domingo, 19 de outubro de 2008

O ALMOÇO DO LADO



O Artur Semedo é outro dos amigos pouco canónicos com quem tive o imenso prazer de conviver.

Tinha eu uns 12 anos, alguém da família arranjava bilhetes á borla, e eu vi vezes sem conta e sempre fascinado "O meu amor é traiçoeiro" no Teatro Monumental, um drama popularucho mas intenso e cheio de chispa, pelo que recordo. Dois actores em cena: Laura Alves e Artur Semedo. Mal eu sabia que me ia cruzar várias vezes na vida com aquele galã galifão que me deixava de boca aberta. Ele e a Dona Laura que era uma notável actriz.

O Artur Semedo foi benfiquista violento, actor, cineasta (Quem não viu "O Rei das Berlengas" com o Mário Viegas entre outros filmes igualmente delirantes?)




Unia-me ao Artur Semedo o gosto pela desmesura, o prazer de inventar histórias e desatinos, e o facto de ambos termos estudado no Colégio Militar, embora com uns quantos anos de diferença.

Dele ouvi histórias fantásticas de feitos amorosos e brigas, histórias que fazem parte de um cancioneiro por recolher da vida boémia lisboeta dos anos de chumbo do salazarismo.

A mais conhecida era a da luva preta que usava sempre na mão esquerda, creio eu, e da qual fez um mistério público até ao dia em prometeu tirar finalmente a luva para mostrar porque é que usava a luva preta. E quando tirou, em directo, na televisão, por baixo da luva tinha outra luva!

O Artur Semedo era um personagem de si próprio. Aquilo a que às vezes no teatro se chama um "tipão".

A certa altura, pelos anos 80, tivemos um vago projecto comum para um programa de televisão que era mais um pretexto para almoçarmos imperetrivelmente á segunda feira, durante vários meses, no defunto restaurante "António".

Era um regabofe. Divertíamo-nos mutio. Durava horas o almoço e a conversa corria livremente em todas as direcções.

O Artur tinha o prazer da rábula por vezes a raiar o limite do bom senso.

Um dia o restaurante estava cheio. Sentámo-nos numa mesinha encstada à de um casal estrangeiro muito compostinho que comia fondue.

Muito delicadamente, o Artur sorriu-lhes, cumprimentou-os e perguntou-lhes em português como estava o fondue. Sem nada perceber, o casal estrangeiro sorria imaginando que estava a ser brindado por qualquer espécie de gentil ritual de simpatia tipicamente portuguesa.

O Artur, sempre em grandes gestos de delicadeza um tanto histriónica, virou-se abertamente para o almoço do lado, pegou num garfo, picou um naco de carne, fritou-o no óleo e comeu-o.

O casal estrangeiro olhava-o começando a deixar amarelecer o seu sorriso. Mas o Artur não ficou por aqui. Continuou a comer-lhes o fondue com grandes tiradas pomposas, grandes gestos e rasgados sorrisos enquanto devorava todo o resto do fondue.

Os senhores não sabiam se haviam de rir ou de chorar ao ver a comida a desaparecer.

Eu... Foi por pouco que não me urinei nas calças para conter o riso pelo insólito delirante a que ninguém seria capaz de arrancar o Artur Semedo que, acabado o fondue, encomendou finalmente o nosso almoço.

2 comentários:

Caçadora de Emoções disse...

Zé Fanha,
Lembro-me do Artur Semedo e da célebre "luva preta", das suas excentricidades. Só o via pela televisão, é claro. Em programas e filmes.
Achei piada a esta história, no mínimo singular, que partilhou connosco. Continue a contar-nos histórias reais...
Obrigada.
Fique bem.

Beijos e um grande sorriso :)

Marques Correia disse...

... "por pouco que não me urinei nas calças"?!

Mas que rebuscado...