quarta-feira, 29 de maio de 2013
ESCULTURAS PARA HABITAR... OU TALVEZ NÃO
O Arquitecto Calatrava tem deixado a marca do seu magnífico desenho pelas grandes cidades do mundo. É um excepcional criador de objectos urbanos. Um escultor de espaços arquitectónicos.
Eu que sou arquitecto não praticante, mas arquitecto, não posso deixar de admirar os objectos de Calatrava, entre os quais a Estação do Oriente no Parque das Nações. Não gosto de lhes chamar arquitectura mas escultura urbana.
Explico. Também sou utente e com muita frequência da Estação. Não a vejo só de fora. Uso-a. No Verão e sobretudo no Inverno. Deixo inúmeras vezes o carro no estacionamento e tenho de percorrer centenas de metros e várias escadas rolantes para chegar às bilheteiras e às plataformas para apanhar o comboio.
Além deste percurso longo e doloroso para quem tem hérnias discais como eu e uma mala de rodinhas para levar por ali fora e por ali acima, acresce o extremo incómodo das plataformas. São lindas. Mas o vento, o frio e a chuva fustigam quem tem de esperar pelo comboio. Tem sido o meu caso vezes sem conta.
É claro que a Estação foi feita para a Expo 98 que se inaugurou em pleno Verão e tinha uma utilização muito intensa.
Mas não era apenas para isso. Era e é para continuar no tempo. E aí é que a porca torce o rabo.
Sempre entendi a Arquitectura como uma forma de arte para habitar. O arquitecto tem de responder a várias ordens de problemas, técnicos, de desenho,de inserção no espaço urbano, de resposta aos programas de utilização, de procura dessa conjunção que faz as obras raras que é a de juntar beleza e conforto.
Um dos mais fantásticos e delirantes textos sobre este tema chama-se "Se os impressionistas fossem dentistas". Woody Allen no seu melhor. Vale a pena lê-lo e pensar que aquele dentista que fazia obras de arte na boca das pessoas sem querer saber do seu conforto tem uma atitude semelhante à de alguns artistas que esquecem o seu público e as respectivas necessidades.
A Estação do Oriente é bonita vista de fora. Muito incómoda por dentro. Não me parece uma obra de arte boa para habitar. A não ser para os sem abrigo que a partir das 22/23h00 estendem papelão, velhos cobertores e mantas nas longas bancadas e ali dormem enrolados na solidão, no álcool, nos cães. De madrugada têm de sair. Às vezes, quando chego tarde, vejo-os nas tarefas de fazer a cama. Outras vezes chego tão cedo que ainda estão a beber o primeiro bagaço e a partir para os seus descaminhos na cidade.
Tremo sempre ao vê-los. Mas dou graças por terem ao menos esta morada e peço que o Deus dos comboios vele sempre pelo seu sono.
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3 comentários:
Magnífica arquitetura de afetos!
No fundo, bem lá no fundo, afinal estas obras de arte são habitadas (apenas por alguns que, não tendo melhor, as consideram a sua casa... pelo menos durante umas horitas...)
100% de acordo!
É também um suplício para mim e, evito ir a Lisboa por isso, especialmente quando se chega em cima da hora e não se sabe que escada rolante "apanhar" para ir ter à plataforma do comboio!
Um abraço
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