terça-feira, 30 de outubro de 2012

OLÁ



O meu querido amigo Manel Freire resolveu enviar esta mensagem por mail aos amigos a ver quem respondia:

Com 3 letrinhas apenas
Se escreve a palavra OLÁ!
É das mensagens pequenas,
A que menos trabalho dá……..

O Martinho Marques, amigo dos dois, poeta e professor de Matemática em Beja, respondeu:


Ainda que me agradasse
escrever, ando cansado,
embora também esprançado
em que o cansaço me passe.

Agora, até estou aflito
com o que pensam roubar.
Sem Passos posso passar,
mas quero o Coelho... frito.

Apesar desta desgraça
e apesar do meu cansaço,
enquanto a crise não passa
vai OLÁ e vai abraço.

E vai também a promessa
de mandar mais quantidade
de versos, que estes, à pressa,
perderam a validade.

sábado, 27 de outubro de 2012

EU JÁ VIVI NUM PAÍS ASSIM E NÃO GOSTEI




ISABEL DO CARMO

O primeiro-ministro anunciou que íamos empobrecer, com aquele desígnio de falar "verdade", que consiste na banalização do mal, para que nos resignemos mais suavemente. Ao lado, uma espécie de contabilista a nível nacional diz-nos, como é hábito nos contabilistas, que as contas são difíceis de perceber, mas que os números são crus. Os agiotas batem à porta e eles afinal até são amigos dos agiotas. Que não tivéssemos caído na asneira de empenhar os brincos, os anéis e as pulseiras para comprar a máquina de lavar alemã. E agora as jóias não valem nada. Mas o vendedor prometeu-nos que... Não interessa.
Vamos empobrecer. Já vivi num país assim. Um país onde os "remediados" só compravam fruta para as crianças e os pomares estavam rodeados de muros encimados por vidros de garrafa partidos, onde as crianças mais pobres se espetavam, se tentassem ir às árvores. Um país onde se ia ao talho comprar um bife que se pedia "mais tenrinho" para os mais pequenos, onde convinha que o peixe não cheirasse "a fénico". Não, não era a "alimentação mediterrânica", nos meios industriais e no interior isolado, era a sobrevivência.
Na terra onde nasci, os operários corticeiros, quando adoeciam ou deixavam de trabalhar vinham para a rua pedir esmola (como é que vão fazer agora os desempregados de "longa" duração, ou seja, ao fim de um ano e meio?). Nessa mesma terra deambulavam também pela rua os operários e operárias que o sempre branqueado Alfredo da Silva e seus descendentes punham na rua nos "balões" ("Olha, hoje houve um ' balão' na Cuf, coitados!"). Nesse país, os pobres espreitavam pelos portões da quinta dos Patiño e de outros, para ver "como é que elas iam vestidas".
Nesse país morriam muitos recém-nascidos e muitas mães durante o parto e após o parto. Mas havia a "obra das Mães" e fazia-se anualmente "o berço" nos liceus femininos onde se colocavam camisinhas, casaquinhos e demais enxoval, com laçarotes, tules e rendas e o mais premiado e os outros eram entregues a famílias pobres bem- comportadas (o que incluía, é óbvio, casamento pela Igreja).
Na terra onde nasci e vivi, o hospital estava entregue à Misericórdia. Nesse, como em todos os das Misericórdias, o provedor decidia em absoluto os desígnios do hospital. Era um senhor rural e arcaico, vestido de samarra, evidentemente não médico, que escolhia no catálogo os aparelhos de fisioterapia, contratava as religiosas e os médicos, atendia os pedidos dos administrativos ("Ó senhor provedor, preciso de comprar sapatos para o meu filho"). As pessoas iam à "Caixa", que dependia do regime de trabalho (ainda hoje quase 40 anos depois muitos pensam que é assim), iam aos hospitais e pagavam de acordo com o escalão. E tudo dependia da Assistência. O nome diz tudo. Andavam desdentadas, os abcessos dentários transformavam-se em grandes massas destinadas a operação e a serem focos de septicemia, as listas de cirurgia eram arbitrárias. As enfermarias dos hospitais estavam cheias de doentes com cirroses provocadas por muito vinho e pouca proteína. E generalizadamente o vinho era barato e uma "boa zurrapa".
E todos por todo o lado pediam "um jeitinho", "um empenhozinho", "um padrinho", "depois dou-lhe qualquer coisinha", "olhe que no Natal não me esqueço de si" e procuravam "conhecer lá alguém".
Na província, alguns, poucos, tinham acesso às primeiras letras (e últimas) através de regentes escolares, que elas próprias só tinham a quarta classe. Também na província não havia livrarias (abençoadas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian), nem teatro, nem cinema.
Aos meninos e meninas dos poucos liceus (aquilo é que eram elites!) era recomendado não se darem com os das escolas técnicas. E a uma rapariga do liceu caía muito mal namorar alguém dessa outra casta. Para tratar uma mulher havia um léxico hierárquico: você, ó; tiazinha; senhora (Maria); dona; senhora dona e... supremo desígnio - Madame.
Os funcionários públicos eram tratados depreciativamente por "mangas-de-alpaca" porque usavam duas meias mangas com elásticos no punho e no cotovelo a proteger as mangas do casaco.
Eu vivi nesse país e não gostei. E com tudo isto, só falei de pobreza, não falei de ditadura. É que uma casa bem com a outra. A pobreza generalizada e prolongada necessita de ditadura. Seja em África, seja na América Latina dos anos 60 e 70 do século XX, seja na China, seja na Birmânia, seja em Portugal

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O LUGAR DA MACIEIRA



Novo livro da Filipa Leal, uma das vozes mais interessantes neste tempo em que algumas vozes poéticas começam a surgir saindo debaixo das pedras e das palavras.

Esta vale a pena ler. Trago aqui um bocadinho embora o livro seja uma espécie de continuum.

E há nele uma brisa que passa entre palavras e nos deposita nas mãos um fio muito discreto de grande e delicada poesia.




Apareceu para jantar no Vale Formoso um pianista.
O pianista trazia a mulher pianista, o filho
que preferia jogar às cartas, e um grande saco de maçãs.

À refeição, servida no alpendre, contou que vivia no campo
e que procurava em Lisboa uma casa onde coubesse
com a sua mulher, o filho de ambos e três pianos.

Fiquei preocupada com a família pianista
– eram três –
e com a família de pianos
– eram três –
e pareceu-me melhor avisá-los de que seria difícil encontrar
uma casa onde coubesse udo aquilo
e a macieira.

domingo, 21 de outubro de 2012



UMA HISTÓRIA DE DIVIDIR

Um divisor dividia
muitíssimo devagar.
A divisão bem podia,
por ele esperar.

O dividendo, mais lesto,
não podendo perder tempo,
dia a dia ia perdendo
a paciência e o resto.

E, encarando o amigo,
falava-lhe duramente:
“Não posso contar contigo,
és um inquociente!”


Manuel António Pina (1943)
”Pequeno livro de desmatemática”, Assírio & Alvim, 2001)

sábado, 20 de outubro de 2012

MANUEL ANTÓNIO PINA


O Pina era um amigo, o Pina era um cidadão, o Pina era um brincalhão com as palavras quando escrevia para as outras crianças e também para a criança que era, o Pina era um poeta e quando morre um poeta é uma esperança para nós todos que se apaga.

Adeus pá. Ao menos, agora, não tens de aturar esta parvalheira. Vai meu meu amigo. Até um dia.

(O texto seguinte foi tirado de empréstimo do "Casal das Letras")

«Agora que os / olhos se fecharam /
fico acordado toda a noite /
diante de uma coisa imensa.»

Morreu Manuel António Pina, o poeta, o jornalista, o cronista, o autor de livros para crianças, o dramaturgo, o ensaísta, o advogado – um ser de afetos para quem «O amor é a única coisa capaz de sobreviver e a única coisa por que vale a pena que sobrevivamos. O amor no seu mais vasto sentido, naquele que São Paulo lhe dá na Primeira Epístola aos Corintos, quando diz que vai indicar o caminho que ultrapassa a todos.» Assim nos falou um dia Manuel António Pina numa longa entrevista (da qual recuperamos alguns excertos áudio: aqui ) e também nesse instante inesquecível defendeu a ideia de que «Somos seres para o esquecimento. Eu serei esquecido, o gato que me olha de cima do computador será esquecido. Somos feitos para o esquecimento (...)». Permitimo-nos, no entanto, hoje, num profundo abraço de despedida e de saudade, contrariar o poeta: Manuel António Pina, nunca serás esquecimento. Perdurará a tua «voz acordada». Poderás mais uma vez interpelar-nos «– não é a morte o que as palavras procuram?». Talvez, Manuel. Mas as palavras da tua poesia, da tua vasta obra, são vida. A morte do corpo não te mata. Escuta estes versos teus: «(...) Agora que os / olhos se fecharam / fico acordado toda a noite / diante de uma coisa imensa.»

terça-feira, 16 de outubro de 2012

JOSÉ LUÍS TINOCO



Vai fazer 80 anos lá para finais de Dezembro.

É um grande senhor Um grande artista como já não se usa. capaz de falar em muitas línguas: arquitecto, pintor, poeta e, sobretudo músico. Foi autor de algumas das mais belas canções portuguesas dos últimos 40 anos.

A partir de hoje, aqui, de vez em quando, uma chamada de atenção para a obra do meu querido amigo José Luís Tinoco.


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

ESCOLHER UM LIVRO


Ler não é uma actividade natural e vital como comer, beber, etc, etc.

Refiro-me a palavras e livros.

É natural chegar à janela e ler o tempo nas nuvens, olhar para alguém e ler-lhe a boa ou má disposição na expressão do rosto. E tantas outras coisas que lemos permanentemente e sem dar por isso.

Mas ler livros não é natural.

Há quem tenha curiosidade e apetência genuínas pelos encantos que as palavras e os livros escondem. E há quem não tenho curiosidade nenhuma. Ou, pior, quem por birra afirme assanhadamente que não quer ou não gosta de ler.

A verdade é que ler tem de ser uma actividade induzida, encaminhada, incentivada. Uma dádiva de amor e afecto. Os pais, os professores, os promotores do livro e da leitura devem levar os seus meninos pela mão. É preciso ler-lhes histórias, ajudá-los a escolher as suas histórias, dar-lhes liberdade de encontrarem os seus caminhos de leitura.

E não basta ler aos meninos quando eles são pequeninos. Ajudar os outros a ler e a amar a leitura é, quanto a mim, o trabalho de uma vida.

A minha amiga Isabel Stilwell dizia-me que leu histórias aos filhos à hora de dormir até aos 18 anos!

Atenção, senhores professores: ler é muito mais do que uma competência. Um professor que se limita às competências é obviamente incompetente. Porque as competências são só metade da verdade.

Ler é um acto civilizacional, de construção pessoal, de encontro com o mundo.

Afirmou Gerges Steiner:

“Ler não é sofrer mas, falando com propriedade, estarmos prontos a receber em nossa casa um convidado, ao cair da noite.”

sábado, 6 de outubro de 2012

CONTAR HISTÓRIAS EM TROUXEMIL


Chegam fotografias atrasadas. Bem... Não sei se serão atrasadas. Nunca é tarde para relembrar os momentos bons.

Em Trouxemil, perto de Coimbra, a Junta de Freguesia tem uma Biblioteca. Mais do que isso, tem a Clarisse, uma Bibliotecária muito activa que faz da Biblioteca aquilo que ela deve ser, não um depósito de livros, mas um sítio onde as pessoas se encontram, onde levam os seus filhos e onde a leitura é um pretexto para as pessoas se conhecerem melhor e também para partilhar a magia das palavras e das histórias.

A Clarisse é teimosa e sempre que pode convida-me e torna as minhas visitas numa festa.

Esta festa já aconteceu há tempos mas é bom recordar.




quarta-feira, 3 de outubro de 2012

AS ORELHAS VOADORAS



Não gosto de falar dos livros antes de sairem a público.

Mas desta vez faço uma excepção.

Chegaram-me as primeiras lustrações da Fátima Afonso que eu quis muito que fosse minha parceira na ilustração neste livro. E são tão bonitas e adequadas que não resisti a partilhá-las com os meus amigos que fazem a gentileza de vir espreitar este blog.

A editora é a Paulinas. Só deve vir a público lá para Fevereiro ou Março. Mas fica aqui um pequeno extracto para fazer água na boca.

(Que estultícia esta de auto-elogiar-me com a "água na boca"... Mas gosto muito do texto e fiquei apaixonado pelas primeiras ilustrações.)

Aqui vai:

"Francisco Nicolau era um menino muito curioso. Detestava ficar sozinho e em silêncio. E queria ouvir tudo o que se passava no mundo!"

"Como todos sabem, quando uma pessoa deseja muito uma coisa, mas mesmo muito, há sempre uma fada que, misteriosamente, aparece e lhe concede a realização desse desejo.

Foi assim que, numa noite de lua cheia, mal o Francisco Nicolau acabara de adormecer, surgiu a Fada dos Desejos. Fez Plim com a sua varinha mágica e logo se acenderam 17 mil luzinhas à volta da cama dele.

Nesse instante, as orelhas do Francisco Nicolau começaram a tremer, a tremer. Soltaram-se da sua cabeça e, juntinhas, como se fossem as asas de uma borboleta, flap-flap, flap-flap, saíram a voar pela janela!"