E aqui fica um texto do próximo 2º volume do "DIÁRIO INVENTADO DE UM MENINO JÁ CRESCIDO"
AS CASAS PARA USAR E AS CASAS PARA NÃO MEXER
A minha mãe levava-me às vezes a visitar uma senhoras que têm casas onde não se pode mexer em nada. Só se pode ver.
Todas as coisas que existiam nessas casas eram coisas muito caras. Os candeeiros cheios de vidrinhos, as cortinas cheias de cordões, as mesas cheias de tacinhas, as tacinhas cheias de dourados e tudo tão cheio de coisas que nem podia dar um espirro com medo de estragar alguma daquelas coisas.
Essas casas estavam muito limpas. Tão limpas que nem eram casas. Eram só limpeza. Tinham cheiro a cera e havia sempre plásticos em cima dos sofás, e tapetes pobrezinhos em cima de tapetes mais ricos e naperons em cima das televisões.
Nós entrávamos, víamos tudo, estava visto, “Que lindo, que lindo!”, dizia a minha mãe. E depois ela e a dona da casa iam conversar para a cozinha.
Eu, como não sabia o que é que havia de fazer, punha-me a pensar e ficava cheio de pena daquelas casas. Tinham sempre os estores fechados e lá dentro só havia sombras e cheiro a remédio para as baratas e por isso eram casas muito tristes. Não viam o sol e a lua, não ouviam gargalhadas, nem espirros, nem meninos a chorar, nem mães a cantar para os filhos adormecerem.
Quando eu for grande quero ter uma casa sem plásticos por cima dos sofás. Uma casa onde possa pular e, às vezes, rebolar pelo chão e adormecer num sofá quando o sol começa a ir-se embora. Quero uma casa com cheiros de comida e de pessoas, onde se possa tocar e mexer. Porque, se ninguém mexer nelas, as casas ficam muito tristes e podem até morrer.
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4 comentários:
Querido Fanha,
que enorme alegria me traz esta notícia - finalmente o 2.º volume do "Diário"! Há anos que esperava por isso (já lho tinha pedido algumas vezes...)e, pela amostra, vai ser outra leitura "iniciática".:) Eu explico. Sempre que me perguntam "Que livro recomendas a uma criança, adolescente que não tem muitos hábitos de leitura...?" Lá vem o "Diário" e parece-me que tem resultado! Sei de muitos leitores que vão ficar felicíssimos.:)
Um beijinho,
Jacqueline
Querido amigo José Fanha
Gostei imenso deste texto que me fez lembrar um episódio divertido que sucedeu na minha família.
Um menino sossegado, mas curioso e em visita a uma dessas casas viu uns bonequinhos de plástico em cima de um grande armário com as louças requintadas da família, uns ciclistas que se colecionavam. Resolveu agarrar-se ao dito armário para retirar os ciclistas e tragédia... o armário caiu-lhe literalmente em cima. Como se pode ver estas casas também podem matar... Não foi o caso, mas poderia ter sucedido. Na circunstância houve uns galos na cabeça e arranhões, uma valente sova e uma despesa familiar acrescida... Um armário novo para os donos da casa. Ana Cruz
Curioso: as senhoras foram conversar para a cozinha; o menino teve de ficar quase estático no meio do museu...
e até os museus já encorajam o mexer, o palpar.
São bonitos (sempre!) os olhos do menino na sua simplicidade, na sua fantasia...
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