terça-feira, 30 de abril de 2013

LER E PENSAR




A revista LER de Novembro passado trouxe uma excelente entrevista com Alberto Manguel. Muitas razões haveria para trazer aqui as afirmações e reflexões de Manguel. Ficam apenas 3 citações. Haverá quem as discuta ou critique. E ainda bem. É para isso que nos servem estes assaltos ao texto. Estes recortes Para nos abanar, inquietar, ancorar, porventura


“Há uma definição do crítico canadiano Northop Frye do que é um clássico: é uma obra cuja circunferência é sempre maior que a do melhor dos seus leitores.”



“A Divina Comédia é um texto infinito E há textos bidimensionais que são só superfície, onde um leitor não pode penetrar sem o quebrar. É o caso dos livros de Paulo Coelho.”



“Sem querer parecer paranóico, creio que as autoridades estatais funcionam em colaboração com as grandes empresas para manter a ideia de que o consumo arbitrário é necessário.”

Alberto Manguel , revista “LER”, Nov. 2012

sábado, 27 de abril de 2013

ENCONTRO



Hagar Peeters, poeta Holandesa que o meu amigo Nicolau Santos publicou na sua coluna sobre economia no Expresso. O jornal vale pelos poemas que o Nicolau publica. O resto são notícias e opiniões quase todas descartáveis. Os poemas, esses hão-de ficar. Obricado Nicolau. Grande abraço.

ENCONTRO

Ele não apareceu.
Talvez tenha adoecido ou ficado debaixo de
um eléctrico. Talvez outra pessoa se pusesse na conversa com ele.
Talvez se tenha esquecido do relógio,
ou o relógio se tenha esquecido de lhe dar o tempo certo.
Talvez o carro não pegasse,
ou tenha ficado avariado a meio do caminho.
Talvez alguém lhe telefonasse quando ia a sair de casa,
dizendo-lhe que tinha de ir a um funeral
ou que a mãe dele tinha morrido.
Talvez tenha encontrado um antigo conhecido.
Talvez tenha tido uma discussão no emprego,
tenha sido despedido e esteja a esconder
a cabeça debaixo de uma almofada.
Talvez a ponte estivesse fechada e
a seguinte também.
Talvez o semáforo permanecesse vermelho.
Talvez o multibanco tenha engolido o cartão
ou a meio do caminho tenha reparado que se esquecera
do porta-moedas.
Talvez tenha perdido os óculos,
não conseguisse deixar de ler,
houvesse um programa que ele queria acabar de ver,
não conseguisse dar a volta à fechadura da porta,
não encontrasse as chaves em sítio nenhum e
o cão dele de repente começasse a vomitar.
Talvez não houvesse um telefone por perto,
não encontrasse o restaurante
ou esteja à espera noutro sítio, por engano.
Talvez – a última possibilidade,
incompreensível e inesperada –
ele tenha deixado de me amar.

(in Genoeg gedicht over de liefde vandaag, 1999,
tradução de Maria Leonor Raven-Gomes)

quinta-feira, 25 de abril de 2013

AGORA DEVE-SE BEBER, DANÇAI



Porque nunca é demais lembrar esse momento tão longe dos olhos, dos mandantes e das ruas, e tão perto do coração.

HÉLIA CORREIA


25 DE ABRIL


Agora deve-se beber, ohé, dançai
sobre este chão que estala com o cheiro
das coisas prometidas, com o fresco
tambor da ansiedade.

É a festa, mulheres!
Que sangue vibra,
que flor ou menstruo? Cor
que abotoais nas blusas, que atirais
na direcção do sol.
Espantosamente
se desfaz a montanha.

Hoje é a ceifa, ohé!
Beijai a terra,
soletrai-a com sede e devagar
como se toma a posse do amor
e se mordem os frutos.

Salve, mãe, o teu ventre perfumado
pelo nosso triunfo.

Bebamos, pois o vinho destas vozes,
soltemos estes cravos como potros
embriagados.
Como intensas éguas
incendiárias.

Cantai, cantai, crianças, o esplendor
de que nasceis herdeiras.

Erguei nas vossas mãos o ar por onde
esvoaça esta alegria.

Que ninguém adormeça.
Por que dias,
meses a fio, e anos, dançaremos
por sobre a claridade.

Vinde, bebei, ciganos:
eis a pátria.

terça-feira, 23 de abril de 2013

LIBERDADE



Nos grandes momentos da luta pela livberdade a voz dos poetas anuncia a libertação e abraça os que quebram os laços de servidão.

Aqui paul Éluard traduzido por Carlos Drumond de Andrade

LIBERDADE

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco de cada dia
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade

sexta-feira, 19 de abril de 2013

LER TEATRO




Quando herdei o quarto do meu irmão mais velho que se foi para Moçambique, herdei também alguns dos seus livros que por lá ficaram.

Era menino de 7 anos ou por aí. Um pouco mais tarde pus-me a escafandrar nessa herança de papel e a ler aqueles livros que por lá ficaram. E entre eles havia muitas peças de teatro. Recordo Jean Anouilh, Ionesco, Pirandello, Brecht e outros. Lia-se teatro nesse tempo. Penso que a censura proibia a representação de muitos textos mas não a sua edição em livro. Fiquei com esse hábito: ler teatro. Imaginar teatro a partir do texto.

E depois, passei a ver teatro. E depois ainda a escrever teatro.

Li este texto delicioso do meu querido amigo António Torrado. Fala daquela velha suspeita de o enfezado filho de D. Henrique possa ter sido trocado por outro menino, forte e saudável que viria a ser o nosso D. Afonso Henriques.
Hoje não é hábito ler teatro. As editoras viraram-lhe as costas com a excepção da Cotovia que tem uma belíssima colecção de textos tetrais contemporâneos.

O meu amigo Adelino Cardoso da Lápis de Memórias que não anda atrás de best sellers mas de livros para ler e mastigar editou a peça do António Torrado. E ainda bem

O texto é uma delícia e a representação pelo grupo de teatro Jangada de Lousada, que também tive a possibilidade de ver, é outra delícia. E para todas as idades.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A FÁBRICA DO TEMPO



E aqui está outro livro delicioso. Da minha muito querida amiga Sílvia Alves, excelente escritora para a infância e contadora de histórias, também conhecida pelo nome quase histórico de Bruxinha de Papel.

As ilustrações são uma festa para os olhos, do Pierre Pratt. Daquelas ilustrações que acrescentam a história que é já de si uma delícia.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

QUERIDO FIM DE SEMANA



A Maria de Lurdes Soares é uma querida amiga, uma mulher que sabe como se escreve e como se produz um livro para crianças

O sol chegou e o tempo começa a chamar-nos para os prazeres de um fim-de-semana mesmo que seja 2ª ou 3ª ou 4ª feira.

Por isso, talvez não seja mau começar qualquer fim-de-semana por este fim-de-semana ao sabor de um texto delicioso e das ilustrações ternas e festivas da Raquel Pinheiro.

sábado, 13 de abril de 2013

CREDO



A poesia traz-nos por vezes surpresas e emoções inesperadas.

Às vezes a maré da vida traz-nos um poema que não conhecíamos e nos ilumina e nos enche de júbilo e nos deixa felizes, felizes por não sermos Ministros das Finanças ou do Interior, ou da Medicina ou da Doença, mas poetas ou músicos ou professores, ou puros traficantes de palavras e sentidos.

O meu amigo Pedro Lamares fez-me conhecer um poema da Natália XCorreia que eu não conhecia e que... Façam o favor de ler e vão ver.

CREDO

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantas,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro.Amen.

Natália Correia