segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
2013
(Maria Keill, imagem "emprestada" do extraordinário ALMANACH SILVA do meu amigo Jorge Silva)
Queridos amigos,
Espero que o próximo Ano nos traga uma benção maior do que a que nos
prometem os corvos deste país.
É nossa a capacidade de transformar maus augúrios em bons momentos.
Pela nossa solidariedade, pela decência vertical, pela festa do
conhecimento, pela luz da palavra.
Desejo-vos o melhor da vida, saúde, alegria e paz.
Muita amizade e ternura,
José Fanha
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
UM LIVRO NOVO
Caras amigas e amigos,
Acabou de sair um livro que reune 40 anos da minha poesia.
Ainda me custa a crer que passou tanto tempo desde o dia em que que
subi ao palco para dizer poemas ao lado de um senhor por quem tinha e
continuo a ter um imenso respeito : o José Afonso. foi aí que começou
esta viagem de poesia ás costas que ainda não parou., poesia que foi
dando à costa em livrinhos por aqui e por ali e que agora ficam todos
juntos.
O livro chama-se JOSÉ FANHA POESIA. Foi editado pela editora LÁPIS DE
MEMÓRIAS do meu amigo Adelino de Castro que teve a coragem para editar
um livro de... 510 páginas!
Se o quiserem comprar directamente à editora podem fazê-lo. O livro
custa 22 € e será enviado á cobrança sem acréscimo dos portes de
correio.
Basta encomendá-lo para o mail:
fanha.poesia@hotmail.com
e juntar o nome e a morada.
E aqui vai um poema deste livro.
GRACIOSA (1)
Todas as palavras
rugem repetidamente
contra a rocha negra.
Tremem
frente ao ramo antigo.
Espalham espuma
em sílabas de luz.
E eu
mar
eu que sou teu filho
estou aqui, pacífico inquieto
com a minha pequena oficina de palavras
e quero tão só acrescentar
o pálido sussurro dos meus lábios
ao bater das tuas ondas.
domingo, 23 de dezembro de 2012
CARIDADE
Há demasiada gente a dar opiniões neste país. Profissionais da opinião. A televisão está cheioa deles. Os jornais também. Gente demasiadas vezes pouco séria. Porque faz da opinião uma arma de arremesso, um instrumento de poder, uma música de baile pacóvio.
Alguns dos opinistas chamam-se críticos ou especialistas. São normalmente os piores. Sobretudo os especialistas em economia. Falam do alto de um imenso saber que não têm. Usam uma verborreia especializada e aparentemente esotérica. Estão sempre a enganar-se redondamente e é muito raro retratarem-se.
Mas há excepções. Há pessoas que pensam. Pensam! Coisa rara e porventura demorada neste tempo dos clicks instantâneos.
Uma dessas pessoas é a Ana Cristina Leonardo que assina uma coluna ("Isto anda tudo ligado") no suplemento Actual do Expresso ao sábado.
Gosto quase sempre do que ela escreve. Pelo que escreve. E pela maneira como escreve. Sem medos. Sem disfarces. Sem fazer o jeito a ninguém. Prosa dura e divertida. Como deve ser.
Por causa dela compro o Expresso ou vou ler a sua coluna à surrelfa na bancada dos jornais. Porque quanto ao resto... Já estou pouco interessado em notícias ou naquilo a que se chamam notícias.
Da coluna dela de dia 15 e, já que é quase Natal, respigo duas citações. A primeira do D. Helder Câmara (Arcebispo de Olinda e Recife):
"Quando alimentei os pobres chamaram-me santo mas quando perguntei porque há gente pobre chamaram-me comunista."
Outra citação, do escritor uruguaio Eduardo Galeano:
"Eu não acredito em caridade. Eu acredito em solidariedade. Caridade é tão vertical, vai de cima para baixo. Solidariedade é horizontal"
E aproveito para acrescentar um verso de uma ironia articularmente áspera do poema "DIA DE NATAL" de António Gedeão:
"Hoje é dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria
(...)"
Já agora, um bom Natalsolidário!
(Ambas as reproduções são de quadros de Pablo Picasso)
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
40 ANOS DE POESIA
Uma pessoa distrai-se e, de repente, vai a ver e já lhe passaram 40 anos pelos dedos, pela voz, pela máquina de criar utopias que traz por dentro do peito.
estou profundamente agradecido ao Adelino Castro da Editora Lápis de Memórias de Coimbra, que me desafiou a editar a minha poesia e não me largou enquanto o livro não ficou pronto.
Descobri que muito do que publiquei foi em edições marginais que se esgotaram completamente. E descobri ainda que uma parte significativa do que escrevi estava inédito.
Tudo junto deu um "tijolo" de quinhentas e tal páginas. É obra! E não está lá dentro tudo. Falta teatro, traduções de poesia, adaptações e recriações, e ainda mais alguma poesia que já anda por aí à porta para sair para daqui por mais uns meses.
A capa é de uma nova e talentosíssima amiga. Ana Biscaia, ilustradora brilhante, que em boa hora o Adelino arrastou para esta aventura.
O lançamento vai ser em Coimbra, na próxima 6ª feira, dia 21 pelas 18h00.
A apresentação será feita por dois prezadíssimos amigos. o dr. António Arnault e o dr. Laborinho Lúcio.
Depois, seguir-se-ão outras apresentações em Lisboa, Porto, Barcelos, Penafiel, Tavira, Portimão na Ericeira, por exigência da minha amiga Licínia Quitério.
Estou em pulgas para ter o "tijolo" na mão. É um bocado da minha vida. E um bocado com duas ou três coisas que não sairam mal amanhadas de todo...
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
PÁSSARO NA CABEÇA - Livros que voam
4 amigos criaram uma nova pequena editora. Eu sou um deles. Queremos fazer e vender livros bonitos, fortes e mais baratos. Em breve darei mais notícias.
Os livros são pássaros que voam na esperança de encontrar um ninho.
Sempre que abres um livro, um pássaro salta rapidamente para a tua cabeça.
Nunca lhe cortes as asas, ele precisa delas para sentir o vento das palavras.
Agora vai, e lê com o … Pássaro na Cabeça.
sábado, 1 de dezembro de 2012
PALAVRAS À SOLTA EM SINTRA
Nos
A Câmara Municipal de Sintra e a Gailivro organizam durante uma semana a iniciativa «Livros à Solta em Sintra», «uma verdadeira maratona de uma semana em que nove autores da Gailivro têm encontros marcados com mais de 6000 alunos de escolas do concelho de Sintra», revela um comunicado da editora.
auditórios das localidades de Sintra, Massamá, Mira-Sintra, Odrinhas, Tapada das Mercês, Casal de Cambra, Agualva/Cacém e Pero Pinheiro vão poder ver e ouvir António Mota, José Fanha, Mariana Magalhães e Cristina Quental, Margarida Fonseca Santos, Pedro Leitão, Rosário Alçada Araújo, José Saraiva e Ana Nobre de Gusmão.
No total, 56 sessões, entre 3 e 7 de Dezembro.
domingo, 25 de novembro de 2012
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
O REGRESSO AOS MERCADOS
E se for assim já não é mau.
Esta já andou bastante aí pela net. Mas está bem achada. Vale a pena relembrar.
sábado, 17 de novembro de 2012
O MÁGICO PODER DO LEITOR
ALBERTO MANGUEL- A invenção da escrita, há cinco mil anos, comporta uma mudança neurológica muito importante. Muda a nossa noção de tempo e de espaço. (...) O tempo como um presente absoluto e o espaço como o lugar que habitamos ou que podemos percorrer, converte-se em algo ilimitado. Porque, dado que eu posso pôr por escrito algo que tu podes ler, isso pode ser lido dentro de cem anos e pode ser lido do outro lado do mundo.
ALBERTO MANGUEL - Na civilização mesopotâmica a existência do escriba é essencial porque o escriba não é só quem escreve leis mas também quem as decifra, É ele que pode dizer ao rei: "o teu avô, quando reinava, disse que a terra x pertence a y."
Então, já que o leitor é aquele que decifra, esse poder que ele tem provoca medo dentro da sociedade.
Esse temor ao poder do leitor é algo que permaneceu ao longo da História. O temor (àqueles) que têm o poder de escrever e ler: bruxas, magos e alquimistas. É o medo a quem pratica uma actividade secreta.
(Da entrevista conduzida por Carlos Vaz marques na Revista LER de Novembro 2012)
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
LEMBRAM-SE?
(Nikias Skapinakis)
Um amigo meu, Capitão de Abril, dos que andaram na linha da frente dizia-me há dias:
"Ó Fanha, a gente pode ajudar, mas agora é a malta nova que tem de dar a volta a isto."
Cá por mim, se for preciso ajudar, contem comigo.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
OS "RANKINGS" DAS ESCOLAS
Por Maria Filomena Mónica
OS JORNAIS publicaram recentemente as listas de rankings, ou seja, a ordenação das escolas segundo as notas obtidas pelos estudantes. À cabeça, surgem as privadas, o que nos pode levar a pensar que os seus docentes são melhores do que os das públicas. Erro: o êxito académico não depende apenas do que se passa dentro das instituições, mas de uma multiplicidade de factores, de que a origem social, associada à localização, é um dos mais importantes. Basta lembrar que, por hora, os filhos dos ricos são expostos a mais 1.500 palavras do que os dos pobres, o que leva a que, aos 4 anos, exista já uma diferença, a favor dos primeiros, de cerca de 32 milhões de palavras.
Uma vez que as públicas têm de cobrir o território nacional, as do interior exibem elevadas taxas de insucesso. A secundária de Portalegre não conseguiu uma única média positiva; na da Guarda, três das cinco melhores escolas não conseguiram atingir os 10 valores; na freguesia de Rabo de Peixe, na ilha de S. Miguel, verificaram-se, no exame do 9.º ano, as piores classificações do país. O Presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares lembrava que, em vez de se concentrarem no lugar nos rankings, os docentes se deviam preocupar antes com «a mais valia» que as escolas traziam aos alunos, após o que, com razão, salientava que nada é uma fatalidade, ou seja, que mesmo os alunos desfavorecidos podiam alcançar bons resultados. Era esse o caso das Escola Básicas de Rio Caldo (Braga), Dr. Manuel Magro Machado (Portalegre) e Couço (Santarém) que, nos exames de Matemática e de Português do 9ª ano tinham subido mais de mil lugares.
Felizmente, as leis sociológicas não são férreas. Não foi em Lisboa que as melhores notas foram obtidas. No universo das públicas, destacaram-se a B+S de Vila Cova (Barcelos), com a média mais alta do país em Matemática A (142,55) e a Secundária da Gadanha da Nazaré, com a mais elevada nota em Geometria Descritiva (178,25). Curiosamente, provando que as pessoas são mais importantes do que os edifícios, o Liceu Passos Manuel cujo restauro, no âmbito da Parque Escolar, exigiu ao Estado 26 milhões de euros, ficou em 481.º lugar, com uma média de 7,8 valores, o que o coloca entre os dez piores. É sabido que o grupo social que mais importância dá à educação é a classe média. Não me espanta assim que a melhor escola secundária de Lisboa tenha sido a José Gomes Ferreira, em Benfica, cujos pais têm uma participação nas reuniões na ordem dos 70 a 80 %.
Portugal teve de fazer um grande esforço depois de 1974. Nem tudo correu bem, mas o país conseguiu escolarizar a maior parte dos jovens, facto que levou a que as escolas sejam hoje muito diferentes das que existiam na minha adolescência, quando, ao terminar a primária, apenas 2 em cada 10 alunos continuava a estudar. Para muitos, a escola contemporânea representa um mundo radicalmente novo. É por isso que o difícil não é ensinar filhos de privilegiados mas sim jovens que, em casa, nunca viram os pais abrir um livro.
«Expresso» de 27 Out 12
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
terça-feira, 30 de outubro de 2012
OLÁ
O meu querido amigo Manel Freire resolveu enviar esta mensagem por mail aos amigos a ver quem respondia:
Com 3 letrinhas apenas
Se escreve a palavra OLÁ!
É das mensagens pequenas,
A que menos trabalho dá……..
O Martinho Marques, amigo dos dois, poeta e professor de Matemática em Beja, respondeu:
Ainda que me agradasse
escrever, ando cansado,
embora também esprançado
em que o cansaço me passe.
Agora, até estou aflito
com o que pensam roubar.
Sem Passos posso passar,
mas quero o Coelho... frito.
Apesar desta desgraça
e apesar do meu cansaço,
enquanto a crise não passa
vai OLÁ e vai abraço.
E vai também a promessa
de mandar mais quantidade
de versos, que estes, à pressa,
perderam a validade.
sábado, 27 de outubro de 2012
EU JÁ VIVI NUM PAÍS ASSIM E NÃO GOSTEI
ISABEL DO CARMO
O primeiro-ministro anunciou que íamos empobrecer, com aquele desígnio de falar "verdade", que consiste na banalização do mal, para que nos resignemos mais suavemente. Ao lado, uma espécie de contabilista a nível nacional diz-nos, como é hábito nos contabilistas, que as contas são difíceis de perceber, mas que os números são crus. Os agiotas batem à porta e eles afinal até são amigos dos agiotas. Que não tivéssemos caído na asneira de empenhar os brincos, os anéis e as pulseiras para comprar a máquina de lavar alemã. E agora as jóias não valem nada. Mas o vendedor prometeu-nos que... Não interessa.
Vamos empobrecer. Já vivi num país assim. Um país onde os "remediados" só compravam fruta para as crianças e os pomares estavam rodeados de muros encimados por vidros de garrafa partidos, onde as crianças mais pobres se espetavam, se tentassem ir às árvores. Um país onde se ia ao talho comprar um bife que se pedia "mais tenrinho" para os mais pequenos, onde convinha que o peixe não cheirasse "a fénico". Não, não era a "alimentação mediterrânica", nos meios industriais e no interior isolado, era a sobrevivência.
Na terra onde nasci, os operários corticeiros, quando adoeciam ou deixavam de trabalhar vinham para a rua pedir esmola (como é que vão fazer agora os desempregados de "longa" duração, ou seja, ao fim de um ano e meio?). Nessa mesma terra deambulavam também pela rua os operários e operárias que o sempre branqueado Alfredo da Silva e seus descendentes punham na rua nos "balões" ("Olha, hoje houve um ' balão' na Cuf, coitados!"). Nesse país, os pobres espreitavam pelos portões da quinta dos Patiño e de outros, para ver "como é que elas iam vestidas".
Nesse país morriam muitos recém-nascidos e muitas mães durante o parto e após o parto. Mas havia a "obra das Mães" e fazia-se anualmente "o berço" nos liceus femininos onde se colocavam camisinhas, casaquinhos e demais enxoval, com laçarotes, tules e rendas e o mais premiado e os outros eram entregues a famílias pobres bem- comportadas (o que incluía, é óbvio, casamento pela Igreja).
Na terra onde nasci e vivi, o hospital estava entregue à Misericórdia. Nesse, como em todos os das Misericórdias, o provedor decidia em absoluto os desígnios do hospital. Era um senhor rural e arcaico, vestido de samarra, evidentemente não médico, que escolhia no catálogo os aparelhos de fisioterapia, contratava as religiosas e os médicos, atendia os pedidos dos administrativos ("Ó senhor provedor, preciso de comprar sapatos para o meu filho"). As pessoas iam à "Caixa", que dependia do regime de trabalho (ainda hoje quase 40 anos depois muitos pensam que é assim), iam aos hospitais e pagavam de acordo com o escalão. E tudo dependia da Assistência. O nome diz tudo. Andavam desdentadas, os abcessos dentários transformavam-se em grandes massas destinadas a operação e a serem focos de septicemia, as listas de cirurgia eram arbitrárias. As enfermarias dos hospitais estavam cheias de doentes com cirroses provocadas por muito vinho e pouca proteína. E generalizadamente o vinho era barato e uma "boa zurrapa".
E todos por todo o lado pediam "um jeitinho", "um empenhozinho", "um padrinho", "depois dou-lhe qualquer coisinha", "olhe que no Natal não me esqueço de si" e procuravam "conhecer lá alguém".
Na província, alguns, poucos, tinham acesso às primeiras letras (e últimas) através de regentes escolares, que elas próprias só tinham a quarta classe. Também na província não havia livrarias (abençoadas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian), nem teatro, nem cinema.
Aos meninos e meninas dos poucos liceus (aquilo é que eram elites!) era recomendado não se darem com os das escolas técnicas. E a uma rapariga do liceu caía muito mal namorar alguém dessa outra casta. Para tratar uma mulher havia um léxico hierárquico: você, ó; tiazinha; senhora (Maria); dona; senhora dona e... supremo desígnio - Madame.
Os funcionários públicos eram tratados depreciativamente por "mangas-de-alpaca" porque usavam duas meias mangas com elásticos no punho e no cotovelo a proteger as mangas do casaco.
Eu vivi nesse país e não gostei. E com tudo isto, só falei de pobreza, não falei de ditadura. É que uma casa bem com a outra. A pobreza generalizada e prolongada necessita de ditadura. Seja em África, seja na América Latina dos anos 60 e 70 do século XX, seja na China, seja na Birmânia, seja em Portugal
terça-feira, 23 de outubro de 2012
O LUGAR DA MACIEIRA
Novo livro da Filipa Leal, uma das vozes mais interessantes neste tempo em que algumas vozes poéticas começam a surgir saindo debaixo das pedras e das palavras.
Esta vale a pena ler. Trago aqui um bocadinho embora o livro seja uma espécie de continuum.
E há nele uma brisa que passa entre palavras e nos deposita nas mãos um fio muito discreto de grande e delicada poesia.
Apareceu para jantar no Vale Formoso um pianista.
O pianista trazia a mulher pianista, o filho
que preferia jogar às cartas, e um grande saco de maçãs.
À refeição, servida no alpendre, contou que vivia no campo
e que procurava em Lisboa uma casa onde coubesse
com a sua mulher, o filho de ambos e três pianos.
Fiquei preocupada com a família pianista
– eram três –
e com a família de pianos
– eram três –
e pareceu-me melhor avisá-los de que seria difícil encontrar
uma casa onde coubesse udo aquilo
e a macieira.
domingo, 21 de outubro de 2012
UMA HISTÓRIA DE DIVIDIR
Um divisor dividia
muitíssimo devagar.
A divisão bem podia,
por ele esperar.
O dividendo, mais lesto,
não podendo perder tempo,
dia a dia ia perdendo
a paciência e o resto.
E, encarando o amigo,
falava-lhe duramente:
“Não posso contar contigo,
és um inquociente!”
Manuel António Pina (1943)
”Pequeno livro de desmatemática”, Assírio & Alvim, 2001)
sábado, 20 de outubro de 2012
MANUEL ANTÓNIO PINA
O Pina era um amigo, o Pina era um cidadão, o Pina era um brincalhão com as palavras quando escrevia para as outras crianças e também para a criança que era, o Pina era um poeta e quando morre um poeta é uma esperança para nós todos que se apaga.
Adeus pá. Ao menos, agora, não tens de aturar esta parvalheira. Vai meu meu amigo. Até um dia.
(O texto seguinte foi tirado de empréstimo do "Casal das Letras")
«Agora que os / olhos se fecharam /
fico acordado toda a noite /
diante de uma coisa imensa.»
Morreu Manuel António Pina, o poeta, o jornalista, o cronista, o autor de livros para crianças, o dramaturgo, o ensaísta, o advogado – um ser de afetos para quem «O amor é a única coisa capaz de sobreviver e a única coisa por que vale a pena que sobrevivamos. O amor no seu mais vasto sentido, naquele que São Paulo lhe dá na Primeira Epístola aos Corintos, quando diz que vai indicar o caminho que ultrapassa a todos.» Assim nos falou um dia Manuel António Pina numa longa entrevista (da qual recuperamos alguns excertos áudio: aqui ) e também nesse instante inesquecível defendeu a ideia de que «Somos seres para o esquecimento. Eu serei esquecido, o gato que me olha de cima do computador será esquecido. Somos feitos para o esquecimento (...)». Permitimo-nos, no entanto, hoje, num profundo abraço de despedida e de saudade, contrariar o poeta: Manuel António Pina, nunca serás esquecimento. Perdurará a tua «voz acordada». Poderás mais uma vez interpelar-nos «– não é a morte o que as palavras procuram?». Talvez, Manuel. Mas as palavras da tua poesia, da tua vasta obra, são vida. A morte do corpo não te mata. Escuta estes versos teus: «(...) Agora que os / olhos se fecharam / fico acordado toda a noite / diante de uma coisa imensa.»
terça-feira, 16 de outubro de 2012
JOSÉ LUÍS TINOCO
Vai fazer 80 anos lá para finais de Dezembro.
É um grande senhor Um grande artista como já não se usa. capaz de falar em muitas línguas: arquitecto, pintor, poeta e, sobretudo músico. Foi autor de algumas das mais belas canções portuguesas dos últimos 40 anos.
A partir de hoje, aqui, de vez em quando, uma chamada de atenção para a obra do meu querido amigo José Luís Tinoco.
sábado, 13 de outubro de 2012
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
ESCOLHER UM LIVRO
Ler não é uma actividade natural e vital como comer, beber, etc, etc.
Refiro-me a palavras e livros.
É natural chegar à janela e ler o tempo nas nuvens, olhar para alguém e ler-lhe a boa ou má disposição na expressão do rosto. E tantas outras coisas que lemos permanentemente e sem dar por isso.
Mas ler livros não é natural.
Há quem tenha curiosidade e apetência genuínas pelos encantos que as palavras e os livros escondem. E há quem não tenho curiosidade nenhuma. Ou, pior, quem por birra afirme assanhadamente que não quer ou não gosta de ler.
A verdade é que ler tem de ser uma actividade induzida, encaminhada, incentivada. Uma dádiva de amor e afecto. Os pais, os professores, os promotores do livro e da leitura devem levar os seus meninos pela mão. É preciso ler-lhes histórias, ajudá-los a escolher as suas histórias, dar-lhes liberdade de encontrarem os seus caminhos de leitura.
E não basta ler aos meninos quando eles são pequeninos. Ajudar os outros a ler e a amar a leitura é, quanto a mim, o trabalho de uma vida.
A minha amiga Isabel Stilwell dizia-me que leu histórias aos filhos à hora de dormir até aos 18 anos!
Atenção, senhores professores: ler é muito mais do que uma competência. Um professor que se limita às competências é obviamente incompetente. Porque as competências são só metade da verdade.
Ler é um acto civilizacional, de construção pessoal, de encontro com o mundo.
Afirmou Gerges Steiner:
“Ler não é sofrer mas, falando com propriedade, estarmos prontos a receber em nossa casa um convidado, ao cair da noite.”
sábado, 6 de outubro de 2012
CONTAR HISTÓRIAS EM TROUXEMIL
Chegam fotografias atrasadas. Bem... Não sei se serão atrasadas. Nunca é tarde para relembrar os momentos bons.
Em Trouxemil, perto de Coimbra, a Junta de Freguesia tem uma Biblioteca. Mais do que isso, tem a Clarisse, uma Bibliotecária muito activa que faz da Biblioteca aquilo que ela deve ser, não um depósito de livros, mas um sítio onde as pessoas se encontram, onde levam os seus filhos e onde a leitura é um pretexto para as pessoas se conhecerem melhor e também para partilhar a magia das palavras e das histórias.
A Clarisse é teimosa e sempre que pode convida-me e torna as minhas visitas numa festa.
Esta festa já aconteceu há tempos mas é bom recordar.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
AS ORELHAS VOADORAS
Não gosto de falar dos livros antes de sairem a público.
Mas desta vez faço uma excepção.
Chegaram-me as primeiras lustrações da Fátima Afonso que eu quis muito que fosse minha parceira na ilustração neste livro. E são tão bonitas e adequadas que não resisti a partilhá-las com os meus amigos que fazem a gentileza de vir espreitar este blog.
A editora é a Paulinas. Só deve vir a público lá para Fevereiro ou Março. Mas fica aqui um pequeno extracto para fazer água na boca.
(Que estultícia esta de auto-elogiar-me com a "água na boca"... Mas gosto muito do texto e fiquei apaixonado pelas primeiras ilustrações.)
Aqui vai:
"Francisco Nicolau era um menino muito curioso. Detestava ficar sozinho e em silêncio. E queria ouvir tudo o que se passava no mundo!"
"Como todos sabem, quando uma pessoa deseja muito uma coisa, mas mesmo muito, há sempre uma fada que, misteriosamente, aparece e lhe concede a realização desse desejo.
Foi assim que, numa noite de lua cheia, mal o Francisco Nicolau acabara de adormecer, surgiu a Fada dos Desejos. Fez Plim com a sua varinha mágica e logo se acenderam 17 mil luzinhas à volta da cama dele.
Nesse instante, as orelhas do Francisco Nicolau começaram a tremer, a tremer. Soltaram-se da sua cabeça e, juntinhas, como se fossem as asas de uma borboleta, flap-flap, flap-flap, saíram a voar pela janela!"
domingo, 30 de setembro de 2012
MÁRIO DE CARVALHO
Um dos melhores escritores portugueses da actualidade é seguramente o Mário de Carvalho.
Livros como "Casos do Beco das Sardinheiras", "A inaudita guerra da Avenida Gago Coutinho", "A paixão do Conde de Fróis", "Contos vagabundos", "E se trocássemos umas ideias sobre o assunto" ou esse extraordinário romance que é "Um Deus passeando pela brisa da tarde" são referências fundamentais do bem escrever português.
A isso se junta uma ironia absolutamente deliciosa e uma ternura por vezes melancólica e tão portuguesa como só se encontra em poucos escritores.
Pois o Mário esteve presente em mais uma das sessões da Tertúlia Sintrense, desta vez no simpático restaurante A Sopa da Avó.
A nós juntou-se o Miguel Real, grande amigo, excelente escritor também e especialista na história crítica da literatura portuguesa, a mais recente
A conversa correu ligeira e divertida. Os garfos tiveram gostoso trabalho.
Foi bom.
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
O LIVRO E A LEITURA EM OURIQUE
Nos últimos 10/15 dias andei longe do blog mas quase sempre perto de algumas queridas Bibliotecas.
Fui à XVI Feira do Livro em Ourique. Na Biblioteca Municipal.
Um mimo de Biblioteca. Com gente que sonha e sorri porque sabe que está a fazer um trabalho consistente, alegre e de futuro. O trabalho de promover o Livro e a Leitura.
Ainda por cima, a autarquia apoia claramente o trabalho da Biblioteca o que, infelizmente, nem sempre é regra neste país.
Imagine-se que a Biblioteca fecha todos os dias às 19h00 e um dia por semana às 22h00!
Um exemplo fantástico a seguir. Porque quem trabalha só poderá sentir-se tentado a ir à Biblioteca depois das horas do seu serviço.
Parte significativa das nossas elites é um bocadinho (estou a ser simpático) prima pela iliteracia e por isso tem muita dificuldade em entender a importância desta parte determinante da batalha pelo desesenvolvimento socio-económico que é a leitura.
Podia dar exemplos do resultado desta iliteracia ao nível de uma ou outra autarquia e da incapacidade dar meios às Bibliotecas. Fica para um dia até porque poderia parecer regra e não é. Muitas autarquias primam, pelo contrário, pelo apoio ao desenvolvimento cultural das suas populações, como é o caso de Ourique.
domingo, 16 de setembro de 2012
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
LUZ
LUZ
(Sobre pinturas de Edward Hopper)
Não mastigues esta luz
Passa por dentro dela
ao lado dela
abaixo
acima
Deixa que te toque o rosto
Apaga-te perante o seu esplendor.
José Fanha (Inédito)
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
ENCONTRAR A VIDA
“Nos livros não pomos a vida. Encontramo-la”
Alan Bennett, “A leitora Real”
"A Leitora Real" é um pequeno e delicioso romance em que o autor, com uma irona fantástica, nos conta a vida em Buckingham Palace quando a Rainha descobre os prazeres da leitura.
domingo, 9 de setembro de 2012
CONTAR HISTÓRIAS
“Se pensarmos bem, ser escritor é algo muito estranho. É uma forma
completamente doida de viver, que consiste em estar sozinho num quarto
o dia todo. Poucas pessoas conseguem aguentá-lo. A maior parte quer
ganhar dinheiro, quer segurança, e não há segurança em ser-se
escritor. E também não faz sentido escrever para ser famoso, pois
muitos não alcançam reconhecimento. Quem escolhe esta vida fá-lo por
paixão. E também porque está de algum modo doente, porque é um ser
ferido, danificado. As pessoas normais não precisam disto, o mundo
é-lhes suficiente. Estar vivas é-lhes suficiente.”
“…as pessoas precisam de arte, de histórias, de narrativa. Sejam
romances, filmes, televisão, banda desenhada ou simplesmente conversas
á volta da mesa. É algo central ao ser humano. E eu sinto que faço
parte desse enorme empreendimento humano que é contar histórias.”
Paul Auster, “Expresso”, 01.09.12
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
SEM ALTERNATIVA AO MERCADO?
Nunca li Jonathan Coe mas tenho o seu último romance, "A vida privada de maxwell Sim", na pilha cada vez maior das urgências.
A leitura de um livro faz-se por vezes de muitas coisas, opiniões ouvidas, críticas de jornal, entrevistas do autor... Tudo isso junto nos encaminha para o livro e nos ilumina e completa a leitura.
No dia 25 passado, a "Actual" do Expresso trazia uma muito interessante entrevista com Jonathan Coe.
Falava-se da tradição do humor na literatura inglesa, da situação no mundo e na Europa, da vida que cerca e que faz com que um escritor seja aquilo que é e escreva aquilo que escreve.
Respigo uma resposta do autor britânico:
"Parte do problema da Inglaterra é que a margem de diferença entre os partidos é muito pequena. E, em termos económicos, são todos de direita, nenhum deles defende uma alternativa ao mercado."
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
CHEIRO A SOL
E mais um poema de Manoel de Barros. Ando com ele nos bolsos da memória. Há dias assim, em que a poesia não sai do ninho.
Retrato do artista quando coisa: borboletas
Já trocam as árvores por mim.
Insectos me desempenham.
Já posso amar as moscas como a mim mesmo.
Os silêncios me praticam.
De tarde um som de latas velhas se atraca
em meu olho.
Mas eu tenho predomínio por lírios.
Plantas desejam minha boca para crescer
por de cima.
Sou livre para o disfrute das aves.
Dou meiguice aos urubus.
Sapos desejam ser-me.
Quero cristianizar as águas.
Já enxergo o cheiro do sol.
Manoel de Barros
Subscrever:
Mensagens (Atom)