçónica como o atestam os muitos textos e poemas onde essa cultura circula, nomeadamente a famosa carta a Salazar em que fortemente contesta a proibição da Ordem Maçónica.
Sabemos que é muito diverso o grau de empenhamento no trabalho maçónico destes poetas. Alguns dedicaram-lhe de alma e coração parte importante das suas vidas. Outros não terão passado da Iniciação ou pouco mais.
Vou trazer para aqui alguns poemas, tentando entender o que é que pode haver de comum entre a condição do poeta e a do maçon.
ANTERO DE QUENTAL (1842 – 1891)
MAIS LUZ !
Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossíveis,
E os que se inclinam, mudos e impassíveis,
À borda dos abismos silenciosos...
Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,
Tanto aos vícios cruéis e inextinguíveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!
Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.
Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heróis!
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
BOM ANO NOVO ATRASADO MAS SINCERO
Há coisas assim, Em forma de assim. Esta era a mensagem que eu queria ter enviado no dia 1. Ficou no tinteiro, mas cá vai, atrasada mas vai.
Para trazer de novo a Teresa Rita Lopes a dar notícia da luz dos seus olhos e da dança das palavras na ponta do seu lápis.
Poesia também é isto: dar notícias. Notícias de um perfume, de uma imagem, de uma mão, de um Ano que começa.
Bom Ano para todos
BOM ANO NOVO!
Muito quietinhos
e muito quentinhos
(os que têm com
que fazer calor)
os portuguesinhos
votam – coitadinhos!
por um Ano Novo
de paz e amor!
Até Dona Merckel
baixa o tom de voz
até à compaixão
pra falar de nós
na televisão.
Ela sabe bem
que no ano que vem
será o funeral
do jardim plantado
à beira do mar
- “pais adiado
à procura de vez”
dizia o O’Neill
poeta português
que lembrou também :
“Neste país em diminutivo
respeitinho é que é preciso!”
Só que nesse então
tínhamos o azar
de ter Salazar
.como nosso algoz.
Agora já não
mora cá na terra
o nosso patrão
mas tem cá um cão
por sinal feroz
que cuida de nós
isto é, um governo
com a vocação
de meter a mão
no bolso dos pobres
que dos ricos não!
A nossa nação
respeita o ladrão
de mais de um milhão!
Se for de um tostão
vai para a prisão.
Que ricos que somos
De rimas em –ão!
Nosso Portugal
nisso é campeão!
Pena que não sirvam
para exportação
que assim nossa crise
tinha solução!
Teresa Rita Lopes
Para trazer de novo a Teresa Rita Lopes a dar notícia da luz dos seus olhos e da dança das palavras na ponta do seu lápis.
Poesia também é isto: dar notícias. Notícias de um perfume, de uma imagem, de uma mão, de um Ano que começa.
Bom Ano para todos
BOM ANO NOVO!
Muito quietinhos
e muito quentinhos
(os que têm com
que fazer calor)
os portuguesinhos
votam – coitadinhos!
por um Ano Novo
de paz e amor!
Até Dona Merckel
baixa o tom de voz
até à compaixão
pra falar de nós
na televisão.
Ela sabe bem
que no ano que vem
será o funeral
do jardim plantado
à beira do mar
- “pais adiado
à procura de vez”
dizia o O’Neill
poeta português
que lembrou também :
“Neste país em diminutivo
respeitinho é que é preciso!”
Só que nesse então
tínhamos o azar
de ter Salazar
.como nosso algoz.
Agora já não
mora cá na terra
o nosso patrão
mas tem cá um cão
por sinal feroz
que cuida de nós
isto é, um governo
com a vocação
de meter a mão
no bolso dos pobres
que dos ricos não!
A nossa nação
respeita o ladrão
de mais de um milhão!
Se for de um tostão
vai para a prisão.
Que ricos que somos
De rimas em –ão!
Nosso Portugal
nisso é campeão!
Pena que não sirvam
para exportação
que assim nossa crise
tinha solução!
Teresa Rita Lopes
domingo, 5 de janeiro de 2014
OS POETAS DE QUEM NÃO SE FALA MUITO
A poesia tem modas Há poetas de quem fica bem falar-se e ter-se opiniões definitivas em certos locais e em certas páginas de jornal mesmo quando não se leu a sua obra.
Eu gosto de lembrar os poetas de quem não se fala muito. Poetas. Sabem, meus amigos, o que são poetas? Gente perigosa. gente que cabe mal nos fatos por medida.
Este é um dos poetas de que se fala muito pouco e de que eu gosto de lembrar.
A PULGA
Um ponto somente
é este animal
que pouco se vê
e muito se sente.
E a gente não gosta
da pulga.
Porquê?
A pulga,
afinal,
só de animais gosta
e gosta
da gente.
A gente que o diga…
Gosta, morde e pica.
Mas que rica
amiga!
Pica
por ser má?
Pica
por prazer?
Lá prazer terá,
sabe-se isso bem…
mas, se a pulga
pica,
é para comer,
não mata ninguém.
O pobre animal
precisa de sangue…
Mas é natural
que a gente se zangue.
Quem dera apanhá-la,
mordê-la,
pisá-la!
Vai a gente ver
e ela
já se foi…
e sempre a morder.
Será que ela
julga
que aquilo não dói?
E assim é a pulga:
maluca, malvada,
mas tão pequenina,
ladina e rabina,
que a acho engraçada.
Leonel Neves, “O elefante e a pulga”, Livros Horizonte
Eu gosto de lembrar os poetas de quem não se fala muito. Poetas. Sabem, meus amigos, o que são poetas? Gente perigosa. gente que cabe mal nos fatos por medida.
Este é um dos poetas de que se fala muito pouco e de que eu gosto de lembrar.
A PULGA
Um ponto somente
é este animal
que pouco se vê
e muito se sente.
E a gente não gosta
da pulga.
Porquê?
A pulga,
afinal,
só de animais gosta
e gosta
da gente.
A gente que o diga…
Gosta, morde e pica.
Mas que rica
amiga!
Pica
por ser má?
Pica
por prazer?
Lá prazer terá,
sabe-se isso bem…
mas, se a pulga
pica,
é para comer,
não mata ninguém.
O pobre animal
precisa de sangue…
Mas é natural
que a gente se zangue.
Quem dera apanhá-la,
mordê-la,
pisá-la!
Vai a gente ver
e ela
já se foi…
e sempre a morder.
Será que ela
julga
que aquilo não dói?
E assim é a pulga:
maluca, malvada,
mas tão pequenina,
ladina e rabina,
que a acho engraçada.
Leonel Neves, “O elefante e a pulga”, Livros Horizonte
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